Na última semana o Presidente da Portela, Nilo Figueiredo, deu uma longa entrevista ao portal “Carnavalesco”, especializado nas escolas de samba, explicitando o seu modo de administrar a escola e suas idéias para o futuro.
Não irei reproduzi-la na íntegra – ela pode ser lida aqui – mas destaco alguns pontos fazendo comentários sobre as declarações. Concordo com alguns pontos, discordo frontalmente de outros, mas é material sobre o qual pode-se estabelecer uma linha de atuação para o futuro da escola.
Vamos a eles:
SRZD-Carnavalesco: Sua experiência na vida militar lhe ajuda para impor mais disciplina na Portela ou ela acaba te atrapalhando para lidar com algumas questões do Mundo do Samba?
Nilo: Eu estou na reserva há muito tempo e desde jovem eu já fazia parte de escolas militares, aprendi o que é a disciplina. A gente precisa entender que uma organização para ir em diante precisa ter comando. Se alguém não está satisfeito com a forma com que dirijo a Portela, talvez esse alguém não saiba o que o melhor para a escola. A Portela de um tempo pra cá, é uma escola que vai para a Avenida de forma disciplinada e ao meu juízo desfila muito bem. As pessoas podem até não gostar do Nilo, mas a disciplina que a gente impõe elas tem que gostar.
Acredito que a palavra correta para definir o que ocorre na Portela hoje não seria bem “disciplina”, é algo mais profundo. Por outro lado, é um tanto quanto autocrático isso de se pensar que “esse alguém não saiba o que é melhor para a escola”.
SRZD-Carnavalesco: Como foi enfrentar aquele problema no desfile de 2005 logo em seu primeiro ano de mandato?
Nilo: Naquele ano, eu não dei ordem para que se fechasse o portão, até porque quem fecha o portão é a Liga. O carro teve um problema no motor e quebrou, Além disso, a direção não era hidráulica e ele ficou emperrado na porta da Avenida. Era a nossa maior alegoria. Havia 21 integrantes da Velha-Guarda e 42 crianças, que choraram muito, porque era a primeira vez delas na Sapucaí e não puderam. Tudo se voltou para tratar só do problema da Velha-Guarda, mas as crianças foram muito importantes naquele momento. Quando o carro não podia mais entrar na Avenida, Jorge Perlingeiro me perguntou se aquela alegoria entraria e eu disse que não tinha condições, vou fazer o quê? Olhei para o relógio e só havia mais 18 minutos para o carro passar na Avenida.
Se o leitor prestar atenção, verá que ele se contradiz: ele afirma que não deu ordem para se fechar o portão, mas à frente diz que não entraria. A versão mais aceita é de que o carro não entrou porque haviam esquecido de colocar combustível no carro – não houve quebra.
Aliás, como já contei aqui, a Portela naquele ano daria um livro das maiores gafes de um desfile de carnaval. Errou-se tudo e mais um pouco.
SRZD-Carnavalesco: O senhor conseguiu muitos patrocínios importantes para todas escolas e foi elogiado por outros presidentes, como fez para conseguir isso?
Nilo: Simplesmente cheguei junto ao presidente Lula e pedi o que eu estava querendo e ele deu. Depois, juntamente com o deputado Noel de Carvalho, obtivemos com a ex-governadora Rosinha Garotinho, o primeiro repasse de verba estadual para o Carnaval. O novo governador assumiu e nós conversamos com ele para que mantivesse e ele concordou.
Este é um ponto a se elogiar em Nilo Figueiredo: em termos de correr atrás de recursos, não fica esperando sentado. Mas talvez fosse melhor buscar outras fontes que não o dinheiro público ou de estatais como a Petrobras.
SRZD-Carnavalesco: E a Feijoada da Portela? Como conseguiram alcançar o sucesso de hoje?
Nilo: Isso foi um projeto do Marquinhos de Oswaldo Cruz e do Serginho Procópio. Quando cheguei lá, se tivessem mil pessoas era muito. Fomos aos poucos ajudando e divulgando na mídia e, hoje, a Portela coloca dez mil pessoas dentro da quadra. Uma coisa que precisa ser dita é que sempre fizemos questão que aquilo fosse um lugar para família, tanto que o nome é Feijoada da Família Portelense.
Sem dúvida nenhuma a frequência das pessoas hoje é maior, mas em 2003, quando se iniciou este projeto, as feijoadas sempre tinham três, quatro mil pessoas. Mas sem dúvida alguma o trabalho de divulgação foi bem feito.
SRZD-Carnavalesco: Certa vez o senhor disse que fazer Carnaval no Grupo Especial do Rio sem patrocínio era horroroso. Como anda a vida financeira da Portela para o Carnaval 2011?
