Zambiapungo – o senhor supremo – se entristeceu um dia, cansado da solidão do poder e das tarefas da criação. Cogitava mesmo, o pai maior, interromper o curso do mundo. Faltava alguma coisa que justificasse aquela grandeza toda. Zâmbi, que sabia de tudo, achava que tinha criado todas as coisas necessárias para a vida. Mas estava triste e recorreu aos inquices, voduns e orixás, seus filhos diletos.

 

Pediu a Zaratempo que inventasse algo para despertar seu interesse e o impedir de desistir do mundo – e Tempo criou as estações do ano com todas as suas mudanças. Zâmbi gostou, mas não sorriu.

Zâmbi chamou Katendê e pediu a mesma coisa. Katendê, o senhor das jinsabas [folhas] , falou ao pai sobre o poder medicinal das plantas. O deus supremo se interessou um pouco, mas ainda assim não sorriu.
Matamba foi a próxima a tentar alegrar Zâmbi. A senhora dos mortos e condutora das ventanias mostrou a força dos furacões e o baile fabuloso dos relâmpagos. Zâmbi olhou, aplaudiu admirado, mas continuou triste.
E assim vieram todos os deuses do Congo. Vunji trouxe as crianças; Angorô inventou o arco-íris; Gongobira deu a Zâmbi um rio de peixes coloridos; Dandalunda chamou as luas que mudam marés; Mutalambô fez um banquete com as caças trazidas das densas florestas; Roxo-Mucumbi forjou ferramentas e adagas no ferro em brasa; Lembá Dilê conduziu um cortejo branco de pombas, cabras e caramujos…
Zambi gostou e agradeceu, mas continuou triste.
Até que Zâmbi perguntou se Zaze, o dono do fogo, sabia de alguma coisa que pudesse afastar aquele banzo de melancolia. Zaze, a quem os iorubás chamam de Xangô, consultou o adivinho Tata Zambura e imolou Baláku, o carneiro, em sacrifício. As carnes foram repartidas entre as divindades do Congo.
Zaze, em seguida, aqueceu a pele do carneiro na fogueira. Ainda com o fogo, tornou oco o pedaço de um tronco seco da floresta. Sobre uma das extremidades do tronco oco, Zaze esticou a pele do carneiro e inventou Ingoma – o tambor.
Zaze começou a percutir o couro com toda a força e destreza. Aluvaiá, aquele que os iorubás conheciam como Exu e os fons como Legbá, dançou ao som do tambor de Zaze e, logo depois, todos os deuses do Congo , ao som do Ingoma, fizeram a primeira festa na manhã do mundo.
Zambiapungo gostou do fuzuê do tambor de Zaze e descansou feliz. Era isso que faltava. Zâmbi sorriu.
Um filho de Zaze, muito tempo depois, foi capturado na floresta e jogado no porão de um navio. Esse negro do Congo chegou, entre correntes de ferro e centenas de outros homens, ao outro lado da calunga grande – na terra onde Zambiapungo era mais conhecido como Tupã.
O filho de Zaze, mesmo entre a dureza das correntes e o cheiro da morte do seu povo, conseguiu levar para o país de Tupã o Ingoma inventado pelo seu pai.
Ao chegar do outro lado do mar, submetido – e sempre insubmisso – ao horror do cativeiro, o negro bateu forte no tambor, convidou para o fuzuê o povo de Tupã e chamou, com a força do ritmo ancestral, todos os deuses. Eles vieram, atraídos pelo fervor das danças e pelo clamor das festas, e resolveram ficar.
Até mesmo alguns dos que chegaram para dominar a terra foram seduzidos e civilizados pela festa. A generosa festa dos filhos de Zâmbi.
E assim, ao toque salvador de mundos do ingoma grande, nasceu o Brasil e o seu povo.
Abraços

5 Replies to “O BRASIL NASCEU DA MELANCOLIA DE ZÂMBI”

  1. Lindas demais as tuas palavras. Que Omolu solte toda sua raiva nos imbecis que ainda tem coragem de desdenhar essa cultura popular tão rica quanto a nossa.

  2. Mestre estou lendo o livro “maracatus e maracatuzeiros: desconstruindo certezas”, de Ivaldo França Lima. Trata da origem do maracatu.Recomendável leitura para maracatuzeiros como eu. Entretanto neste texto encontrei a origem do maracatu cearense (diferente do maracatu-irmão de Pernambuco-na calunga, na batida,na forma de brincar,tem mais índios, etc.). Esta origem esta no teu texto e certamente foi algum filho de ZAZE que levou para as terras alencarinas.

    Saudações ingomisticas.

    Jairo Costa

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