Começa hoje o Fórum das Letras, organizado pelo Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto. Idealizado pela professora Guiomar de Grammont, o Fórum foi concebido com a intenção de valorizar a importância de Ouro Preto, Patrimônio Cultural da Humanidade e destacar a identidade e  a diversidade da literatura dos países de língua portuguesa, através da cooperação mútua entre Brasil, Portugal e os países de língua portuguesa da África. Fundamental ainda – e para mim decisiva – é a preocupação em articular a programação com a rede pública de ensino em uma dimensão animadora.
Participarei do Fórum mais diretamente na quinta-feira, na mesa sobre “Permanência e Recriações da Mitologia Africana no Brasil” , mediando o encontro entre Alberto Mussa, Nei Lopes e o nigeriano Felix Ayoh´Omidire. Acho que a chapa vai esquentar e explico as razões.
O tema do Fórum desse ano é a África. A nossa participação versará, mais especificamente, sobre as mitologias africanas. Apresento, até com certo tom de desabafo, as razões que me levam a apoiar efusivamente o encontro de Ouro Preto e as linhas gerais do que falarei por lá:
1- O estudo de temas africanos nos colégios brasileiros de ensino fundamental e médio – área que me interessa particularmente como educador – ainda é muito precário. Os alunos do ensino fundamental, por exemplo, estudam em História Antiga as mitologias de gregos e romanos. Falam de Zeus, Marte, Saturno, Poseidon, Hércules, Hera, Ceres, Afrodite, Teseu e o escambau. Acho ótimo que assim seja.
É pena que não aprendam também em sala de aula, e com o mesmo cuidado, sobre as aventuras irresistíveis de Xangô, Ogum, Oxalá, Iemanjá, Oxum, Nzazi, Dandalunda, Lembarenganga, Dan, Lisá, Zaratembo… e suas belíssimas mitologias – que tanto inflenciam o Brasil, as visões de mundo e os sambas da nossa gente. Nessa brincadeira as mitologias indígenas também são jogadas invariavelmente para  escanteio ou ensinadas de forma bastante superficial.
2- Continuamos privilegiando – por mais que as reflexões atuais e políticas públicas comecem a sugerir a necessidade de se fazer  o contrário – uma visão de História sob a perspectiva do olhar colonizador. Dedicamos semanas a falar sobre a arte do Renascimento (fundamental) mas não falamos coisa nenhuma sobre as magníficas criações em bronze do Igbo Ukwu, as impressionantes máscaras de Ilê Ifé, os inquices dos Congos, os trabalhos em ferro dos Abomei ou as esculturas primorosas dos artistas da tribo Makonde.
A arte é o melhor caminho para se quebrar preconceitos, discutir identidades, respeitar diferenças, educar crianças e jovens e contribuir para a formação de homens e mulheres mais decentes.
Eu teria ainda dezenas de exemplos para citar com a mesma perspectiva.
3- Discutir a África e refletir sobre seu legado é de importância demasiada depois do que o Brasil assistiu na recente campanha presidencial. As principais candidaturas embarcaram no proselitismo religioso-eleitoral de alguns segmentos cristãos (não todos, é certo e louvável) e varreram para debaixo do tapete, com um pragmatismo covarde exigido por conveniências as mais suspeitas e pautado por setores conservadores, a fascinante complexidade cultural brasileira e a contribuição efetiva das civilizações afro-ameríndias nesse processo.
Candidatos visitaram igrejas, participaram de romarias, percorreram templos evangélicos, levantaram santas, comungaram, ajoelharam e o diabo a quatro. Se aliaram, em alguns casos, a certos segmentos neopentecostais que explicitamente estimulam atos de agressão contra terreiros de candomblé e umbanda. A provocação é inevitável: imaginem só o que aconteceria nessas eleições se um candidato resolvesse bater cabeça para o seu orixá ou ainda participasse de um encontro público com sacerdotes do candomblé… A grita pela excomunhão e o caminho do inferno estariam na ordem do dia.
É disso que se trata, é sobre isso que falarei e é essa a minha militância como educador brasileiro. A hora é de falar e estou disposto a mergulhar de forma mais sistematica nessa batalha, não recusando qualquer convite ou espaço para difundir minha dívida e meu apreço por essas nossas africanidades.

Faço isso por pertencimento ao meu país, respeito pelo seu povo e louvor aos meus ancestrais – um bando de branquelos civilizados pelo Brasil africano.

Abraços  
ps: é impossível também não considerar, noves fora tudo isso, a beleza que vai ser tomar umas geladas e outras quentes em Ouro Preto com meus camaradas, amigos e mestres Beto Mussa e Nei Lopes.

