Neste domingo, de volta a coluna “História & Outros Assuntos”, escrita pelo publicitário e historiador Fabrício Gomes. A coluna passa a ser publicada aos domingos, de forma quinzenal.
Vamos ao texto, longo, polêmico, mas que vale a pena. Bom domingo – e, para mim, último dia de férias…
“Memórias e esquecimentos: o paradoxo entre mito e carisma na contemporaneidade
No mês passado, ao ler a matéria “Nazileaks: Uma exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, convida a nação a se confrontar com sua responsabilidade coletiva na Shoah”1, na revista Piauí, lembrei-me do excelente filme teuto-americano “The Reader” (“O Leitor”), dirigido por Stephen Daldry (que inclusive concorreu ao Oscar 2009 em diversas categorias), onde a idéia central do filme é a de se questionar a participação dos soldados da SS alemã nas atrocidades nazi-fascistas do III Reich. Afinal, um oficial do Exército alemão tinha ou não consciência do mal que fazia? Se não tinha, era manipulado? E se tinha, agia como sujeito legitimador de um status quo?
O historiador britânico Ian Kershaw, em sua mais recente obra2, desconstrói a mitificação da personalidade do Fuhrer. Segundo Kershaw, Hitler não teria existido caso alguns fatores conjunturais da Alemanha pós-Tratado de Versalhes (uma Alemanha derrotada, humilhada, com perda de seu espaço vital no continente europeu, altos índices inflacionários, economia em ruínas e ainda tendo que pagar uma indenização de US$ 33 milhões por prejuízos na guerra, desemprego etc), em 1919, não tivessem corroborado para sua ascensão “imperial” como chefe-supremo e ditatorial do “National Sozialistische Deutsche Arbeiterpartei” (N.S.D.A.P.).
O raciocínio logico então seria o de que “A Primeira Guerra Mundial” criou Hitler, que espertamente apropriou-se de um discurso e diversas representações simbólicas pré-existentes e apenas adaptou-as aquilo que a desesperançosa população alemã queria ouvir.
Concordo com Kershaw e também com a matéria da Piauí no que tange ao raciocínio de “não manipulação” do povo alemão por parte das autoridades nazistas. Hitler não manipulava, apenas “fascinava” com seu discurso o alemão deteriorado pelas dificuldades já expostas por mim acima. Em parceria com Joseph Goebbels (seu Ministro da Propaganda) fez apenas um “ajuste” discursivo e imagético (símbolos, cores, desfiles imponentes, arquitetura grandiosa etc) para o que seu “público” desejava. E exerceu como ninguém o sentimento de carisma junto à população alemã.
A Alemanha renasceu das cinzas de uma hora para outra, como num passe de mágica? Obviamente que não. Vale ressaltar que a indústria que mais cresceu, ao lado da indústria automobilística e a construção civil (especialmente a construção de rodovias Autobahn), foi a indústria bélica. Não se monta uma indústria da morte sem engenheiros, organogramas sem que seus funcionários soubessem o que estavam fazendo. Como diz a narração de Noite e Neblina, o primeiro grande documentário sobre os campos de extermínio, dirigido por Alain Resnais em 1955, “um campo de concentração é construído como se constroem hotéis ou estádios – com orçamentos, concorrências, um ou outro suborno”.
O revisionismo acerca dessa questão suscita polêmicas, afinal é mais fácil atribuir ao mito todo e qualquer tipo de representação sobre crimes de guerra e maldades. A Hitlerização de comportamentos nunca, jamais é aceita. Fica então a pergunta: “como um homem poderia ter enganado tanta gente?”. Como Hitler pode ter ludibriado milhares de alemães? E não somente alemães, mas também austríacos entusiastas do nazismo…. e até mesmo franceses, da República de Vichy? Como, sozinho, foi capaz de traçar planos ardilosos, manipulando mentes e corações?
