No início dos tempos, os índios Carajás viviam no furo de uma pedra de rio , ao lado de seus parentes, os Javaés e os Xambioás. Conheciam a eternidade e só morriam, velhíssimos, quando ficavam cansados da vida – por opção, portanto.
Um dia foram seduzidos pelo canto de uma siriema que, de fora do furo da pedra, começou a falar das coisas da terra. Curiosos, alguns índios resolveram conhecer os mistérios do mundo em que a siriema viva. Quando atravessavam o furo, um índio mais gorducho, exatamente o que sugerira a expedição, entalou e não conseguiu passar. Os demais sairam pelo mundo.
Encontraram uma terra repleta de folhas, frutas, peixes e animais, mas mergulhada na mais absoluta escuridão. Lembraram do companheiro entalado e resolveram lhe levar frutas e um galho seco para tirá-lo do buraco.
Ao ver o galho seco, o índio entalado alertou que os companheiros estavam indo para um lugar onde as coisas envelheciam e morriam. Desiludido, alertou aos demais e resolveu voltar para dentro da pedra. Alguns o acompanharam e nunca mais foram vistos. Os outros iniciaram a peregrinação.
Um jovem índio – Kanaxivue – começou a percorrer, ao lado da amada Mareicó, a terra escura em busca de alimentos. Mareicó, no breu, feriu a mão nos espinhos de uma flor e desistiu da tarefa.
Kanaxivue prosseguiu. Sem enxergar quase nada, acabou comendo mandioca brava. Deitou-se passando mal. De imediato vários urubus começaram a dar voltas em torno de seu corpo. Discutiam se o índio estava morto ou não.
Na dúvida, convocaram o urubu-rei, o mais sábio de todos. A ave pousou na barriga de Kanaxivue para verificar se o jovem de fato morrera. O carajá recuperou o sopro da vida, pegou o urubu-rei pelas pernas e não o soltou. Exigiu, para libertá-lo, os enfeites mais belos.
O urubu-rei trouxe as estrelas.
O índio não se contentou, achou que o mundo continuava escuro e exigiu outro enfeite.
O urubu-rei trouxe a lua cheia.
O índio continuou achando a terra muito escura. Exigiu mais um enfeite.
O urubu-rei trouxe o sol.
A noite foi embora e surgiu o dia. Kanaxivue gostou. O urubu-rei ensinou ao índio e a sua amada Mareicó a utilidade de todas as coisas do mundo. Agradecido, Kanaxivue libertou a ave.
O carajá se esqueceu, porém, de perguntar qual era o segredo da vida eterna e da harmonia entre os homens, os bichos, as pedras, os peixes e as árvores. Quando gritou a pergunta, o urubu-rei, já em pleno voo, respondeu. As árvores, os bichos, os rios e as pedras escutaram a resposta. O índio não escutou.
Por Kanaxivue não ter escutado a última lição do urubu-rei, os homens, desde então, envelhecem e morrem. Os que ficaram no fundo da pedra continuam vivos. Não morreram, mas também não conheceram os enfeites belíssimos que o urubu-rei legou aos homens.
Hoje, com a natureza sendo destruída, a fome e a guerra campeando pelo mundo, o povo Carajá sonha com a tranquilidade da vida sem males e sem a morte, mas não sabe mais como encontrar a pedra original, perdida em algum lugar debaixo das águas do rio Macaúba.
Quanto a nós, que estamos provisoriamente por aqui, jamais conheceremos a última e mais profunda lição que o urubu-rei deu aos homens. É a miséria da nossa condição.
Em 1979, a escola de samba Unidos de São Carlos desfilou com um lindo samba sobre a odisséia dos índios que procuraram a luz.