Ando lendo uns alfarrábios sobre o antigo Carnaval carioca. Tem cada coisa do arco da velha. Descobri, por exemplo, que a velha Rua do Ouvidor ferveu às vésperas do tríduo de 1862. A Galeria de Vestuário Niobey, uma das mais famosas casas do pedaço, anunciou nas páginas do Jornal do Commercio uma variedade de 65 tipos de fantasias carnavalescas para quem quisesse pintar os cavacos em um baile de salão.
Dentre os variados tipos de disfarces oferecidos, o folião podia escolher coisas como Escocesa, Louco Flamante, Corsário Grego, Astrólogo de Madagascar, Camponês da Galícia, Pescador Napolitano, Oficial da Guarda Francesa, Pierrô, Mefistófeles, Mandarim Chinês, Luís XIV, Índio Parisiense, Centurião Romano, Faraó, Ministro de Nabucodonosor, Tuareg, Homem das Cavernas e outros babados.
Essa variedade de fantasias me levou a um mergulho na infância abissal, quando as mulheres da família escolhiam as roupas que a molecada lá de casa usava nos bailes de Carnaval. Fiquei com vontade de fazer confissões que só pensava ditar a um médium de mesa branca, depois da morte. Por exemplo: lembro nitidamente que me fantasiei, na tenra infância, de índio do Velho Oeste [mais precisamente de Pequeno Chefe Touro Sentado], Faraó Ramsés II, pirata, piolho, sheik árabe e Emerson Fittipaldi – ocasião em que fiquei entalado na privada infantil do banheiro do aristocrático Fluminense Football Club, durante o Baile do Cartolinha.
Nunca fui muito chegado nos bailes de salão, sobretudo depois desse episódio em que a privada do pó de arroz foi o cockpit da minha Lótus. Eu era um daqueles moleques bundões que ficavam, durante a festança, absolutamente parados, jogando confetes e serpentinas para o alto, com uma expressão corporal parecida com a de um cágado sob efeito de lexotan. Não era minha praia.
Já macaco jovem, saído da adolescência, fui a um baile que quase me custou um namoro sólido. Acontece que minha namorada à época foi passar o Carnaval em Araruama. Recusei, com a maior doçura, o convite da família para acompanhar a trupe. Argumentei, evocando velhas tradições familiares, que iria desfilar, ver as escolas de samba com a maior tranquilidade e não me envolver em nenhum tipo de folia mais arretada. Era mesmo minha intenção.
Acontece que um amigo dos tempos de colégio conseguiu convites para um baile no Scala, com direito a lugar na mesa. Eu disse que não iria de forma alguma, detestava esses bailes decadentes, tinha trauma de infância – do episódio do Emerson Fittipaldi  – e outros salamaleques. Diante, porém, da insistência do convite, cedi. Lá fui eu ao baile, fantasiado de Maionese Hellmans. Os dois camaradas que foram comigo se fantasiaram de Pomada Minâncora e Polvilho Antisséptico Granado.
O troço foi o horror. Até o velório do meu querido avô, tempos depois, foi muito mais divertido que aquele espetáculo tenebroso, digno de um fim de ágape nas catacumbas romanas. Um coral de canto gregoriano em enterro de Papa consegue ser mais carnavalesco que aquilo. Houve, para piorar, um problema inesperado. A TV Bandeirantes transmitiu flashes do furdunço durante a programação noturna.
Sem sacanagem: O baile foi uma desgraça, o salão estava vazio e não aconteceu nada de especial. Nadica de nada. Só que na hora em que ligavam os refletores e a televisão passava a transmitir, instaurava-se uma espécie de transe coletivo e o povo, que adora aparecer, fingia que uma verdadeira bacanal estava acontecendo no salão. Mulheres tremendamente suspeitas subiam nas mesas e rebolavam praticamente nuas. Bichas loucas davam siricoticos e o repórter gritava coisas incompreensíveis.
Resultado: Uma tia solitária da minha namorada me viu ao vivo, em alta madrugada, vestido de maionese, ao lado da Pomada Minâncora e do Polvilho Antisséptico Granado, sentado numa mesa do Scala. Em cima da mesma mesa, quatro senhoras gordas e com varizes rebolavam para as câmeras de TV. O espírito de porco da velha ligou para Araruama. A notícia de que eu estava numa suruba multissexual via satélite foi amplamente divulgada, em tempo real, nas hostes familiares.
Provar depois que Jesus não era o Genésio foi mais difícil que parir uma capivara pelo umbigo. Instaurou-se grave crise sentimental na minha vida, que só foi resolvida quase às vésperas das festas de São João e incluiu cartas desaforadas, tentativas de agressão e a devolução de um enorme canguru de pelúcia, presente de início de namoro.
Jurei, depois daquilo, que nunca mais colocaria os pés em um baile de Carnaval nessa encarnação. A jura só foi quebrada quando compareci em 2009, sob rigorosa pressão feminina, ao baile de encerramento de Carnaval do Trapiche Gamboa. Fui de pirata da perna de pau, com tapa olho e o cacete. Os craques e camaradas Pedro Paulo Malta, Pedro Miranda, Alfredo Del Penho e Luís Filipe de Lima comandaram um charivari espetacular. Fiz as pazes com a folião de salão, com juros e correção monetária [apud Delfim Neto].
Neste ano de 2011 vou pegar leve no Carnaval – por ótimas razões de força menor que não interessam minimamente aos leitores. Ao baile da terça-feira gorda no Trapiche, porém, não faltarei nem debaixo d´água. Resta apenas uma dúvida sobre a fantasia: vou de Penélope Charmosa ou vocalista da banda Restart?
Evoé!

7 Replies to “ZIRIGUIDUM NOS SALÕES”

  1. Lembro de um carnaval de salão no Clube de Sargentos da Aeronáutica em Cascadura, que minha mãe fez uma fantasia para mim e meu irmão de Maguila o Gorila…tipo uma bermuda com suspensório….tsc,tsc

  2. Este carnaval, o choro e a manha serão o ritmo de minha folia, desfilarei na Escola de Samba Pais de Primeira Viagem, ficarei curtindo meu primeiro “herdeiro” que chegou no último dia 11.
    abraço

  3. “ótimas razões de força menor”. Hahahahaha Adorei!!

    Sobre sua duvida quanto a seus trajes carnavalescos: eu voto na fantasia de Penelope! Tenho certeza de que aquele macacao rosa pink lhe cairá muito bem.

    Beijos!

Comments are closed.