Infelizmente, a grande notícia de ontem – maior até que a apoteótica apresentação de Ronaldinho ao Flamengo, sobre a qual falaremos amanhã – foi a tragédia que se abateu sobre os municípios da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, a qual, em dados do início da tarde de quinta, ceifou 378 vidas humanas – além de cavalos de raça e ovelhas.
É a terceira grande tragédia causada pela chuva em pouco mais de um ano. No Reveillon de 2010 tivemos desmoronamentos diversos em Angra dos Reis, com aproximadamente 60 vidas perdidas, e em abril o Morro do Bumba, em Niterói, veio abaixo com mais 200 mortos aproximadamente.
Isso sem contra a grande chuva da cidade do Rio, no referido mês de abril, sobre a qual escrevi anteriormente.
Conheço razoavelmente a área atingida por mais esta tragédia, devido a razões profissionais. Das três cidades afetadas, Teresópolis é de longe a mais problemática, por se situar no fundo de um vale e ter boa parte de suas construções em morros – praticamente não há espaço plano.
Itaipava, distrito do município de Petrópolis, que é um reduto de classe alta – uma espécie de “Búzios” da Região Serrana, para o leitor ter uma idéia – tem o mesmo problema: fica em um vale, cercada de morros e com rios passando entre estes. É local de pousadas, haras e sítios de alto padrão.
Nova Friburgo não chega a ser em um vale, mas também está cercada de elevações e com muitas construções nestes locais.
Além da geografia complicada, estas regiões sofrem com a ocupação desorganizada dos espaços e com a falta de investimentos em contenção de encostas. Apesar dos investimentos efetuados nos últimos anos, a remoção de áreas de risco para locais mais seguros é lenta e muitas vezes emprerrada pela burocracia.
Outra questão é a ocupação irregular à beira dos rios da região. Em grandes chuvas como a de ontem estes transbordam e acabam se expandindo e ocupando residências, desabrigando famílias e, em algumas ocasiões, causando vítimas.
A região serrana do Rio é bastante profícua em rios, e muitos acabam por desaguar na Baía da Guanabara, já no município do Rio. Cheios, tendem a arrastar o que encontram pela frente – e chega a ser surpreendente que o município de Magé, na base da Serra, não tenha sofrido qualquer consequência. Talvez a destruição nas cidades serranas tenha funcionado como uma espécie de “barreira” a fim de impedir que as águas descessem e alcançassem os municípios de planície.
O leitor não pode se esquecer, também, que choveu em pouco mais de duas horas naquela região o equivalente ao dobro do esperado para todo o mês de janeiro. Apesar dos problemas da falta de investimentos e ocupação desenfreada das encostas, somente a quantidade de chuva já causaria um imenso problema, dada a geografia complicada do local.
Podemos citar como exemplos o fato do Country Clube de Nova Friburgo ter sido atingido pelas águas, algo que não ocorre normalmente. Também ressalto que a praça onde se encontra o teleférico da cidade  – e o próprio – acabou destruída pelo desmoronamento do morro que lhe fazia sustentação.
Ou seja, a quantidade de chuva foi muito superior à suportada por qualquer planejamento urbano considerado razoável para a área em questão.
De qualquer forma, não podemos atribuir exclusivamente à água caída do céu a responsabilidade por estas inestimáveis perdas. Há deficiências sérias em investimento de infraestrutura, contenção de encostas e, em especial, em uma política habitacional que reduza o déficit de moradias e diminua a necessidade de construções em áreas de risco.
Nos últimos anos o governo federal – com o programa “Minha Casa, Minha Vida” – vem procurando reduzir este déficit, mas após trinta anos sem atenção ao problema o gap ainda é imenso apesar do forte investimento.
Cabe às esferas de governo investirem seriamente em prevenção, com trabalho de contenção de encostas, combate a construções em áreas de risco e políticas de ocupação de espaços urbanos adequadas. E não esperarem mortes às centenas para efetuarem “trabalhos de emergência”, com custo muito maior e sem a transparência adequada.
Até quando precisaremos chorar cadáveres para que possa haver uma política séria de prevenção às chuvas, que se repetem de forma intensa a intervalos regulares ?
Finalizando, há que se comentar a posição parcial da grande imprensa ao comentar as enchentes nos estados do Rio e em São Paulo.
No primeiro caso as diferentes esferas de governo foram (corretamente) responsabilizadas; entretanto, para São Paulo a culpa pelas enchentes foi atribuída unica e exclusivamente a São Pedro, eximindo-se totalmente de culpa os governantes tanto do estado quanto do município – ambos da coligação PSDB/DEM.
Fica clara a opção de parte da imprensa de se comportar não como órgão jornalístico, mas como um partido político, auxiliar dos tucanos. Algo que o leitor mais atento já havia percebido quando da campanha eleitoral.
Lembro aos leitores que em São Paulo não há a questão da geografia complicada: a cidade fica no alto de um planalto, mais alta que os locais à sua volta e, se sofre com enchentes, é devido a políticas públicas inadequadas ou inexistentes. Mas a culpa é do pobre do São Pedro…
Concluo externando minha tristeza pelas centenas de mortes e esperando que isso jamais se repita – embora acredite que ainda precisaremos infelizmente passar por mais algumas tragédias desta monta até que se faça o que se deve fazer: prevenção.
(Fotos: O Dia, Terra e G1)


2 Replies to “O Drama das Chuvas”

  1. É triste, mas a história se repete, é uma evidência
    Ver mortes e desabamentos sem poder tomar providência
    Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo embaixo de lama
    O estado do Rio de Janeiro pede ajuda, implora, clama

    No ano passado, a tragédia foi no réveillon, nas ilhas de Angra, belas
    Igual: deslizamentos nas encostas, perdas e inúmeras sequelas
    Mas parece que Cabral, o governador, não sabe ou se esqueceu
    De férias na Europa? Como pode? Não agora! Entendeu?

    É momento de usar o que sobrou e se tem em mãos
    Já que, mais uma vez, faltaram políticas de prevenção
    Defesa Civil precisa reforçar a ação e conscientização
    Residências irregulares tem destino certo: desabarão

    Com a tragédia anunciada, Dilma confirma sua chegada
    O governador, já de volta, mostra o que restou das estradas
    FGTS, muito bem, será liberado para quem precisar
    E para aqueles que não tem mais onde morar

    Do Governo Federal virá um bilhão para reparos
    Para as famílias de 500 vítimas é difícil o amparo
    A reconstrução terá apoio de todos, amigos e parentes
    E se possível, senhor, uma estiagem de políticos negligentes

    (http://noticiaemverso.blogspot.com)
    twitter: @noticiaemverso

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