Nestas últimas semanas, a grande novidade do plano internacional são os protestos que começam a varrer o mundo árabe. Semana passada o governo tunisiano foi deposto – na chamada “Revolução de Jasmim”, nesta semana verificam-se intensos protestos no Egito – os mais fortes – e em outros países árabes.
Todos estes países possuem uma característica em comum: são autocracias, com um mesmo governo ou um mesmo grupo há muito tempo no poder, com sérias disparidades sociais e representantes do povo árabe – à exceção do Sudão, que é um caso muito particular.
Tunísia e Egito, adicionalmente, enfrentam o problema da corrupção de seus comandantes. No governo tunisiano recém-deposto qualquer empresa que quisesse investir no país tinha de, necessariamente, dar propinas à família da primeira dama do país, que controlava com mão de ferro a estrutura econômica – formando o que se pode denominar uma espécie de máfia local.
No Egito o ditador Hosni Mubarak, há trinta anos no poder, comanda um país pobre e com imensas disparidades sociais. Mantém-se há tanto tempo no poder com mão de ferro e o apoio incondicional dos Estados Unidos, até pela sua política de discreto apoio a Israel – que comanda a política norte-americana para a região.
Uma característica destes protestos é que os protestos vem sendo convocados especialmente pela internet e por SMS – mensagens de texto via celular. O governo egípcio tratou de “desligar” estas redes, impedindo o acesso à internet e calando os celulares; entretanto, os protestos estão na rua, causando mortes entre os manifestantes e expondo divisões nas Forças Armadas e forças policiais egípcias.
Registro, também, a ocorrência de levantes em países como a Argélia, o Yêmen, a Mauritânia, a Jordânia e o Sudão. Este último caso é um pouco diferente, pois é um país negro, muçulmano, que começa a emergir de sangrenta guerra civil e que enfrenta um processo de separação em dois países.
O conceito de democracia à moda ocidental, representativo, é considerado “estranho” nesta região. Secularmente estes países tem a ditadura como forma de governo, seja via governantes laicos como formas de administração muçulmanas. Não custa lembrar que as primeiras eleições livres na Argélia, em 1991, foram vencidas pela FIS, Frente Islâmica que queria implantar a lei muçulmana como Constituição. A propósito, as eleições em questão foram anuladas.
Outro ponto que temos de ressaltar é o fato de que o “mundo árabe”, grosso modo, pode ser dividido em dois tipos: os países que tem petróleo e aqueles que não o tem. Notem os leitores que, à exceção de Argélia – que tem gás natural – e o Sudão, são todos estados nacionais que não possuem renda de petróleo.
Esta diferença fica clara quando se percebe que em países com “petrodólares”, a desigualdade é grande, os países são ditaduras, mas não estão havendo grandes protestos. Isto pode ser explicado por dois fatores: o maior dinamismo da economia, que aumenta o número de empregos disponíveis, e por outro lado políticas compensatórias, ainda que incipientes – um pobre na Arábia Saudita, por exemplo, em média é menos pobre que um do Egito ou da Jordânia.
Outra questão que os protestos tem evidenciado é a falta de controles institucionais, modelos de governança e de gestão nestes países. Estes são tratados como feudos pessoais, onde os governantes só deixam o poder quando se cansam, são depostos ou morrem. Sempre com grandes fortunas às custas do povo.
Resta saber que tipo de democracia emergirá quando as baionetas cessarem e os políticos secularmente no poder se forem. Não me parece que teremos algo à moda ocidental; me parece mais plausível um modelo onde a democracia representativa ganhará uma espécie de “tutela” do poder central.
E não podemos afastar a hipótese de surgirem repúblicas islâmicas à moda do Irã.