Nos tempos em que Collor de Melo foi presidente do Brasil, no inicio da década de 1990, este escriba insistia em aprender francês. Eu era um esforçado e incompetente aluno da Aliança Francesa, incapaz de exercitar o biquinho necessário para falar a língua de Napoleão Bonaparte, da Madame Pompadour, do queijo Roquefort e do Gerard, meu professor francês que fedia bem mais que o queijo. Minha turma contava com a presença de uma argentina, Beatriz, que era excelente aluna e belíssima portenha, diga-se em nome da verdade. Nunca mais vi a moça depois que me escafedi da Aliança.
Com ela, a argentininha, fiz uma aposta inusitada. Ganharia um jantar quem provasse ter o presidente da República mais estrambólico. Eu me sentia um vitorioso evidente, já que é difícil pensar em alguém capaz de superar Collor nesse quesito. Ela, porém, apostava todas as fichas no mandatário argentino Carlos Menem, o Kid Costeleta. O embate, tenho que admitir, foi marcado pelo equilíbrio entre os oponentes.
Do lado de cá da fronteira Collor de Mello estava com a macaca. Andava de jet-sky, rompia a barreira do som duas vezes por semana pilotando aviões de caça, dirigia Ferraris a 250 quilômetros por hora, jogava futebol com a seleção brasileira, se metia em safaris na Amazônia, mergulhava de escafandro em Fernando de Noronha e dava entrevistas coletivas durante corridas matinais.
Não satisfeito com as fanfarronices mencionadas no parágrafo acima, o intrépido presidente dançava com índios do Xingu e lutava karatê com câmeras de televisão. Ainda promovia toda semana a cerimônia de subida da rampa do Planalto – um hábito criado nos tempos de JK e abandonado desde que no primeiro governo militar uma rapaziada ameaçara atacar o Marechal Castelo Branco com uma chuva de hortifrutigranjeiros.
O presidente, ao lado da primeira dama Rosane Collor – irmã do famoso Joãozinho Malta, mais conhecido como Búfalo Malta, um sujeito com cento e tantos quilos que se envolvia semanalmente em tiroteios e cenas de pugilato – inovou ao convidar personalidades de diversas áreas para participar da subida da rampa. Quero crer que isso deu início a uma espécie de maldição. Quem subiu a rampa com Collor morreu algum tempo depois.
A lista dos que subiram a rampa com o casal Collor de Mello e foram comer o capim pela raiz é imensa: Zacarias, Mussum, Ayrton Senna, os cantores sertanejos Leandro e João Paulo, o apresentador de televisão Edson Bolinha Cury e, para minha tristeza e inestimável perda para o país, o homem público Macaco Tião, transportado numa jaula para Brasília em um cargueiro da Força Aérea Brasileira. A cantora Simone e o humorista Dedé Santana também subiram a rampa maldita e tecnicamente morreram – o que confirma a assertiva da maldição collorida.
É difícil escolher o momento mais constrangedor da gestão Collor. Suponho que tenha sido o dia em que o presidente chegou ao Palácio do Planalto ao lado de duplas sertanejas, índios e atores infantis, enquanto a banda marcial dos Dragões da Independência tocava, durante o hasteamento da bandeira nacional, a canção Pense em mim. A primeira dama, uma espécie de Maria Padilha do sertão, cantava visivelmente emocionada o clássico daqueles anos, ideal mesmo para substituir o hino nacional em cerimônias oficiais: Invés de você viver pensando nele / Invés de você viver chorando por ele…
Enquanto eu contava vantagem sobre o ridículo que caracterizava Collor, minha amiga propagava os feitos menemistas. O argentino pintou as costeletas de acaju, jogou basquete com uma faixa na cabeça [Menem mede um metro e meio e ficaria melhor como goleiro de futebol de botão] , andou em carrinhos de bate-bate com menores carentes em parques de diversões, tentou seduzir a apresentadora Xuxa na Casa Rosada e levou uma poodle como acompanhante numa cerimônia oficial. Participou também de um programa de televisão em que desceu de escorrega numa piscina de piche e, em seguida, mergulhou num barril cheio de penas de galinha e cacarejou balançando os braços para o grande público.
Menem chegou a dar uma histórica entrevista ao apresentador brasileiro Gugu Liberato, na qual aprendeu os passos coreografados da “dança do passarinho”. Collor também compareceu ao Show do Gugu e cantou Galopeira com Donizet, um astro juvenil da música sertaneja que se apresentava fantasiado de caubói. O rapaz dava um agudo que durava cinco minutos:galopeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeira… Collor tentou acompanhá-lo e quase terminou num balão de oxigênio.
Não houve vencedor na aposta que fizemos. Era impossível escolher o pascácio-mor do neoliberalismo na América Latina. Até mesmo em termos de rapinagem Collor e Menem empataram. Ambos os governos começaram nas colunas políticas dos jornais, passaram pelos cadernos de fofoca e terminaram nas páginas policiais.
Abraços
Oportuna lembrança, principalmente agora que vemos Collor candidato a governador das Alagoas, de braço dado com Lula e Dilma (Por que, meu Deus, por que????)
Eram duros tempos aqueles, sem dúvida. Mesmo sendo da UJS naquela época, me recusei a participar do “Movimento dos caras-de-palhaço” na época em que estouraram os escândalos. Preferia algumas sabotagens inocentes…
Vale lembrar que no quesito piada, Itamar Franco também foi páreo duro…
Abraço.
Lembraste do Donizete, grande voz.
Parabéns pelo belo e bem formado texto, deixa seus leitores com um ar de aprendizado de aula de história (estória) contemporânea. Dá para rir e chorar ao mesmo tempo com lembranças desastrosas desses dois elementos da política latino americana.
Abraço.
Caraca, muito bom Simas, muito bom mesmo (risos escancarados)!
alguns subiram a rampa com o collor morreram; outros, como voce disse, morreram tecnicamente; ele está vivinho, disputando cabeça com cabeça, o governo ‘das minhas alagoas’ – como ele bradava!
li ontem por aí que roseane, a padilha, luta fervorosamente CONTRA collor lá!
abs,
dyocil
Não te esqueça que o fato mais desonroso da biografia do senhor Carlos Menem foi ter sido corno do Paulo Coelho…