Como sempre escrita pelo advogado Walter Monteiro, desmonta uma falácia muito repetida pelos papagaios midiáticos brasileiros: de que a pena de morte no Brasil diminuiria o custo com os presos. Boa leitura.
“MATA-MATA!
Vou falar de um temazinho leve e nada polêmico: a pena de morte.
Esse costuma ser um assunto em que não se faz pesquisas de opinião ou muito menos se comete a sandice de levá-lo a plebiscito, porque se suspeita – e com justos motivos – que se a população brasileira fosse dada a opinar, a preferência pelo castigo medieval seria esmagadora. Mas qualquer sujeito atento pode concluir que basta um crime cruel ser noticiado que logo surge alguém para soltar o brado: Bandido? Tem mais é que matar, assim é menos um!
Eu não vou falar contra, nem a favor, embora, claro, eu seja radicalmente contra a pena capital. Aliás, costumo selecionar minhas amizades a partir daí – se alguém reage a algum noticiário policial com esse nível de entendimento do problema, então já se estabelece um abismo intelectual irreconciliável entre nós dois. Nada que a pessoa fale pode ser capaz de apagar a má impressão inicial. Mas, como disse, cada um no seu quadrado, não vou mesmo fazer proselitismo em defesa da civilidade como a forma de vida possível desde que saímos da barbárie. A minha intenção, aqui, é outra. Quero convidar os leitores do blog a analisarem, em termos numéricos, a adoção da pena de morte pelo mundo e sua efetiva aplicação, nada além disso.
Bom, para começo de conversa, apenas 18 países aplicaram sentenças de morte em 2009. Tirando os Estados Unidos e o Japão (dos quais falarei a seguir), a turma dos açougueiros é de primeira: Irã, Iraque, Sudão, Vietnam, Trinidad e Tobago, só gente fina. E, claro, a China, campeã mundial absoluta de tiro ao alvo criminoso, com cerca de 90% das execuções globais.
A esmagadora maioria dos países aboliu por inteiro a possibilidade da pena de morte. Há aqueles que ainda a mantém apenas para situações excepcionais (como em caso de crimes de guerra). Por incrível que pareça, entre eles, o Brasil, na seleta companhia de Bolívia, Israel, Casaquistão, Letônia, Chile, El Salvador, Peru e Ilhas Fiji.
De países com essência democrática, só o Japão e os EUA metem a faca na turma do crime. Mas o Japão de forma modestíssima: só 7 infelizes foram compulsoriamente passados desta para melhor, apesar de outros 34 estarem na fila macabra. E mesmo nos Estados Unidos, apesar de tanta gritaria, o número de execuções em 2009 é de exatas 52 almas. Eu acho 52 mortes coisa pra chuchu! Mas, ainda assim, é um grãozinho de areia, quando comparado aos mais de 2 milhões de encarcerados nos EUA.
O mais curioso é que aquele empolgado lá do primeiro parágrafo, que saiu pregando a execução sem dó nem piedade de todo transgressor da lei, costuma emendar na sequência o torpe argumento de que é um “absurdo” o Estado “gastar dinheiro” para manter os bandidos na prisão, sendo muito mais conveniente despachar logo o ‘coisa ruim’ para o inferno. No entanto, o número de execuções nos EUA vem caindo exatamente pelo motivo inverso: por incrível que pareça, custa caríssimo matar um condenado.
Uma única execução custa US$ 2,5 milhões, o que daria para deixar o cidadão na cadeia por mais de 120 anos e ainda sobraria troco. É claro que não se está falando do custo daquela injeçãozinha redentora. O problema é que um condenado à morte possui um leque amplo de recursos judiciais à disposição, que não raro demoram mais de 20 anos para serem julgados, a um custo elevadíssimo para o Estado. É muito mais eficaz, do ponto de vista do gerenciamento de recursos, deixar o sujeito apodrecendo na cadeia, aquilo que a toda hora ouvimos nos filmes, life in prison.
Já houve quem se deu ao trabalho de simular qual seria o custo, no Brasil, da aplicação da pena capital, a partir de uma proporção desse modelo americano, considerando a nossa estrutura recursal e os gastos do sistema prisional. Acredita-se que o preço da execução, por aqui, iria ficar em torno de uns R$ 350 mil. Ou seja, para despachar para a cidade dos pés juntos uns mil bandidões irrecuperáveis, o Brasil precisaria investir R$ 350 milhões do nosso suado dinheirinho só para satisfazer a sede de vingança dos inocentes.
Mas o pior nem é isso… o pior é que depois dessa dinheirama toda só para dar cabo de mil condenados, ainda sobrariam uns 500 mil presos nas nossas cadeias. Esses números mostram, friamente, que a pena de morte não é nem de longe um instrumento de política criminal, pois o seu alcance é reduzidíssimo frente à avalanche de crimes que são cometidos diariamente.
Até na China, país que não tem qualquer pudor de executar criminosos aos lotes e ainda cobra a bala do fuzil da família do morto (sabe como é, matar custa caro, como acabei de dizer), o total de execuções anuais fica aí pela casa das 5.000 anuais. Um número assustadoramente triste, mas que ganha um peso relativo frente aos mais 1,35 bilhões de habitantes do país – é como se o Brasil executasse uns 700 presos/ano.
Aliás, não custa lembrar que os chineses não são seletivos na hora de apertar o gatilho, pois se aqui no Brasil os amantes da pena de morte a imaginam como um castigo exclusivo de crimes hediondos, lá na China se aperta o gatilho contra quem emite nota fiscal fria ou sonega impostos. Sabe aquele médico que te pergunta se você quer pagar a consulta com recibo? Pois é, se ele fosse chinês, era sério candidato ao corredor da morte.
Portanto, cada um pode ser a favor do que bem entender, achar que o certo é sair apagando geral mesmo, que bandido bom é bandido morto. Mas, da próxima vez que alguém vier querer dar uma de inteligente e justificar a aplicação da pena de morte com qualquer outro argumento que não seja o puro desejo de vingança, faça o favor de convidá-lo a refletir a partir desses números.”