E no início fez-se o verbo (contra o vento)
(para Dellani Lima)
(para Beatriz Furtado)
Escrevi numa ocasião, para o catálogo da mostra “nova cena cearense” para o Curta Cinema de 2009, que Vilas Volantes era a mais importante obra audiovisual da história do cinema cearense. Hoje, um ano depois, percebo cada vez mais intensamente que essa expressão não contém nenhum exagero. E o mais curioso disso é que essa obra não é um longa-metragem em 35mm mas simplesmente um média-metragem feito para televisão. Ou ainda, uma obra que não recebeu nenhum prêmio nos festivais de cinema nacionais ou internacionais, pois sequer foi exibida.
Mas então o que faz Vilas Volantes adquirir tamanho status? Acredito que a relevância de uma obra aconteça não apenas por suas qualidades intrínsecas mas por sua capacidade de ressoar, de influenciar a gestação de outras obras, de ser a ponta de lança de tendências de seu tempo. E, sem dúvida, nenhuma outra obra teve tamanha repercussão nos rumos futuros do cinema cearense quanto essa obra de Alexandre Veras.
Vilas Volantes apresenta-se como um documentário sobre algumas vilas pesqueiras do Ceará, em especial na região de Tatajuba, que foram transformadas pela ação do vento, deslocando dunas e soterrando casas, igrejas, memórias. Acontece que Alexandre Veras, cujos trabalhos anteriores dialogavam com a videoarte e a videodança, resolveu passar um mínimo de informações para preferir mergulhar nos tempos e nas sonoridades daquela região.
Alexandre Veras e sua reduzida equipe (o fotógrafo Ivo Lopes Araújo e o técnico de som Danilo Carvalho) ficaram mais de um mês coletando imagens e sons em Tatajuba, revendo o material captado, vendo filmes e fotos para preparar o espírito para ir a campo. Veras diz que Vilas Volantes poderia ter sido filmado em duas semanas se primasse por outro ritmo de produção, mas não seria esse filme, e sim outro. A ampla repercussão de Vilas Volantes, considerado um protótipo de excelência do concurso DOCTV, mostrou para uma jovem geração de Fortaleza que o futuro estava ali, que era possível realizar uma obra de grande potencial estético através de um modo de produção particular, sem grandes equipamentos ou recursos, essencialmente guiado pela afetividade.
Ou seja, Vilas Volantes abriu um caminho. Vilas Volantes não possui a radicalidade de Uma Encruzilhada Aprazível ou Sábado à Noite, outros DOCTVs realizados logo em seguida a Vilas, mas o impacto de Vilas está todo lá nesses filmes. Esses filmes não poderiam ter sido feitos da forma como o foram sem que Vilas tivesse existido antes deles. É como se diante de toda a precariedade da atual Tatajuba, mais que lamentar de forma nostálgica o passado soterrado pelo vento, Alexandre Veras visse no abandono do presente uma potência renovada de apontar para o futuro. A elegância e a beleza desse gesto contagiaram toda uma geração. E no início fez-se Vilas Volantes.