Nilo: Ainda estamos brigando para ver se conseguimos algo novo, mas por enquanto, só tem promessa, não saiu nada. Fazer Carnaval hoje é muito complicado. Com a Cidade do Samba, os carros aumentaram, os carnavalescos se expandiram e a tecnologia passou a fazer ainda mais parte dos desfiles. Quando vejo o tamanho de alguns carros chego a me assustar, mas temos que acompanhar essa evolução que está aí. O Carnaval das escolas deve estar beirando uns R$ 7 milhões.
SRZD-Carnavalesco: Esse é o valor que a Portela vai gastar?
Nilo: Não sei, ainda não sei. Ainda não fechamos. Mas, no Carnaval, tem que se buscar a ajuda que conseguir.
Já escrevi isso aqui antes, R$ 7 milhões é uma falácia, mas infelizmente não se podem escrever certas coisas. Por outro lado, os últimos carnavais da escola não tem gasto isso; basta ver as alegorias que a Portela vem apresentando nos últimos anos.
Por outro lado, se não conseguiu patrocínio, por que então o enredo para 2011 foi trocado? E com direito à desmoralização pública da “Comissão de Notáveis” convidada para desenvolver o enredo previsto sobre a história da escola.
SRZD-Carnavalesco: Durante os anos que o senhor está no comando da Portela, quantos desfiles foram patrocinados e qual foi valor recebido pela escola?
Nilo: Não me lembro, mas patrocinado foi muito pouco. Só quando os governos federal e estadual resolveram ajudar que melhorou um pouco.
A escola teve enredos patrocinados em 2006, 2007, 2008 (embora neste não houve entrada de recursos), 2010 e neste agora para 2011 o tema foi trocado a fim de que entrasse patrocínio. Como assim não houve ajuda ?
SRZD-Carnavalesco: A Portela é a maior vencedora do Carnaval e possui uma das maiores torcidas. Existe algum plano de ação de marketing para aproveitar esse potencial?
Nilo: Sim, isso tem que ser feito, mas através de uma empresa de marketing. Parece brincadeira, mas ainda estamos engatinhando em termos de estruturamento. A Portela precisa de uma empresa de marketing, podemos até ter um diretor aqui para cuidar dessa área, mas ligado a profissionais que saibam trabalhar com isso.
É o primeiro ponto onde concordo totalmente com a visão do presidente. Venho falando isso há dez anos, seja nos fóruns, seja aqui. Contudo vejo uma contradição: ele clama por mais recursos públicos talvez sem ter noção do volume de dinheiro que um bom marketing pode render à Portela.
SRZD-Carnavalesco: E os valores gastos no Carnaval de hoje. Acha benéfico?
Nilo: Só sei da minha escola. Não me intrometo em quanto as outras gastam. Alguns presidentes, que são meus amigos, conversam comigo e contam quanto gastaram no Carnaval. Acho que não é benéfico para o Carnaval. Se continuarmos a avançar dessa forma, vai ter escola de samba que vai ter que parar.
Outro ponto em que concordo com Nilo Figueiredo, ainda que sob óticas diferentes. Com a gestão profissionalizada e transparente, faz-se a mesma coisa gastando-se 60% do que se gasta hoje.
SRZD-Carnavalesco: O que houve na disputa de samba da Portela entre a bateria e o Gilsinho?
Nilo: Eu fui no palanque da bateria e mandei que o Nilo Sérgio descesse porque eu achei que a bateria não estava tocando da mesma maneira para todos os sambas. Isso não pode acontecer. Eu chamei o Nilo e falei com ele, não foi o Gilsinho. O mal entendido aconteceu porque eu estava conversando com o Gilsinho quando o Nilo chegou perto. Coitado do Gilsinho, ele não tem nada a ver com isso.
SRZD-Carnavalesco: Falando em disputa, como o presidente avaliou a disputa entre o Diogo Nogueira e o Junior Scafura?
Nilo: É importante dizer que a Portela mantém sua ala de compositores fechada. Isso possibilita o surgimento de novos valores e mesmo os antigos voltam a fazer samba. Se abrirmos, vem gente de tudo o que é lugar, sem compromisso com a Portela, ganha a disputa e como fica quem está lá os doze meses do ano?
Duas conclusões: a primeira é que o mestre de bateria Nilo Sérgio não deve continuar após o carnaval – se chegar até lá; a segunda é que Júnior Scafura só não ganhará todas as disputas de samba sob a presidência atual se resolver não disputar alguma. Ele estando, ele ganha.
Nilo deixa claro que intercedeu a favor da parceria de Scafura e Gilsinho. Não tem nem o que se comentar.
SRZD-Carnavalesco: Por que a Portela não fez o enredo sobre o Paulo da Portela? Não teme ficar marcado como a Mangueira que não fez sobre Cartola?
Nilo: Ainda não sei. O enredo a gente trata no momento em que tem que se definir. Na próxima feijoada faremos uma homenagem à Clara Nunes, vamos construir um busto dela na Portela. Outros também mereceriam estar lá, mas ainda estão vivos.
