Não sou exatamente um fã das teses defendidas pelo economista e ex-Ministro Mário Henrique Simonsen (foto, quando Ministro em 1976). Mas tenho de admitir que dentro de sua linha teórica e ideológica (com a qual decididamente não comungo) era um pensador e formulador brilhante.

Uma de suas frases mais famosas ilustra exatamente o momento atual da economia brasileira: “a inflação aleija, mas o câmbio mata”. Refiro-me à tal assertiva após mais uma elevação de juros básicos – Taxa Selic – por parte do Banco Central na véspera do último feriadão, dia 20. Sob intensa pressão do mercado financeiro, mais uma vez preocupado em garantir seus bônus de final de ano e remunerar a turma dos extratos mais altos a taxa foi elevada para 12% ao ano.

Mais uma vez, a alegação foi de que haveriam novas “pressões inflacionárias” que levariam a taxa anual para além do extremo da meta do índice. Escrevi aqui anteriormente que tais pressões, por exógenas, não são combatidas com a simples elevação da Taxa Selic.

Além disso, o Banco Central vem empreendendo uma série de outras medidas para o controle da inflação, tais como o compulsório dos depósitos bancários e a elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A atividade econômica vem dando sinais de arrefecimento e os efeitos sazonais que propiciaram o repique inflacionário já começam a refluir. Ou seja, uma elevação dos juros era exatamente desnecessária: ao contrário, uma redução poderia ser considerada haja visto que os fatores causadores do aumento dos preços, como escrevi anteriormente, não eram afetados pelo aumento da taxa de juros.

Entretanto, sob intensa pressão do mercado financeiro e de setores da imprensa (a serviço de outros interesses) houve esta elevação de 0,25 ponto percentual. Tal elevação não satisfez o mercado financeiro dentro de sua visão estreita e que ignora os setores da economia real, que exigiam ao menos meio ponto percentual, mas representa uma concessão significativa aos interesses destes grupos.

Também como já expliquei aqui anteriormente, em mais de uma ocasião, tal elevação torna ainda mais dramática a questão do câmbio. Tal elevação aumenta o diferencial entre as taxas de juros internas e externas e, por isso, aumenta a entrada de dólares no mercado interno – o que aprecia o câmbio, tornando mais valorizado ainda o real. Ou seja, o “preço” do dólar cai ainda mais – bancos já falam em uma taxa de câmbio de R$ 1,32 por dólar, o que seria bem abaixo da já atual apreciada taxa de R$ 1,57 – e longe de uma taxa considerada equilibrada de R$ 2,15.

E por que a frase do título?

O fenômeno inflacionário é algo bastante danoso à economia se for descontrolado, contudo não impacta diretamente na estrutura produtiva do país. É mais uma espécie de “imposto regressivo” que concentra renda e desarticula a estrutura de preços relativos e de investimentos do país. Além disso, uma taxa de inflação de 6% ao ano é perfeitamente administrável. Ou seja, a inflação pode aleijar uma economia, mas não a destrói.

Todavia, tal raciocínio não pode se aplicar ao câmbio. Uma certa apreciação da moeda é utilizada muitas vezes no combate à inflação, utilizando-se da competitividade ganha pelos produtos importados para servir como uma espécie de “controle indireto” de preços. O problema é que, apreciado da forma em que está, começa a haver um fenômeno claro de “desindustrialização” da economia nacional: as empresas deixam de fabricar aqui no país para importar e, muitas vezes, colocar apenas sua marca. Em vários setores da economia brasileira este fenômeno já ocorre, em especial naqueles que sofrem concorrência mais acirrada dos produtos chineses.

Ainda com algumas tarifas aduaneiras a fim de equilibrar a concorrência com o produto nacional os chineses se beneficiam, além de nosso câmbio valorizado, do yuan (moeda chinesa) desvalorizado e de um regime trabalhista muitas vezes semi-escravo. Por outro lado, as empresas brasileiras recebem menos dólares por seus produtos para exportação e ao mesmo tempo seus custos de produção na moeda norte-americana se tornam mais altos que o das concorrentes externas.

A se continuar a apreciação do real, o quadro extremo – mas possível – é de desindustrialização, com o fechamento de milhares de empresas e um quadro correspondente e consequente de desemprego e recessão. Toda uma evolução econômica de aproximadamente oitenta anos pode ir por água abaixo em poucos anos, voltando-se no caso extremo ao patamar de exportador de produtos primários e importador de manufaturas. Tal situação seria absolutamente catastrófica à economia brasileira.

O risco existe e é real. Urge medidas de redução do diferencial entre as taxas de juros externas e internas a fim de reduzir a valorização do real e impedir consequências como desindustrialização, desemprego e recessão. As medidas de contenção adotadas até agora revelaram-se tímidas, pois a lucratividade de nossas taxas internas supera as penalizações adotadas.

Por isso que, como dizia o economista, “a inflação aleija, mas o câmbio mata”. A primeira desorganiza a economia mas não leva à extinção de setores internos. A segunda arrasa com setores inteiros da estrutura, e olha que não estou falando das consequências sobre o balanço de pagamentos.

Voltarei ao tema.

One Reply to “A inflação aleija, mas o câmbio mata”

  1. Simonsen foi uma das cabeças mais brilhantes que já passaram por nossa economia. Infelizmente morreu cedo, com um câncer no cérebro. Intelectual, jazzófilo, economista que não pensava apenas com base nos números, mas também nos impactos sociais – a longo prazo. Chegou a ser convidado por Collor para dirigir o Ministério da Fazenda, mas acertadamente recusou.

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