Nem vou falar do prejuízo em seu desempenho, até porque o jornalista Luis Fernando Ico, do Lance e do Grupo Bandeirantes, em seu blog faz um contraponto bastante interessante sobre isso. Mas quero abordar um assunto que não é somente do piloto australiano, mas é do futebol, dos esportes em geral e que é muito visto quando dos direitos, mas pouco observado no que toca aos deveres: o cuidado com o corpo, os cuidados com a imagem e estes contratos decorrentes disso.
Um contrato de um jogador de futebol ou de um piloto de Fórmula 1, por exemplo, possui uma série de restrições. Não pode andar de moto, eventos de patrocinadores que não os da equipe somente com autorização prévia, tem de estar em casa antes de um determinado horário… Há toda uma preocupação em preservar o desempenho físico do atleta e os direitos dos patrocinadores, que em última análise são quem pagam o investimento naquele atleta e esperam retorno de tal decisão orçamentária. A imagem de um esportista, de um vencedor, vale muito em termos de indução de vendas.
Obviamente, não é um mundo perfeito: basta ver que, volta e meia, vemos notícias de jogadores de futebol e outros esportistas envolvidos em escândalos ou simplesmente “sem saírem da noite”. No futebol temos inúmeros exemplos, mas basta se lembrar das carraspanas – e dos vexames públicos – do ex-campeão de Fórmula 1 Kimi Raikkonen para percebermos que não é um fenômeno restrito ao ludopédio. Notem-se também os recorrentes escândalos envolvendo as ligas americanas, até com eventos envolvendo o porte de armas de fogo em vestiários e consumo de drogas.
Vale lembrar que, ao contrário do autor-editor deste blog ou do leitor, um atleta precisa de seu corpo em condições de rendimento máximo para poder desempenhar-se bem. Precisa dormir bem, evitar bebidas alcoólicas de forma constante, alimentação regrada, não consumir drogas e evitar comportamentos de risco. Estes requisitos preservam não somente o desempenho físico de um atleta como a sua imagem.
Então, vejamos um atleta que passou a noite na boate ou com várias mulheres, consome álcool e chega para treinar de manhã sem dormir direito e com a alimentação totalmente fora do razoável ? A queda no desempenho é brutal e impacta no objeto da contratação, que é a capacidade física e técnica do esportista.
Eu me recordo que em meus tempos de bateria na Portela – segundo semestre de 2003 e início de 2004 – eu tinha ensaios às quartas feiras até meia noite – vejam, meia noite – e chegava arrasado para trabalhar no dia seguinte. Obviamente, não tinha o mesmo preparo físico de um atleta, longe disso, mas pode ser tomado como um referencial.
O caso do futebol brasileiro é um pouco diferente. O salário de um jogador é dividido em duas partes, a primeira lançada na Carteira de Trabalho e a segunda – a maior delas – em uma pessoa jurídica a título de “direitos de imagem”. Este estratagema é utilizado na maioria esmagadora das vezes para burlar o Fisco, diminuindo o recolhimento de impostos tanto para o clube quanto para o jogador.
Por isso, aqui no Brasil ainda não existe esta preocupação que ocorre em países da Europa e dos Estados Unidos a fim de preservar a imagem dos atletas e resguardar seu desempenho físico. Volta e meia vemos notícias na imprensa dando conta de confusões envolvendo atletas em boates e jogadores de futebol com desempenho descrescente receberem imediatamente o rótulo: “caíram na noite”. É um dano duplo, porque impacta a imagem e diminui o rendimento físico, base de sua contraprestação de serviço.
Evidentemente, estes “contratos de imagem” acabam sendo pouquíssimo ativados, pois não há o cuidado de incluir cláusulas restritivas e, quando as há, é “para inglês ver”. Empresas acabam não atrelando suas imagens a de atletas que deveriam ser exemplos e, frequentemente, estão nas páginas policiais e de fofocas. Causou frisson o caso de um famoso artilheiro de clube carioca (não é o Adriano, que fique claro) que segundo relatos mesmo machucado não saía de um bar de um famoso hotel da capital carioca e ainda se permitia sair com três mulheres na mesma noite. Obviamente, a recuperação de sua contusão levou muito mais tempo do que seria necessário.
Um atleta profissional depende de seu corpo para produzir e a carreira é curta. Seus contratos devem prever e garantir que eles estejam sempre em totais e plenas condições físicas e de exploração de imagem. Restrições não são “cerceamento de direitos”, mas sim contrapartida ao valor muitas vezes exorbitante pago a estes atletas. As empresas investidoras podem e devem ter retorno aos valores investidos.
Entretanto ainda assistimos a exemplos lamentáveis como o do jogador do Fluminense que deu entrevista dizendo “que vou pra noite sim e me garanto”, ou a dupla de ex-atacantes do meu time que foi fotografada na noite carioca com traficantes de drogas. Entre outros casos, seria motivo para rescisão de contrato de imagem e redução ao valor consignado em carteira de trabalho. Mas no Brasil, infelizmente, e em outros lugares do mundo o que ocorrem são apenas os direitos. Na hora de se cumprirem os deveres sempre há uma tendência a estratégias de mitigá-los ou diminuí-los.
Voltando ao caso que abre este post, acredito que Mark Webber deveria ter sido demitido pela cúpula da Red Bull. Primeiro por ser reincidente e segundo por ter omitido aos seus chefes o que havia acontecido. Contudo, não foi o primeiro nem será o último caso de transgressão que será ignorado pelas regras contratuais.
Finalizo este texto, que não esgota o assunto – longe disso – chamando a atenção para o caso de quase escravidão em que vivem os integrantes de baterias de escolas de samba cariocas. São componentes não remunerados (à exceção dos integrantes da chamada “bateria show”, que não chegam a 10% do contingente total) que muitas vezes ensaiam cinco, seis vezes por semana, muitas vezes até de madrugada. É algo análogo à escravidão e reflexo de um processo de profissionalização absolutamente anômalo vivido pelas escolas de samba carioca.
Mas este é tema para um outro post.
Excelente texto Migão! Em relação aos esportes como a F1, onde um piloto medio com um carro otimo ganha tudo, os donos de equipe e patrocinadores tem que cobrar resultados e total cuidado pessoal de seus pilotos. Imagina um piloto de F1 ser pego dirigindo embreagado! Isso arruinaria totalmente sua imagem e de quebra a de seu patrocinador. No futebol, ou em qualquer esporte onde não haja uma maquina, fica mais dificil a cobrança, principalmente para aqueles que são “estrelas”, os conhecidos craques que acham que podem tudo e que não devem nada a ninguem. Pelo menos aqui no Brasil ,onde os clubes estão quebrados, não vão punir o craque que esta aqui “de favor” (apesar de estar ganhando um belo salario).
Ah, o comentario acima é meu!
Abraços, Hiram.
Bem lembrado, Hiram, embora o diferencial entre os salários aqui e na Europa seja bem menor por causa da valorização do real.
abraço