12 Replies to “A ÁFRICA EM OURO PRETO E O COMBATE AOS PRECONCEITOS”

  1. Mestre,
    Por isso que gosto do maracatú cearense bloco carnavalesco que une índios e negros(civilizações massacradas pelo poder ocidental “branco”).
    Todos os brincantes são obrigados a se tingirem de preto. exceto os índios.

    Abraços

    Jairo Costa

  2. Simas, querido, se eu encontrar um modo qualquer para subir os morros [tem carona?] e assistir essa beleza de encontro de vocês, irei. As instigações que certamente emanarão dessa mesa vão deixar encantados os da platéia e vocês. No mínimo sairão de lá certeiras flechadas, sorrisos e danações.

    Agora, sobre sua disposição particularmente voltada para educação, só posso concordar e tentar do lado e cá lhe incentivar a escrever nossa maior história. Uma vez lhe pedi que escrevesse para crianças, eu me referia a historietas poéticas; agora para além da poesia, você [parece] vai escrever histórias de ensinar e aprender. Pois conte comigo, a ajuda que posso dar já é sua, o trabalho é grande, sua coragem é ainda maior.

    Beijos
    Mônica.

  3. JAIRO, temos que ouvir os maracatus qualquer hora dessas. Abraço!

    MONICA, estou só começando. A hora é de escrever e agir. A coisa está feia pro nosso lado e eu sei que você é aliada nessa batalha. Quanto ao morro, iremos no bonde da UFOP com os demais convidados do furdunço.
    Beijo!

  4. Prof, meu filho está no 6º ano do CPII de São Cristóvão e teve aulas este ano de mitologia africana. Teve até que ler o livro “Xangô, o Trovão”.

  5. Espero que seja bem recebido pelos meus conterrâneos e que aproveite bem a sua estadia.
    Aproveito para recoemndar uma visita à mina de Chico Rei para um papo com a D. Mariazinha. De quebra pode experimentar um feijão tropeiro de comer ajoelhado no Boca da Mina!

  6. Simas,
    se declarar umbandista ou do candomblé em certos circuitos sociais em que passamos ainda é motivo (infelizmente)de reações espantadas.
    Essa batalha contra o preconceito em relação as religiões de influência africanista é dura. Aliás, poderia ser pauta nesse mês da consciência negra. Tenho visto a capoeira e o samba revestidos de certa aceitação (tsc) social; o que não acontecia em outros tempos.
    Agora, a prática da religião que tem negritude no seu tecido ainda é alvo de preconceitos exarcebados.
    O cara que coloca Iemanjá na letra da música tem licença poética, agora, dizer que vai num terreiro festejar Oxóssi gera comentários preconceituosos.
    Temos que batalhar…boas energias em Ouro Preto.

    Um abraço!

  7. Simas,

    Sem dúvida alguma essa é uma luta que nós precisamos vencer! Qual o problema de se falar de mitologia africana? O espanto vem acompanhado de preconceito e ainda dizem que no Brasil isso não existe. Um amigo meu emprestou-me o livro IGBADU – A cabaça da existência (Mitos Nagôs revelados) de Adilson de Oxalá (Awofá Ogbebara) da Pallas Editora. Vou aprender mais um pouco!

    Abraços,

    Evandro

  8. Fala Simas,
    Sou aquele camarada que te pediu um autógrafo no livro do Moacyr, pois havia te confundido com outra pessoa. Você falou que não era você, mas autografou assim mesmo, lembra?
    Não achei teu email no blog, então resolvi pedir ajuda por aqui mesmo, não precisa aprovar o comentário.
    Coloquei um texto sobre a política de cotas no meu blog, achei que havia sido super claro, mas algumas pessoas ainda não me entenderam.
    Não peço que corrobore a minha opinião, mas sei que o seu parecer sobre o assunto irá enriquecer muito o debate por lá.
    Abraços

    http://sambaseoutrasbebidas.blogspot.com/

  9. Querido,
    A história da Lei 11.645 infelizmente ainda não saiu do papel “oficialmente”. É triste ver que mtas vezes as Escolas só trabalham esse tema na semana da consciência negra. Brigo lá na escola sempre por um trabalho continuado…o problema é que mtos professores além de serem preconceituosos com o tema ainda são despreparados. O que vamos fazer pra educar nossas crianças?Essa semana participei de um seminário onde uma Ialorixá pediu ajuda, pediu que mais filhos de santos se tornassem professores, pois os filhos dela não aguentavam mais as perseguições que sofrem na escola.
    A batalha é dura! Mas, contamos com o apoio dos grandes gueirreiros!E a nossa Fé é guerreira!
    Axé!

  10. Grande Simas,

    Só por aqui consigo matar a saudade das suas aulas, histórias e da grande figura que você é!

    Por sinal, continuo resistente na engenharia, nem eu sei como!
    Espero que lembre de mim!

    Beijos,

Comments are closed.