Não, não e não, mil vezes não. Não torcerei na Copa do Mundo pelos minúsculos kaka, dunga, kleberson, robinho, felipe melo, josué e demais guardiões das muralhas de Jericó. Sinto muito, mas por esses eu não torço. Nem tampouco torcerei pela marca esportiva, pelos bancos, cervejas e guaranás, patrocinadores da entidade que comanda o nosso futebol de um jeito que faz a Camorra parecer a Associação Cristã de Moços.

Mas eu torcerei [e como torcerei, meu pai]  pela camisa amarela – que já foi branca e vez por outra azulece- e suas tantas estrelas; de número igual as do cruzeiro que Diogo Cão viu no céu ao cruzar o equador, pouco antes de aportar no gigantesco Congo.

Torcerei porque ela, a camisa, é feito manto de santo, vestimenta de orixá, cocar de caboclo, capa de exu, terno de malandro, roupa de marujo e  farda de capitão de guerrilha – estandartes da terra que eu amo.

[Que o pastor jorginho não nos ouça, mas jogador do escrete, quando não é o próprio Deus encarnado, como o crioulo Edson Pelé, é feito  cavalo de santo – mero instrumento do mistério que nos fez povo, nas fronteiras da bola.]

O manto canarinho esconde segredos e é terrível para os mortais, sucumbidos ao seu peso de toneladas de histórias.  É  feito o aze de palha da costa do deus da varíola, a quem agora canto nesse opanijé fora de hora: Atotô, Ajubero! Proteje essa seleção, que não te conhece e te rejeita, nas esquinas do teu continente negro.

Laroiê, Elegbara! Te peço um milagre, que rogar não custa: tem como conceder, zombeteiro, àquele bando de carolas que te acham o demônio, o poder e a ginga do teu jogo de malandro, dono dos dribles mais desconcertantes? Não tem, né…  Era você, meu compadre, que baixava nos gramados no corpo do teu cavalo Manoel, o passarinho Garrincha, e dava a volta ao mundo com a bola no pé, como Mangangá bailava na roda de capoeira ao toque de São Bento Grande.
Ela, a farda canarinho, [amarrotada, vendida, bonita, feia, diferente, moderna, tradicional, mal trajada, rota, suada, intacta…] é alma que vaga na hora grande, assombração no Recife Velho, dança de pretos mortos na Pedra do Sal, entidade encantada nas esquinas africanas do Brasil e nas vielas brasileiras da África mãe. Por isso – por ela – eu torço, reverente.

A camisa-entidade é folha de mariwo, baobá de tronco forte, bandeira cravada no Humaitá, canário da terra, pomba do Divino, lança de caboclo, lançamento de Didi, bala no peito de Marighella, bola no peito de Pelé e gol…

A amarelinha, quando adentra as quatro linhas, é a veste enfeitiçada de panos coloridos dos Egunguns, ancestrais conduzidos pela senhora dos ventos, a dona dos nove espaços dos gramados, Orum onde forjei minha maneira de sonhar o Brasil, vento da minha mãe, búfalo da floresta.

Bate no chão teu ixan sagrado! Bate e traz todos eles, Oyá, traz todos eles, Iansã, arrepia o vento dos Egunguns bailando com mil bolas, que é por eles que eu rezo e torço, como faço desde menino:

Chama Friedenreich; chama Marcos Carneiro de Mendonça; chama Leônidas; chama Preguinho; chama Fausto; chama Domingos da Guia; chama Danilo; chama Ademir Queixada; chama Zizinho; chama Barbosa; chama Friaça; chama Castilho; chama Everaldo; chama Vavá; chama Didi; chama Heleno; chama Tesourinha; chama Orlando Peçanha; chama Mané Garrincha; chama Mané Garrincha; chama Mané Garrincha; chama, chama,chama…

33 Replies to “O MANTO AMARELO DOS EGUNGUNS”

  1. O Texto que tu escreveste é pura poesia! Futebol é magia …e magia é o que falta a seleção dos crentes que estão abafando!!!

