Sexta feira, feriadão para muita gente – para mim não – e como sempre a coluna “Cinecasulofilia”, publicada em parceria com o blog de mesmo nome.
Hoje o tema é o badaladíssimo “Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton. Sem delongas, passemos ao texto.
Alice no País das Maravilhas
de Tim Burton
Já vi Alice há um bom tempo, ainda no Rio mas queria aqui mesmo rapidamente dividir algumas impressões. A primeira é um certo desencanto na forma como Burton utiliza o 3D. Acho que o uso do 3D ainda é muito ingênuo pelos cineastas, mais preocupados em efeitos tipo montanha-russa, objetos atirados na direção das nossas retinas, do que propriamente pensar uma idéia da um cinema sensorial, ou uma dramaturgia que dialogue com uma outra percepção do espaço, ou uma decupagem que dialogue com essa alteração da percepção, coisas desse tipo. Sinto também que o avanço do 3D como dramaturgia está prejudicado pelo fato de que os filmes de 3D de hoje precisam ser lançados simultaneamente em 2D e em 3D, já que poucos são os cinemas do mundo preparados para a nova tecnologia (sem falar nas outras janelas, como o vídeo e a TV), e então o diretor precisa fazer o filme pensando ao mesmo tempo em 3D e em 2D, o que é uma sandice.
Mas o que quero de fato dizer é que Alice é um dos mais pessoais trabalhos de Tim Burton. De um lado, o fiolme dá continuidade à evolução de Burton como artesão: é exemplar a articulação da parte visual do filme, como é notável!!! É notável como Burton consegue visualizar um mundo abstrato e onírico como aquele passado em Alice. Sua precisão técnica é indiscutível.
Mas Alice me interessa para além disso. Todo o filme se articula de forma muito coerente como uma reflexão entre o acaso e o destino, sobre a questão do livre-arbítrio. Até que ponto podemos tomar decisões na nossa vida? Até que ponto os acasos que inevitavelmente acontecem são simplesmente acasos, ou fazem parte do destino? Esse belo tema é desenvolvido por Burton de formas impensáveis, se pensarmos no prólogo e o epílogo do filme, de tom realista, mas um realismo estranho, um pouco caricato. Todo o filme se baseia na dúvida dessa menina se deve se casar e seguir “o que se espera dela”, ou se deve enfrentar o seu destino e tomar sua própria decisão. É claro que ela escolhe ter a sua própria vida, mas acontece que claramente Burton quer falar de algo maior: a menina representa a ascensão da burguesia sobre uma aristocracia decadente. E isso – como já mostrou Visconti em O Leopardo – já estava escrito, isto é, era uma questão de tempo.
Isso torna Alice um filme híbrido, de proporções maiores do que inicialmente possamos pensar. Alice é uma espécie de híbrido entre O Mágico de Oz e Titanic. De um lado, a ambição de fazer um filme infantil (falsamente infantil) que traga um legado sobre as perspectivas de um certo público. De outro, herdeiro do cinema visionário de James Cameron, que alia tecnologia a questões pessoais, que seguem as convenções da narrativa clássica para tentar dar conta de um mundo, que às vezes parece submerso pelos limites do fantástico, mas que está lá. Com Alice, Burton decisivamente se insere na linhagem de um cinema clássico.