O jornalista Luis Fernando Ramos, correspondente nos circuitos do Jornal Lance e do Grupo Bandeirantes, em seu excelente “Blog do Ico” repercutiu análise dos circuitos da temporada feita pelo piloto alemão Adrian Sutil (Force India, foto) à revista alemã “Kicker”.
Reproduzo a tradução feita pelo jornalista no referido blog, com declarações autênticas e bastante divertidas sobre os circuitos da temporada de 2010 da Fórmula 1.
Faço apenas a ressalva de que a metáfora original sobre Mônaco era “é como andar de bicicleta na sala de estar”, e não conforme citado pelo piloto alemão.
Vamos ao texto. Aproveito para lembrar que a temporada de 2010 da Fórmula 1 se inicia mais tarde, às 09 horas da manhã.
” (…) O mais interessante ficou para a parte que apresenta as corridas do ano. Cada pista foi comentada pelo piloto da Force Índia Adrian Sutil, que deixou o politicamente correto de lado e deu depoimentos sinceros. Ele foi claro no que pensa, mesmo que fosse para criticar, e é sempre interessante ver um piloto ir direto ao ponto desta forma. Confira abaixo a tradução que fiz para vocês:

BAHREIN – Sempre fico ansioso pela abertura da temporada – mas se dependesse de mim, ela não seria no Bahrein. De ambiente, não tem corrida mais sem graça, tudo é muito estéril, no meio do deserto. A pista é OK, mistura curvas lentas e rápidas e você fica lutando o tempo todo porque o asfalto tem relativamente pouca aderência. No geral, uma das melhores entre as pistas modernas. O ponto crítico é o cotovelo no final da reta dos boxes. Espero que a temporada não comece com uma colisão múltipla ali.

AUSTRÁLIA – O início em Melbourne sempre foi um dos pontos altos da temporada para mim. Depois de meses de pausa, você chega muito animado para a disputa. Os australianos são muito legais e relaxados e o Albert Park tem uma atmosfera bacana. Vou sentir falta dessa magia em 2010, já que vai ser a segunda corrida do ano. Mas a pista permanece jóia: uma boa mistura de circuito de rua com permanente. Em algumas curvas o guard-rail fica muito perto do traçado. Hoje em dia não se faria uma pista assim, mas eu gosto delas desse jeito.

MALÁSIA – Não é necessariamente um dos grandes eventos do calendário – ainda que eu seja fascinado pela cultura e natureza do país, fã da Ásia que sou. Mas este não é um lugar para se correr de Fórmula 1, já que o calor e a umidade são tão altos que você está sempre à beira de um desmaio dentro do cockpit. Nós sentamos nas saunas mais rápidas do mundo. Além disso, a pista é muito irregular, você fica como um esquiador numa pista de mogul. De positivo: o traçado tem suas variáveis e há bons pontos de ultrapassagem.

CHINA – Shanghai é uma cidade maluca – com todos aqueles arranha-céus, parece que a China pulou do século XX direto para o XXII. O circuito não é tão fascinante, mas tem seus atrativos. Algumas passagens são difíceis e a curva em forma de colher depois da reta dos boxes é uma das mais especiais do ano. Você entra nela em alta velocidade, depois tem de diminuir até a primeira marcha – e você vai virando à direita até seu estômago virar também. Possivelmente a mais longa curva do mundo.

ESPANHA – Barcelona: uma grande cidade, mas na maioria das vezes uma corrida sonolenta. O problema é que a aerodinâmica é muito importante nessa pista – basta chegar perto de um outro carro que você sente os efeitos da perturbação do fluxo de ar. Ultrapassar assim é praticamente impossível. Mesmo assim, a corrida é importante, já que o traçado traz elementos comuns à todos os outros circuitos. Quem for rápido aqui, é porque construiu um bom carro.

MÔNACO – Uma corrida festiva como champanhe! Nós chegamos já na terça-feira e ficamos lá quase uma semana inteira. O como a sexta é um dia livre, nós podemos aproveitar as baladas na quinta à noite sem ficar o tempo inteiro olhando para o relógio. A pista? Acho ótimo que ela seja quase um patrimônio histórico tombado. É tão emocionante acelerar um carro de Fórmula 1 por aquelas ruas apertadas – ninguém definiu melhor como o Piquet pai, que falou ser igual a “pilotar um helicóptero na sala”.

TURQUIA – Hermann Tilke já recebeu muitas críticas por suas pistas, mas o “Otodrom” é sensacional! É um sobe e desce como nos Alpes – e a curva 8 já é um clássico. Quatro curvas à esquerda em uma, você vira o volante uma vez e vai. É preciso se deixar levar, o pescoço parece que ganha um metro de comprimento pela ação da força G e no final dela você é cuspido como uma bala de canhão. Uma grande pista quando você consegue chegar lá: os engarrafamentos de Istambul são tão famosos quanto a curva 8.

CANADÁ – Bonjour, Montreal! Estou feliz que vamos voltar a pilotar no circuito Gilles Villeneuve. A cidade é única, com um charme francês e um povo que ama a Fórmula 1 – fora talvez a conta bancária do Bernie, não há nenhum motivo para cortar essa prova do calendário. O traçado é espetacular, com altas velocidades e as chicanes que geram um esforço brutal dos freios. Pilotar aqui é muito mais divertido que nas pistas novas, tão perfeitas que não há nem um tufo de grama fora do lugar.