  2. Lula
    Quem gosta de cachaça é Exu. Quem veste branco é Oxalá. Quem recebe oferendas em alguidares (vasos de cerâmica) são orixás. E quem adora os orixás são milhões de brasileiros. O candomblé, chamba, angola, queto e outros com seus batuques e danças, é uma festa. Com suas divindades geniosas, a religião afro-brasileira e a mais influente do país.Com certeza eles estarão juntos com as amarelinhas e o timão mencionado no seu ultimo paragrafo.

  3. ESTE TEXTO É DE ALTA PERICULOSIDADE ! PODE DEFLAGRAR UMA REVOLUÇÃO ! PODE INFLUENCIAR MOVIMENTOS DE ALUNOS, ESTIVADORES E PROFESSORES ACOMPANHADOS DE CLARINS!

    ” A amarelinha, quando adentra as quatro linhas, é a veste enfeitiçada de panos coloridos dos Egunguns “

    CARAMBA SEU SIMAS!

    PARABÉNS

    RAPHAEL

  4. Simas, quando é que vc reunirá todas essas cronicas maravilhosas em um livro?
    Essa sua capacidade de sintese do que todos nós estamos sentindo as vespera da abertura da Copa é sensacional, é de arrepiar!!!

  5. É simplesmente um dos dois maiores textos já publicados sobre o futebol brasileiro. Escolham um outro do Nelson Rodrigues.
    abração
    mussa

  6. CARO SIMAS:
    TEU TEXTO É TÃO DIVINAL, QUE O REPRODUZI NOS COMENTÁRIOS DE MEU BLOG BAURUENSE, O MAFUÁ DO HPA (www.mafuadohpa.blogspot.com), CITANDO A FONTE, CLARO.
    PENSO IGUALZINHO A TI E ADENTRO O MUNDIAL COM UM PÉ ATRÁS. VOU EM BUSCA DO BOM FUTEBOL, ONDE ESTIVER.
    ABRACITOS BAURUENSES DO HENRIQUE PERAZZI DE AQUINO

  7. Como sempre um texto ótimo!Como muitos já falaram sua capacidade de escrever é incrível!
    Mais um livro por favor!

    abraços

  8. Nossa, esse texto é maravilhoso, sensacional!

    Se todos o lessem, aposto que essa copa teria um outro significado, muito mais intenso, para os brasileiros.

    Parabéns mais uma vez.

  9. Mas está inspiradíssimo, meu Deus!
    O texto é dos mais bonitos que eu já li por aqui (e olha que não foram poucos os textos lindíssimos)!
    Os tempos mudam, os craques e as seleções também. Mas, como você diz aí, a fidelidade à camisa verde e amarela é nosso dever. As nossas cores e a nossa história nada pode mudar.

    Beijo.

  10. Caralho, Simas,
    acho difícil que aconteça alguma coisa melhor que seu texto nessa copa. Além da beleza, da poesia, ele esculacha, com a maior categoria, a babaquice evangélica que contamina nossa seleção. Isto sem falar do resgate do orgulho, que pros velhos como eu é a coisa mais natural do mundo, de vestir esta camisa e jogar junto.
    A imprensa noticia que o primeiro gol brasileiro já foi marcado (pelo zé das couves que se naturalizou alemão). Mostraram a família reunida, torcendo pra Alemanha, e, numa outra matéria, mostraram uma torcida organizada da Argentina, no interior de Pernambuco, constituída por caboclos pernambucanos!! Eu percebo que o encantamento por essa camisa é diariamente aviltado pelos mercenários, mas tuas palavras desmancham todas as inanas. Já me sinto, graças a voce, campeão antes da estréia! Saravá!
    Mauricio Carrilho

  11. Bonito texto.
    Concordo que falta o respeito a camisa, não a ‘patria’, mas a camisa amarela que provoca temor e respeito quando entra em campo. Esses pseudo-craques de hoje acham que são temidos. Nada disso, a camisa é que enfraquece os adversários facilitando o trabalhos dos meninos bem-comportados.

    Professor aproveito o espaço e peço seu comentário ao tema recorrente a cada Brasil X Portugal: “Jogando contra nossas origens”
    Que trolha!!
    Quando o jogo é com Angola, Gana, Costa do Marfim, Nigéria, não se fala em origens ou irmandade.

    Abraços
    Helvécio

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