Meus camaradas, recebi uma incumbência do Ifá da qual não posso e não quero escapar. Devo escrever mais sobre a religião da minha avó, que é, por ancestralidade, a minha. Ifá me falou, nessa semana, de amor por um Brasil que me foi ensinado e revelado e determinou que eu registre esse amor em palavras e cantos. Farei isso. Alguns textos com esse teor só interessarão, provavelmente, aos ligados ao tema. Registrarei esses textos com a marca “encantarias”. São apontamentos que já escrevi – e estou refazendo com acréscimos – e algumas coisas novas. Vamos lá.
São Luís do Maranhão possui duas veneráveis casas matrizes de tambor-de-mina, religião de base afro-brasileira; a Casa Grande das Minas e a Casa de Nagô. A primeira cultua apenas os voduns, a segunda cultua também orixás, encantados e caboclos. A Casa de Nagô deu origem a inúmeros terreiros que difundiram a encantaria por toda ilha de São Luís.
Do Maranhão o tambor-de-mina chegou ao Pará, travou contato com a pajelança indígena e ganhou outras cores , absorvendo inúmeros novos encantados ao seu panteão. Hoje quero fazer algumas observações sobre eles, os encantados, entidades que me fascinam profundamente e bordaram de alumbramentos minha infância.
Vale esclarecer algumas dúvidas. Na encantaria, por exemplo, o termo caboclo não é sinônimo de entidade ameríndia, podendo ser genericamente utilizado para designar entidades de variadas origens. Os caboclos, ou encantados, se reunem em famílias, com um chefe e suas linhagens, que abrangem turcos, índios, reis, nobres, marujos, princesas, etc.
Os encantados não são espíritos desencarnados; são pessoas, ou até animais, que viveram mas não chegaram a morrer, sofreram antes a experiência do encantamento e foram morar no invisível. De vez em quando saem de lá, pegam carona na asa do vento e chegam à terra, no corpo dos iniciados, para dançar, dar conselhos, curar doenças, jogar conversa fora e matar as saudades do povo que continua por aqui.
A família mais famosa de encantados é a do Lençol. Dizem que lá, na praia do Lençol – Maranhão -, mora o Rei Dom Sebastião, que encantou-se durante a batalha de Alcácer-Quibir. Essa família é formada apenas por reis e fidalgos. A vinda do Rei Dom Sebastião ao corpo de uma sacerdotisa é muito rara, alguns falam que ocorre de sete em sete anos. Da família do Lençol fazem parte ainda, dentre outros, Dom Luís, o rei de França; Dom Manoel, conhecido como o Rei dos Mestres; a Rainha Bárbara Soeira; Dom Carlos, filho de Dom Luís, e o famoso Barão de Goré, tremendo cachaceiro e chegado num furdunço dos brabos.
Outra família famosa de encantados é a da Turquia, chefiada por um rei mouro, Dom João de Barabaia, que lutou contra os cristãos. É a esta família que pertence a Bela Turca, a cabocla Mariana, que vem ao mundo não apenas na forma de turca, mas também como marinheira, cigana ou índia.
A casa de santo de minha avó, Mãe Deda, tinha forte influência de duas tradições, o candomblé do Xambá pernambucano e a Encantaria maranhense. Tive a oportunidade de ver Toia Jarina, o Barão de Goré e de conversar algumas vezes com Dona Mariana, que nessas ocasiões falou da minha vida e me deu conselhos absolutamente pertinentes. Sempre que este privilégio aconteceu a Bela Turca apresentou-se como uma marinheira. Lembro-me, comovido, da cantiga que era entoada para saudar Dona Mariana, a desbravadora do tambor de Mina:
Já pensaram, amigos, o que um cartesiano de carteirinha, um filho da tradição racionalista das luzes, diria disso tudo? Eu não faço, confesso, lá muita questão de saber. Prefiro acreditar, como disse o mestre João Rosa, que o homem não morre; o homem se encanta. Se assim me foi contado, é assim que eu conto.
Abraços
Simas,
Ter alguém como você pra defender a bandeira de nossas religiões, muito nos honra!!!
Um abraço de um irmão umbandista!
Olá, gostei muito dessa história, e não custa nada ler, reler, para entender mais um pouco de relaçõa dos ancestrais com religiosidade.
Esparerei o proximo passo para ver o desfecho.
Abraço
há alguma cantiga nesse post? um grande espaço entre o penultimo e ultimo paragrafos me sugere isso mas nada aparece pra mim.
abraços,
dyocil
Valeu, Diego. Abraço!
Lucidreira: aguarde mais histórias.
Dyocil, meu caro. Há cantigas sim, meu camarada. Abraço.
Mojubá, babá Ifá! Que sejam atendidos estes seus desígnios. estou no aguardo para conhecer mais de perto esse trabalho.
LULA
Chorei muito saudades, saudades, saudades. Se Dos Anjos fosse viva teria feito aniversário este mês dia 03. Conta a Encantaria (era a Mundica que contava)que Mariana um determinado dia soube que o navio de Mestre Laurindo estava indo a pick, então a Turca saiu correndo entrou no mar e desapareceu dai em diante ela se encatou até hoje é passiadeira. Tem também a história do navio antes de ir ao fundo do mar.Depois eu te conto. Ela determinou que o nome de minha primeira neta fosse MARIANA, assim foi feito. Beijos saudades (avisei a Sueli e Nilda para ler).
Faço minhas as palavras do caboclo Diego Moreira!
Abraço!
Luiz, me lembra muito as cantigas do reizado, lá em Maceió, nas festas de fim de ano. Década de 60. Acho que é muito sincretismo. É tudo muito encantado. É reizado, é encantaria, é chegança …