Aí entra em jogo a dualidade entre memória e esquecimento. Vichy foi um Estado francês entre 1940 e 1944, considerado um satélite do nazismo, cujo governo passara a simpatizar com Hitler após sua rendição em 1940. Coube a Gerárd Pétain o controle de Vichy. O historiador francês Pierre Laborie, ao tratar da relação entre os franceses e a memória construída sobre a resistência a Vichy e à ocupação nazista, nos dá importantes instrumentos para pensar a memória da resistência3:
Resumidamente, os franceses desejavam se fazer perdoar em 1944. Os armários que fechavam os cadáveres deveriam permanecer hermeticamente fechados para deixar apodrecer os segredos sob o grande silêncio. Nesta configuração, a apropriação da Resistência como bem comum servia de cortina de fumaça. Favorecia a amnésia e evitava dolorosos exames de consciência.4
De sorte que encontramos então fenômeno bastante similar não somente na Alemanha nazista, mas também, nas devidas proporções, na Itália fascista de Benito Mussolini. E também em governos como o de Perón, na Argentina, Vargas, no Estado Novo (uma ditadura, porém referendada pela maioria da população, inclusive artistas e intelectuais), e nos tempos contemporâneos, no Chavismo venezuelano e no governo de Luiz Inácio Lula da Silva – me aterei mais a frente na análise estrutural desses fenômenos.
Voltando ao caso alemão, processou-se uma reconstrução da memória de vitimizar a população alemã, em detrimento de uma culpabilização dos generais levados a julgamento em Nuremberg. Oficiais nazistas que por sua vez colocaram a conta em Hitler, já morto – que não podia mais se defender. Afinal, a população era “vítima” ou conivente com os atos? Participou ou não da edificação da potência alemã? Referendou a ascensão do mito? O esquecimento então foi o caminho natural para os fatos antecedentes.
Chega-se então à conclusão de que a relação entre Hitler e os alemães foi a de um casamento bem-sucedido: de um lado, um povo carente, subestimado e humilhado; do outro, uma pessoa com sede de poder, com idéias nebulosas e um grande sentimento de vingança – explicado, em parte, pela criação que teve e pelas dificuldades enfrentadas na vida.
No ensaio que escreveu para o catálogo da exposição do Museu Histórico Alemão, intitulado “Carisma e Violência”, Kershaw aborda a relação do líder com seus adoradores e cita o célebre discurso de Nuremberg, de setembro de 1936. “É um milagre vocês terem me encontrado no meio de tantos milhões. E é o destino da Alemanha eu ter encontrado vocês.”
É mais aterrador ainda perceber a constante refundação do mito, quando ainda hoje, um em cada dez alemães acha que seria bom que um novo Fuhrer surgisse para governar a Alemanha. Cresce a presença de grupos neonazistas na Europa – e não somente na Alemanha.
A mitificação proporciona armadilhas nem sempre visíveis aos olhos dos historiadores. Uma das questões que até hoje poucos se detiveram foi sobre o papel da opinião pública. A existência de uma vasta literatura que atribui aos líderes e ditadores toda a culpa pelas mazelas, tendo do outro lado uma população oprimida, é mais do que comum. Poucos observam que ditadores são referendados – por grande parte da população.
Augusto Pinochet, no Chile, era apoiado por grande parte da população, mesmo após sair do poder, elegeu-se senador vitalício. E quando retornou de Londres, já em prisão preventiva, foi recebido por entusiastas no aeroporto de Santiago. Getúlio Vargas lotava estádios de São Januário e Pacaembu, nas comemorações do Dia do Trabalho. Aquelas pessoas iam obrigadas às comemorações cívicas? A maciça presença era explicada pelas leis sociais implementadas durante o regime varguista.
Leis trabalhistas, racionalização da jornada de trabalho, prestígio de sindicatos, fim do federalismo em prol de um governo centralizado. Tais benefícios jamais poderiam ser esquecidos. Antes de 1930, por exemplo, não existia carga horaria de trabalho. Há informações de indústrias que exigiam sete dias de trabalho aos operários, com uma carga de ate 16h por dia. Com a ascensão de Vargas ao poder, o trabalhador encontrou seu lugar na pirâmide social brasileira. E a classe artística, muitos dos quais, funcionários do próprio regime do Estado Novo – Carlos Drummond de Andrade era um dos intelectuais que trabalhavam para Vargas – em peso apoiava o regime.