SRZD-Carnavalesco: Após ficar em quarto e terceiro, os portelenses pensavam que a escola ia disputar o título. Só que o desfile de 2010 não foi bom? O que aconteceu?
Nilo: Você acha que a Portela merecia o nono lugar? Como eu não posso discutir nota, fui ver a justificativa. Teve jurado que disse que viemos com muito branco. Eu acho que o grande problema foi que fizemos um carnaval diferenciado. Fomos falar de processamento de dados e internet, coisa que muita gente que estava julgando não entendia, mas foi tudo dentro do contexto. Eles queriam que nós viéssemos de vermelho?
Novamente, duas conclusões: a primeira é que não se deve esperar tão cedo um enredo mais voltado às tradições da escola; a segunda é que na visão presidencial a história da escola deve ser lembrada tão somente na quadra.
Quanto ao desfile de 2010, sugiro darem a ele de presente um DVD com a nossa passagem. Presidente, eu estava lá: foi muito ruim.
Por outro lado, o comentário sobre o despreparo do júri é pertinente.
SRZD-Carnavalesco: Sobre barracão, o mundo do samba sempre fica preocupado com o andamento do trabalho na Portela. Dizem que o presidente Nilo gosta de fazer tudo faltando um mês. Isso é verdade? Os materiais não ficam mais caros?
Nilo: Cada um tem a sua maneira de fazer Carnaval. A Portela faz um Carnaval com muita escultura, isso é importante e difícil de fazer. Não se pega qualquer um para fazer isso. Nós preparamos primeiro todas as esculturas. Algumas precisam colocar ferro dentro, fibrar ela. Temos profissionais aqui que são verdadeiros artistas. Eu não tenho que discutir isso. Todo ano é essa história, aí quando a Portela chega na Sapucaí todo mundo diz que está espantado. Quem tem que ficar espantado sou eu.
Em 2007, 2008 e 2010 pelo menos a escola estava atrasada sim. Ano passado a Portela já desfilava e o horrendo carro das bolas – atrás do qual, infelizmente, desfilei – ainda estava sendo “finalizado”.
SRZD-Carnavalesco: E a sucessão presidencial? Pensa em alguém para sucedê-lo?
Nilo: Não quero falar sobre isso. Sou o presidente da Portela e só pretendo sair quando a escola puder andar com as suas próprias pernas.
SRZD-Carnavalesco: Qual a importância do Nilo Figueiredo para a Portela?
Nilo: Acho que trouxe o respeito de volta à Portela e muitos portelenses que estavam afastados da escola. Além disso, percebo que o número de simpatizantes e torcedores da Portela tem crescido, e numa faixa etária onde as pessoas não viram a Portela ser campeã. Tem algo nessa escola que fascina. Não sei se é a Águia ou o Azul e Branco. Esse danado desse bicho é o único ser vivente que encara o sol. Não é a toa que muitas coisas importantes usam a Águia como representação. Sou um portelense apaixonado.
Sobre este assunto, uma única pergunta: ele combinou com os cerca de 300 sócios com direito a voto – entre os quais me incluo? E ainda tem a questão da alteração do Estatuto…
SRZD-Carnavalesco: A bateria de mestre Nilo Sérgio é apontada como uma das melhores do carnaval. Como o presidente avalia o trabalho do mestre? Tem receio de ele ser contratado por outra escola como foi o Átila com o Império Serrano?
Nilo: Que ele não bobeie porque tem muita gente boa vindo de lá. Estão sendo formados ótimos ritmistas. Não temo que ninguém saia da Portela. Castelo Branco dizia que o cemitério está cheio de imprescindível.
SRZD-Carnavalesco: Existe algum profissional do Carnaval que sonha levar para a Portela?
Nilo: Não vou falar isso não. Está todo mundo empregado aí e amanhã vão dizer que eu estou puxando o tapete dos outros.
Bom, fica claro que Nilo Sérgio não deve continuar no comando da bateria. Por outro lado, acho que o “profissional empregado” a quem ele se refere é o carnavalesco Alexandre Louzada, da Beija Flor, que já teve a contratação tentada antes do carnaval de 2011. Mas é apenas um palpite.
SRZD-Carnavalesco: Qual o quesito que o senhor acha a cara da Portela hoje?
Nilo: A harmonia trazida pela nossa comunidade maravilhosa. Ela participa de uma maneira invejável. Por isso fazemos um esforço muito grande para vestir a escola inteira. A Portela dá fantasia para toda a comunidade.
Outro ponto em que concordo. A escola tem hoje apenas nove alas comerciais, e mesmo estas em sua maioria são ocupadas por portelenses como eu que desfilam todo ano mas que não tem disponibilidade de ensaiar toda semana para vir em Alas de Comunidade.
Caros leitores, é isso.