Mais um domingo, finzinho do mês de janeiro, e mais uma edição da coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é a invasão brasileira a Buenos Aires, trazida pelo câmbio cada vez mais apreciado no Brasil – que será tema, uma vez mais, amanhã.
Nosostros Invadimos a Su Playa
Já devo ter falado aqui algo sobre a Argentina e Buenos Aires. É inevitável, porque eu venho a esse país com uma frequência inacreditavelmente alta – e nem sempre por razões turísticas. Tantas viagens me transformaram em uma espécie de consultor informal dos amigos e conhecidos, que sempre querem alguma indicação em particular. 
Foram tantas os pedidos que eu resolvi passar um dia inteiro escrevendo umas vinte páginas, uma espécie de compêndio de tudo o que sei ou penso saber sobre a alma portenha. É óbvio que não pretendo repetir nada daquilo nessa coluna, mas apenas registrar um fenômeno silencioso, mas impressionante, que é o aumento de brasileiros do lado de cá do Rio de La Plata. 
Desde que eu me entendo por gente, brasileiros e argentinos se visitam mutuamente e sempre foram os turistas estrangeiros mais numerosos uns dos outros, algo que nunca vai mudar, por conta da natural aproximação geográfica. As respectivas oscilações das economias fazem de tempos em tempos a balança pender para um dos lados, mas o longo ciclo brasileiro de estabilidade, contrastado com uma política econômica duvidosa no vizinho, tornou a vinda para cá em uma pechincha, estimulando cada vez mais a chegada de novos turistas canarinhos. 
Bom, mais uma vez estou buonairense. Eu sou um dos mais de mil estudantes brasileiros que fazem cursos de mestrados e doutorados na Argentina, de um jeito bem criativo – os cursos são “concentrados”, isto é, passam-se algumas semanas por ano assistindo 10 horas de aula por dia e nos intervalos se produzem os textos e trabalhos no Brasil. Isso me dá a chance de ser um observador de transformações que às vezes passam em branco. 
Há apenas seis anos, 208 mil brasileiros se aventuraram a conhecer os gordurosos e macios bifes de chorizo. Essa semana eu lia o La Nación no metrô (ou Subte, como ele é conhecido pelos nativos) e o editorial comemorava o crescimento da indústria do turismo. Fiquei surpreso de saber que em 2010 estiveram em Buenos Aires 875 mil brasileiros! 
O número oficial apenas confirmou aquilo que eu já notava. Antigamente a brasileirada ficava mais concentrada no circuito turístico tradicional – lojas da Rua Florida, restaurantes do Puerto Madero, excursões manjadas. Os que vem pelas primeiras vezes ainda cumprem essa rotina, mas cada vez mais tem gente se arriscando em outras experiências. 
Na academia onde eu finjo me exercitar, encontrei duas brasileiras na aula de spinning. No minúsculo restaurante onde almoço de vez em quando rodeado apenas pelos médicos e enfermeiros do hospital em frente, fui surpreendido por uma conversa marcada por um forte sotaque nordestino. No fim de semana resolvi fugir do calor inclemente em um pequeno hotel na região de Pilar, uma cidade de veraneio chique a 1 hora de Buenos Aires e do nada me aparece um sujeito envergando a camisa do Cruzeiro. 
E olha que estamos em janeiro, o pior mês para se visitar a cidade, não apenas porque não há nada pior do que um calor de matar em uma cidade mais afeita ao inverno, mas sobretudo porque Buenos Aires vive uma espécie de “recesso branco”, quem pode tirar férias se manda para o litoral, para Punta del Este ou para o Brasil e deixa a cidade meio paradona – até parte do comércio fecha (não aquele, claro, voltado para os turistas e as lojas dos muitos shoppings). Se agora já está assim, só fico pensando como estará em julho, data do meu próximo retorno. 
Mil e uma razões podem explicar o fenônemo. Mas eu creio que a principal delas está na casa de câmbio: para quem se acostumou tanto a viver com um orçamento apertado, nada é mais revigorante do que entregar uma nota de R$ 50,00 e receber de volta pouco mais de 120 pesos, com os quais duas pessoas almoçam, tomam vinho, comem sobremesa e pagam o taxi de volta. Buenos Aires virou a Disneylandia da classe média, onde a gente brinca de ser rico por uns dias.”