Camaradas, esse espaço decreta, definitivamente, o início das festas de Momo. Não escreverei, até o final do furdunço, nada inédito nessas bandas. Aceitei a sujestão que me deram: relembrar alguns textos que escrevi no antigo blog sobre os sambas de enredo que me comovem, com mínimas modificações. Vou começar com um texto sobre um samba monumental, publicado originalmente no dia 18 de dezembro de 2008: 33 – Destino D. Pedro II. Dá licença:
O sujeito, quando é importante mesmo, não vira estátua. Sempre tive, quando criança, a impressão de que o negócio é virar nome de rua, avenida, rodovia, estádio de futebol com capacidade para 120 mil pessoas, ou então aparecer estampado no dinheiro – o que reputo como seríssimo. Durante muito tempo achei que o homem mais importante do mundo tinha sido o Barão do Rio Branco, cuja efígie marcou as notas de mil cruzeiros em tempos d´antanho. Vai ver que vem daí minha conhecida obsessão pela tumba do Barão, no cemitério do Caju – muito mais imponente que o Cristo Redentor.
Disse isso porque, na verdade, quero falar de D. Pedro II. Ou melhor, quero falar da Companhia de Estrada de Ferro D. Pedro II, inaugurada em 1855 com o objetivo de cortar o território brasileiro a partir da cidade do Rio de Janeiro – Município da Corte. Vejam a moral imensa do nosso segundo Pedro – virou em vida, aos 30 anos, companhia ferroviária.
O primeiro trecho da ferrovia, concluído nos idos de 1858, ligou a Estação da Aclamação, aqui no Rio, à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu ( que hoje atende pelo horroroso nome de Queimados). Os trens percorriam a estação do Campo, Engenho Novo, Cascadura, Maxambomba (minha querida Nova Iguaçu) e chegavam então ao destino.
Pouco depois houve a extensão dos trilhos até a estação de Belém (atual Japeri). Daí em diante, a bichinha foi fazendo piuí-tictac-piuí, transpôs a serra, chegou a Barra do Piraí e tomou o rumo das Minas Gerais.
Quando a turma verde oliva e o pessoal do café proclamaram a República, em 1889, retiraram o nome de D. Pedro II da companhia ferroviária, que passou a se chamar Central do Brasil. Uma pena e uma indelicadeza com o velho imperador, brasileiro de boa cepa. Em 1975 a Central do Brasil virou Rede Ferroviária Federal S.A. . Hoje é a Supervia. Continuo chamando de Central e não discuto.
Mas mudar o nome, como diria o travesti Rogéria, é o de menos. Outros fizeram pior com a ferrovia, sucateada pácas e vítima preferencial da perspectiva rodoviarista que marcou o Brasil a partir da década de 1950 – em especial durante os anos JK, com a duplicação da rodovia Presidente Dutra (trocar D. Pedro II pelo Dutra, aliás, é um disparate). A importância da estrada de ferro diminuiu e desde então o negócio só fez degringolar.
Dizem que hoje a coisa está um pouquinho – só um pouquinho – melhor – mas o fato é que pelo menos até o início dos anos 90 o sufoco da rapaziada que dependia do trem pra se despencar da Baixada Fluminense até o Centro da Cidade do Rio, cortando o subúrbio e vivendo a experiência de sardinha em lata, não era mole. Meu avô dizia que o sujeito dentro do trem, na hora do pega pra capar (os mais descolados preferem a expressão a hora do rush) andava mais apertado que São Jorge na lua minguante – e acabava fazendo o papel do pobre do dragão, que fique claro.
Como, porém, é inerente ao ser humano produzir cultura e reinventar a vida, a coisa terminou em samba – e por essa eu garanto que D. Pedro II, mais chegado num minueto com a Condessa de Barral, não esperava.
Em 1984 a Em Cima da Hora, tradicional agremiação de Cavalcante, desfilou com o enredo 33 – Destino D. Pedro II. O relato sobre o cotidiano da população que depende do trem é comovente e difere completamente de uma certa tradição que marcou durante anos os enredos das escolas – as grandes efemérides, vultos nacionais, heróis da negritude, mitologias indígenas, obras literárias, natureza exuberante e por aí vai.
O negócio foi tão bonito e o defile tão emocionante (vamos sublimar em poesia / a razão do dia a dia/ pra ganhar o pão é das melhores definições sobre como transformar o perrengue em arte que conheço) que o hino cantado na avenida – dos compositores Guará e Jorginho das Rosas – acabou sendo gravado por Jovelina Pérola Negra. É comovente.
Salve (m) o trem e a rapaziada que depende dele !
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5 Replies to “CARNAVALESCAS – DESTINO D. PEDRO II”

  1. Oi Simas,
    Encontrei o blog acompanhando pelo twitter a confusão do plagiador de Vinhedo. Alguns amigos blogueiros também foram plagiados.

    Enquanto lia a lista deles seu nome me pareceu familiar. Cliquei no blog e liguei o seu jeito de escrever com o jeito de falar de um professor de história de um cursinho aqui do Rio.

    Procurei um e-mail para esclarecer a dúvida, mas não encontrei. Então vai por comentário mesmo.
    É você?
    :}
    Bjs,

  2. Meus pais são os autores do enredo e carnavalescos, eu tava na barriga da minha mãe! A Escola subiu pro grupo especial com esse enredo.
    Obrigada por relembrar.

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