EUROPA – Valência é uma cidade maravilhosa e vibrante, só que uma pena que andamos de Fórmula 1 lá. O circuito é um típico exemplo de “boa idéia, péssima execução”. No papel parece tudo perfeito: circuito de rua, com um porto e um grande cenário. Mas na realidade é traçado é um verdadeiro estorvo. Fora o conceito “reta-cotovelo-reta-chicane”, muito pouco é oferecido. Também o clima no porto faz tudo parecer uma espécie de “Mônaco para os pobres”. Valência merecia uma corrida mais atrativa.

INGLATERRA – Opa, se isso der certo! Estou feliz que ficamos em Silverstone. O grande e tradicional circuito no meio da planície é um contraste maravilhoso com as pistas novas. Botas Sete Léguas ao invés de glamour! Resta esperar que a reforma não tenha estragado o traçado. Vou sentir falta da veloz curva Bridge. No lugar, vamos entrar numa nova parte depois da Abbey, que oferece curvas lentas e rápidas e pode facilitar as ultrapassagens. Se vai funcionar? É tomar um chá e esperar para ver!

ALEMANHA – No revezamento anual entre Nürburgring e Hockenheim, é a vez agora da pista de Baden-Wüttemberg. Legal! O Motodrom é único com aquele clima de estádio de futebol. Quando você chega lá e ouve a vibração dos torcedores, fica arrepiado. É assim que deve se sentir um craque depois de marcar um gol! A parte reformada, com uma longa curva à esquerda e um cotovelo, mostra como uma pista deve ser modernizada. O exemplo está aí, Silverstone!

HUNGRIA – O circuito de Hungaroring é freqüentemente criticado como um chato circuito “Mickey Mouse”. Injustamente, na minha opinião. Eu gosto da pista, suas muitas curvas são um verdadeiro desafio. Como pilotamos sempre com muita asa, temos muita aderência aerodinâmica, mas só no traçado ideal. O carro fica preso ao asfalto, uma sensação bem diferente das pistas de alta velocidade, onde você o sente muito pouco. Legal para os pilotos, nem tanto para os torcedores – a pista é tão estreita que prevalece um “proibido ultrapassar”.

BÉLGICA – Spa faz parte do patrimônio universal do automobilismo! Pilotar aqui é diversão ilimitada e garantida do primeiro ao último metro. Ao contrário das pistas artificiais dos últimos anos, aqui você pode realmente deixar o carro correr, tudo flui naturalmente e as curvas de alta são sensacionais. Todos sabem da Eau Rouge, mas há outros pontos irados, como a dupla curva Pouhon, que você faz em sexta marcha. Um espetáculo que até mesmo os pilotos de Fórmula 1 raramente vivem.

ITÁLIA – Se o barulho de um motor de Fórmula 1 é musica, então Monza é Heavy Metal. Selvagem, arcaico, alto. Mal dá para imaginar como martelamos as chicanes com brutalidade, você sempre com medo de estragar seu carro e seus ligamentos. O traçado é simples, “reta, chicane, reta, chicane”, mas aqui o desenho antiquado faz um charme todo especial. Ainda por cima há a atmosfera do parque, os torcedores loucos pela Ferrari, a antiga curva inclinada – Monza é genial!

CINGAPURA – O Marina Bay Street Circuit é uma pista de verdade camuflada de circuito de rua – veloz, com cerca de cinco quilômetros de extensão, a volta parece que não quer terminar. É bem divertido! A incidência de luz para a corrida noturna não é problema. Difíceis são os implacáveis calor e umidade, você quase não consegue receber oxigênio fresco dentro do capacete. E também a adaptação ao horário para a corrida noturna: eu durmo até as 3 da tarde, o biorritmo fica alterado e você se sente sonolento o final de semana inteiro.

JAPÃO – Não há computador no mundo capaz de criar uma pista tão impressionante como esta. Suzuka é quase como um Nürburgring asiático. Praticamente todas as curvas têm um segredo diferente. A primeira dá para ser feita de pé embaixo, mas aí você não consegue entrar na segunda. Depois vêm a seqüência de “esses”, na qual há uma variedade enorme de linhas para o piloto escolher. Suzuka é um “Best of” dos traçados. Quem já pilotou aqui num videogame sabe o que eu estou falando.

CORÉIA DO SUL – A corrida mais emocionante na Coréia deve acontecer antes mesmo do GP. Será que a pista em Yeongam vai ficar pronta a tempo? No papel o traçado parece relativamente rápido. Nos vamos pilotar ao longo de um porto, de onde os torcedores poderão assistir à corrida de seus barcos. Os boxes ficam no meio da cidade, Herrmann Tilke projetou um misto de circuito de rua e pista de verdade. Tudo soa como uma Valência do Oriente – mas eu espero muito que a pista seja mais divertida.

BRASIL – Para mim é o último ponto alto do ano. Na verdade, a final do campeonato deveria acontecer aqui. Os torcedores fazem barulho como se fosse o estádio do Maracanã e a pista é tão sensacional quanto. Ela sobe e desce como se fosse uma montanha-russa. E você fica o tempo inteiro matutando: para a parte mais sinuosa você precisa de colocar asa, para o longo trecho de pé embaixo que inclui a reta dos boxes precisa tirar. Tem que experimentar: “o quanto de asa ainda dá para diminuir?” Pelo menos aqui, a Fórmula 1 vira um esporte mental.

ABU DHABI – Uma pista puramente para a TV, mais reluz do que brilha. O circuito de Yas Marina parece espetacular na telinha, mas dentro do carro é muito sem graça – até o ponto em que pilotar um Fórmula 1 pode ser sem graça. Tudo é muito óbvio, sempre com as mesmas curvas. Para mim, fazem falta as curvas de alta e as passagens marcantes. Claro que é positivo o quanto estas novas pistas são seguras. Mas tenho que admitir, não tenho muito saco para pilotar nestas pistas certinhas como Abu Dhabi.”