Fenômeno semelhante ocorreu recentemente, nos governos Lula (2003-2010). A implementação de programas como Bolsa Família e PAC correspondem a manipulação da população? Discordo. São programas sociais que vão ao encontro do anseio de milhares de miseráveis, grande parcela com menor grau de instrução da população que diante desse tipo de assistencialismo, tal qual ocorreu com Vargas, vem ocupar um lugar na sociedade.
Não há aqui a preocupação em julgar questões políticas, como mensalão, acusações de corrupção, etc. Mas inegavelmente o mito Lula não se construiu sozinho, por ele mesmo: foi fruto da implementação de programas sociais, visando reduzir a desigualdade, principalmente nos grotões – e vale dizer que jamais teria ocorrido se não fosse os governos anteriores, com o Plano Real, estabilização da economia e algumas reformas feitas. [N.doE.: discordo fortemente deste último ítem, se dependesse de FHC os pobres estariam mais pobres hoje.]
Lula não manipulou em prol de sua imagem, de seu mito. Lula provocou carisma, tal qual os líderes que citei ao longo desse texto. O carisma ocorre quando o cidadão se vê em seu líder (seja elevado ao poder democraticamente ou não). Carisma é quando encontra no Outro as respostas para as dificuldades que enfrenta. É quando vê um nordestino chegar a presidente e dizer: “porque eu também não posso chegar lá?”.
“E por que não?”
Portanto, lidamos aqui com duas questões: o paradoxo entre memória e esquecimento, e a mitificação, personalismo e manipulação construída em torno de algumas personalidades da história mundial e do Brasil – citando alguns exemplos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
1Revista Piauí. São Paulo, janeiro de 2010.
2KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
3CORDEIRO, Janaína Martins. Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
4LABORIE, Pierra. Les français des années troubles. De la guerre d´Espagne a la Liberation. Paris: Seuil, 2003. p. 272.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:
BOURDIEU, Pierre. “A Opinião Pública não existe”. Exposição feita em Arras (Noroit) em janeiro de 1972 e publicada em Les temps modernes, 318, janeiro de 1973, pp 1292-1309.
DOMENACH, Jean-Marie. La Propagande Politique. Paris: Presses Universitaires de France, 1950.
KERSHAW, Ian. L´Opinion allemande sous le nazisme. Bavière 1933-1945. Paris: CNRS, 2002.
LABORIE, Pierre. L´Opinion française sous Vichy. Les Français et la crise d´identité nationale. 1936-1944. Paris: Éditions du Seuil, 2001.
PARABENS AO POVO EGÍPCIO QUE DURANTE VINTE DIAS LUTOU NAS RUAS DO PAÍS
CONTRA UM GOVERNANTE QUE POR TRINTA ANOS MANTEVE ESSE MESMO POVO SOB
UMA DITADURA FEROZ E SANGUINÁRIA.
NO ENTANTO POR SER UM POVO CONSTITUIDO DE JOVENS SEM EMPREGO, ESCOLAS E CULTURA SE SENTIRAM NA OBRIGAÇÃO DE LUTAR BRAVAMENTE PARA DERRUBAR UM DÉSPOTA, O QUAL DURANTE ESSE PERÍODO DELAPIDOU O ERÁRIO PÚBLICO DO EGITO. VIVA ESSA GENTE BRAVA, GENTE QUE NÃO CANSOU UM SÓ MINUTO PARA ALCANÇAR SEUS OBJETIVOS QUE FOI POR PARA CORRER DO PODER O VELHO E CARCOMIDO MUBARAK E SUA CORJA DE ASSASSINOS. JÁ QUE ESTAMOS FALANDO EM POVO, QUE TAL A NOSSA GENTE LUTAR CONTRA ESSA SÚCIA DE LADRÕES QUE TOMARAM CONTA DA POLITICA NACIONAL.