Dia desses fui a uma locadora de filmes e perguntei a um funcionário se a casa tinha no acervo O Libertino. Ele respondeu positivamente e foi buscar o dvd. Para minha decepção, o que a locadora tem é um filme inglês de 2004, dirigido por um tal de Laurence Dunmore e estrelado por Johnny Deep. Conta, em resumo, a história de um poeta boêmio do século XVII, John Wilmot, que escrevia obras satíricas e era chegado num rabo de saia.
O Libertino que eu procurava, evidentemente, era outro. Me referia ao clássico brasileiro de 1973, dirigido por Victor Lima e estrelado pelo grande Lirio Mário da Costa, o Costinha. Depois de longa procura, finalmente assisti por esses dias ao filme e asseguro: É uma das maiores atuações de um ator na história do cinema.
O filme conta a história do Comendador Emanuel, um senhor de respeito, muito religioso, conduta exemplar, líder histórico da Marcha da família com Deus pela liberdade, que inicia uma cruzada moral contra a pornografia. Um papel, como se percebe, talhado para Costinha.
Em virtude de alguns problemas financeiros, o velho comendador aluga sua mansão para um colégio de moças. O tal do colégio, porém, é a fachada para o funcionamento de um puteiro de primeiríssima qualidade. O comendador, após o choque inicial [com direito a um pirapaco que exigiu de Costinha um nível de dramaticidade pouca vezes visto no cinema nacional] começa a gostar do babado e se revela um velho safado, libertino e onanista compulsivo.
O desempenho do velho Costa no papel de comendador vale o ingresso. Na primeira metade do filme, em que o comendador ainda é o linha-dura moralista, Costinha opta por uma interpretação intimista, de gestos minimalistas e contidos, dialogando com a câmera com a sutileza dos que dominam o ofício.
Aos poucos, o processo de transformação do comendador em velho tarado explode num manancial de tensões que, outrora sugeridas, são exacerbadas com rara sensibilidade. Mestre nas expressões faciais que bordam os silêncios entre as falas, Costinha insinua no olhar toda a contradição que revela o conflito interno entre o linha-dura e o devasso.
Mostrando total controle de seu ofício, o ator faz também, para dar conta das complexidades do personagem, vasto uso de referências interpretativas e citações que englobam Carlos Lacerda, Dom Helder Câmara, Febrônio Índio do Brasil, o Almirante Penna Boto, Ted Boy Marino, D. Pedro I, Tiradentes, Cara de Cavalo e o chefe Touro Sentado.
Uma cena, em especial, merece destaque. Costinha, de terno, gravata e binóculo, observa, escondido entre os galhos de uma árvore, as bundas das raparigas em flor. A tomada só encontra similar no cinema mundial – pela sofisticação erótica sugerida – na famosa cena da manteiga entre Marlon Brando e Maria Schneider no Último tango em Paris. Simplesmente antológica.
Por tudo isso que vai exposto acima – e, evidentemente, pelas moças do elenco de apoio – é que esse crítico sugere a qualquer novato que pretenda seguir a carreira artística que estude, veja, reveja, veja de novo, a notável atuação de Costinha em O Libertino. Vale mais do que duzentos cursos e mil aulas teóricas.
Abraços.
Escrito por: Pedro Migão em 6 de março de 2010.
Mano querido: a TV GLOBO, que transmitirá a entrega do Oscar com comentários daquele sujeito que parece ter saído andando do museu de cera Madame Tussaud, deveria contratá-lo para o posto. Beijo.
EDU, eu certamente esculhambaria o Oscar com uma única e certeira observação: Costinha nunca ganhou o prêmio de melhor ator. O Oscar,diante dessa tremenda injustiça, é mesmo uma piada. Aguarde mais críticas.
Beijo!
caro Luiz Antonio,
escrevo para informar que fiz uma resenha do livro de sua autoria “Samba de Enredo” no meu blog pessoal, o “Ouro de Tolo”.
http://pedromigao.blogspot.com/
abraços
Simas, vc é simplesmnte ótimo. Rindo pra..kct. Empresta mais uma das suas obras primas pra postar no nosso blog? Com os devidos créditos. Um abraço.
Sensacional, Simas!
Creio que o Rubens Ewald Filho deva estar tremendo na base!
Cordiais Saudações!
Orlando Rey
Malandro, ressuscitaste até o Penna Boto… Chorei de rir.
Caro Simas
Excelente post.
Postei em meu blog no dia 26/02 um comercial da Loterj com o Costinha. É Hilário e pornográfico. Lógico que deve ter sido veiculado somente a primeira parte. Veja lá.
Abraço
Ernsto
Sensacional!
Estes clichês de crítica (“Mostrando total controle de seu ofício”, “referências interpretativas e citações” “interpretação intimista”, “atuação apenas correta”)realmente são demais e permitem obras primas como este!
Bárbara Heliodora não faria melhor; falta-lhe bagagem…