Sei que hoje é quarta feira, mas os afazeres acabaram me impedindo de publicar a coluna em seu dia marcado. Peço desculpas aos leitores.
O samba de hoje é um dos meus preferidos de minha escola do coração, a Portela. Embora não seja muito conhecido perto de outras grandes obras da escola, é um samba de que gosto muito. 1982, “Meu Brasil Brasileiro”.
A azul e branca de Oswaldo Cruz vinha em uma fase de bons desfiles desde a contratação do carnavalesco Viriato Ferreira, em 1979. Para o carnaval de 1982 Viriato propôs o enredo “Meu Brasil Brasileiro”, um grande passeio pelo folclore brasileiro. Seriam mostrados o maracatu, a capoeira, o bumba-meu-boi, os repentistas, o candomblé e, obviamente, as escolas de samba cariocas.

Entretanto, Viriato se desentendeu com a diretoria da escola (mais um da longa lista de talentos expulsos pelo ex-presidente Carlinhos Maracanã, de triste memória) devido aos rumos solicitados pela diretoria para o desfile e o enredo acabou sendo executado pelos carnavalescos Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo.
O regulamento daquele ano havia sofrido modificações importantes. Foram proibidos os destaques vivos em cima das alegorias – reflexo direto da queda sofrida no ano anterior por um deles – e o número de carros alegóricos foi reduzido a três. Ao contrário de outras escolas, a Portela seguiu à risca o regulamento e optou por pequenas alegorias de mão, levadas pelas alas da escola.
Assinado pelo grande David Correa, em parceria com Jorge Macedo, o samba era o quarto consecutivo assinado pelo grande compositor e o sexto em todos os tempos. Entretanto, marcaria o início de um jejum do compositor na escola, que somente voltaria a levar um samba de sua autoria para a Sapucaí em 2002 – vinte anos depois. Ressalte-se que David Correia andou vencendo neste intervalo de tempo disputas em outras escolas, como o Salgueiro, a Mangueira, a Vila Isabel e a Estácio de Sá.

Oitava escola a desfilar, a Portela entrou na avenida já ao amanhecer da segunda feira de carnaval de 1982, 22 de fevereiro. Apoiada sobre pandeiros, a águia majestosamente abria caminho pela passarela e permitia à escola cantar a plenos pulmões o belo samba – acompanhada em peso pela arquibancada. As fantasias, bem desenvolvidas, traziam majoritariamente tons de azul e branco.
Destacavam-se a Divina Elizeth Cardoso como “Rainha do Maracatu” e a saudosa Clara Nunes representando a “baiana do Candomblé”. A escola proporcionou um belo espetáculo para o público que, dias antes do carnaval, se envolvera em um tremendo tumulto para conseguir comprar os ingressos – confusão esta que resultou em alguns feridos e grande espaço nos periódicos da época.

A Portela saiu da passarela como uma das favoritas, junto com o Império Serrano e a Imperatriz Leopoldinense, que tentava o tricampeonato. Beneficiada pela punição sofrida pela escola de Ramos, que trouxe destaques sobre seus carros, a escola obteve o vice-campeonato com 185 pontos – atrás apenas do inesquecível “Bum bum paticumbum prugurundum” do Império Serrano.
A última grande festa do samba de Madureira.
Vamos à letra do samba, que pdoe ser ouvido, em sua versão de estúdio, aqui.

“Vem me fascinar
Oh que sedução
O canto de minha gente
Assediando meu coração
Semente que a arte germinou
E o tempo temperou
Amor (ô amor)
Como é gostoso amar (amar)
Se a vida é contra-dança
O folclore é o par

Espalhei no meu caminho (ô)
Olê, olê, olá (olê, olá)
Sou folclore, sou a brisa
Esta noite no meu verso
Vou lhe beijar
 
No meu país tudo é assim
A lua acende a poesia lá no céu (lá no céu)
Violeiro, repentista
Seresteiro e sambista
Desafiam em cordel
Sou namorado
Troco mágoas pela flor
Capoeira também chora
Quando perde o seu amor 

Amar eu sei
Isso é muito mais que amor
Eu sou amante

E sou menino sonhador
Das escolas de samba

Me leva, me leva
Me leva baiana que eu também vou
Mestre-sala e porta-bandeira
Girando num conto de amor

Semana que vem, um samba recente, um dos últimos a fazer a arquibancada cantar junto com a escola: São Clemente 2001.

(Pesquisa e fotos: PortelaWeb)