Bom, feriadão, dia de textos interessantes lidos durante a semana.
Recorro uma vez mais à excelente análise do jornalista econômico Luis Nassif. Em seu blog esta semana ele faz uma análise estratégica muito interessante do Brasil, que reproduzo aqui.
Boa leitura.
“Em meu livro “Os Cabeças de Planilha”, a partir da observação do dia a dia da economia, procurei desenvolver a tese de como se daria o estalo, o processo que deflagraria a percepção de desenvolvimento nacional e que pudesse vitaminar todo o organismo econômico, tal como ocorreu no governo JK.
Pensava em algo assim:
1. O país vai desenvolvendo, ano a ano, um conjunto cada vez mais amplo de setores modernos.
2. Quando esses avanços são percebidos no seu todo – e por todos os setores -, deflagra-se o movimento modernizador, desperta-se o chamado “espírito animal” na economia.
3. Em algum momento, algum evento político ou econômico daria o tiro de partida, despertando o país para essa nova realidade.
4. Ganharia o galardão de Estadista o político que conseguisse mostrar que o país é composto pela soma de todas as partes, o mercado, o sistema financeiro, as políticas sociais, os movimentos sociais, o agronegócio, a indústria, os cientistas, os gestores, as multinacionais, as pequenas e micro empresas e se transformasse na síntese, conduzindo.
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A Constituição de 1988 permitira grandes avanços sociais. O governo Collor fizera o trabalho sujo de desmonte do modelo anterior, de redução da dívida pública para patamares civilizados e deixara plantadas as sementes de programas de qualidade, da abertura gradativa da economia. Mesmo aos trambolhões, o governo Itamar Franco manteve a chama da responsabilidade social que emergiu com a Constituinte.
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FHC pegou o país pronto, uma conjuntura internacional extraordinariamente favorável (com o reposicionamento das multinacionais no mundo), o PSDB tornou-se o pólo de atração de quadros técnicos dos melhores – PUC Rio, FGV São Paulo, FEA.
FHC tinha preparo, história, acesso aos movimentos de esquerda e aos empresários, à academia e à política. Todos os grupos modernizadores, plantados nos anos anteriores, convergiram automaticamente para sua candidatura, em 1994.
Mais que isso, tinha a espoleta política capaz de deflagrar a auto-estima nacional: um plano de estabilização bem sucedido.
Naqueles primeiros anos, o país regurgitava o novo. Estudos eram tirados das gavetas, por todos os cantos havia a esperança da inovação, da mudança de hábitos, da modernização.
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Foi essa oportunidade histórica que FHC jogou no lixo. O que explica esse desperdício? Em parte, porque sua única obsessão era o chamado controle do Estado – a criação de oportunidades de enriquecimento para novos grupos, através da privatização.
Mas, muito, por conta da extrema falta de compromisso com o país. Era apenas um deslumbrado com o poder. De imediato afastou do Palácio os dois tucanos que poderiam impulsionar o governo – Sérgio Motta e José Serra.
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Com o tempo, conseguiu descaracterizar completamente não apenas seu governo, mas o próprio PSDB.
Tirou do partido a vitalidade inicial, a busca do novo, a visão de conjunto e pragmática sobre o país, a ponto de descaracterizar completamente o próprio José Serra – cuja submissão intelectual e emocional a FHC um dia ainda será objeto de análises mais aprofundadas.
Em busca do tempo perdido – 1
A inação de FHC gerou quinze anos de atraso ao país. Só agora se retoma a trilha perdida, por conta da intuição de Lula. Não é por outro motivo que o ex-Ministro Delfim Netto – que não é de gastar elogio à toa – declarou dia desses que Lula salvou o capitalismo brasileiro. Não se trata de mera retórica. Depois das cabeçadas iniciais, Lula conseguiu entender muito melhor do que FHC a lógica do Estadista.
Em busca do tempo perdido – 2
O caminho passava pela conciliação da nação em torno dos novos valores do desenvolvimento. Ao contrário de FHC – que encontrou o país pronto – Lula precisou construir seu próprio caminho. O primeiro desafio consistia em desarmar seu próprio partido – um amálgama de várias tendências e de vários estilos políticos. Depois das cabeçadas iniciais, quando bateu no fundo do poço – o episódio dos chamados “mensaleiros” – começou a virada.
Em busca do tempo perdido – 3
A crise ajudou a domar as áreas mais radicais do partido. Quem não se enquadrou saiu para montar partidos mais à esquerda. Dentro do governo, Lula abriu espaço para o agronegócio (através do Ministério da Agricultura), para a agricultura familiar (através do Ministério do Desenvolvimento Agrário), para o mercado (através do Banco Central) e para os movimentos sociais (através do Ministério da Integração Social).
Em busca do tempo perdido – 4
Ao mesmo tempo em que imprimia uma política econômica muito ortodoxa, pouco a pouco foi montando a área desenvolvimentista do governo, com o eixo BNDES-Ministério da Fazenda. Demorou para implementar a nova política? Para muitos, demorou. Mas aguardou o tempo político. Quando eclodiu a crise mundial, veio a oportunidade para a mudança na política econômica. Aproveitou-se com um senso de oportunidade único.
Em busca do tempo perdido – 5
No plano político, projetou a imagem de um pacificador inesperado, tendo em conta seu histórico de lutas sindicais pesadas. Apesar de alvo da mais inclemente campanha de mídia que um presidente jamais encarou – mais acirrada e prolongada que a própria campanha do impeachment – jamais radicalizou suas críticas ou se valeu do poder do príncipe para pedir a cabeça de jornalistas – o oposto de alguns adversários.
Em busca do tempo perdido – 6
Por tudo isso, a herança bendita de Lula não foi FHC. Foi o movimento pela qualidade, o pensamento desenvolvimentista, os mercadistas, os que construíram o agronegócios e os movimentos sociais. Em suma, essa grande confluência de setores e fatores que compõem o Brasil moderno. O sindicalista semi-alfabetizado soube entender a complexidade do país muito mais do que o sociólogo consagrado.”