Para quem não é daqui, Realengo fica a aproximadamente 45 quilômetros do centro do Rio de Janeiro e é considerada uma zona de subúrbio, de classe média baixa – um típico local da “Classe C”.
Um número ainda não determinado exatamente de crianças (no momento em que escrevo) teve a vida ceifada por um atirador que adentrou o colégio (foto acima) utilizando-se de sua prerrogativa de ex-aluno e saiu atirando em dezenas de crianças e pré adolescentes, se suicidando depois. As motivações do assassinato em série ainda são em parte desconhecidas: sabe-se que o assassino deixou uma carta onde dizia ser portador do vírus HIV e que era uma pessoa bastante solitária.
Soube da tragédia no final da manhã e assim que terminou a reunião onde estava corri para a internet para saber mais. Depois no restaurante onde almocei vi algumas imagens na televisão, embora a distância em que estava não me permitisse ouvir o som. De cara a impressão que eu tenho é de que a cobertura preliminar da imprensa se preocupou mais em “informar em tempo real” do que propriamente tentar passar corretamente o que estava correto. Em vários veículos as versões e os números divergiam assombrosamente, o que deixa claro que não houve uma apuração cuidadosa do fato – o importante era “passar na frente” do concorrente. Aliás, o post do DoLadoDeLá sobre o assunto é bem esclarecedor.
Também vi um determinado órgão de imprensa tentar (lamentavelmente) politizar a tragédia, determinando culpabilidades à presidente, ao governador e ao prefeito. Sinceramente, não consigo ver nenhuma ação por parte de órgãos públicos a fim de deter um psicopata que entra em um colégio, bem vestido e com uma justificativa convincente – de que daria palestra em um programa de ex-alunos que a instituição efetivamente vinha mantendo.
Eu tive o cuidado de telefonar para uma pessoa próxima que trabalha em um colégio municipal aqui do Rio de Janeiro e esta me explicou que apesar de haver seguranças não há como fazer revistas detalhadas ou barrar ex-alunos. Até por ter sido um fato não ocorrido anteriormente no país e alvo de um verdadeiro psicopata, ou seja, não havia histórico de ocorrência de crimes desta magnitude.
Por outro lado, apesar do comportamento “mata e esfola” que vi em muita gente no Twitter a atitude do sargento PM que imobilizou o assassino com um tiro na perna foi absolutamente correta. Executá-lo à queima roupa seria um comportamento também bárbaro e a atitude de atirar em parte do corpo não letal cumpria o objetivo de impedi-lo de perpetrar mais assassinatos e preparar uma eventual prisão. Entretanto, o criminoso optou por se matar neste momento com um tiro na cabeça.
Penso que não cabe procurar culpados nesta tragédia. A ação de um indivíduo com desvios de conduta claros – não se sabe ainda se estava sob o efeito de drogas, e talvez nunca se saberá – não me parece reflexo de desleixo das autoridades os da escola. Talvez deve-se pensar no comércio clandestino de armas, muitas vezes estimulado por maus integrantes das forças policiais do Estado – que em prática conhecida repassam armas apreendidas no mercado negro – mas para um indivíduo com esta tendência se não encontrasse arma de fogo à disposição talvez se valesse de outro tipo de arma.
Como bem escreveu no Twitter o jornalista Gustavo Poli, mais importante que procurar eventuais culpados é pensar nas consequências. Umas das coisas que mais me chocou em toda esta manhã chocante fou parar para almoçar em um restaurante, ver a televisão ligada com as imagens do fato e observar todo o salão – aproximadamente umas quarenta pessoas – conversando, rindo e absolutamente indiferentes ao fato. Confesso que tal cena me deixou profundamente triste, quase revoltado.
Diversas vezes eu e os colunistas deste blog batemos na tecla do individualismo cada vez maior que move as pessoas. O importante é se dar bem, independente dos meios a serem utilizados ou se está ou não prejudicando a outros. O importante é ver o próprio interesse. Conceitos como altruísmo, solidariedade, cooperação, hoje, são considerados “demodé”. Só vale ser competitivo ao extremo e alcançar uma “vitória” muitas vezes duvidosa.
Outro ponto que deve ser observado é a superficialidade cada vez maior das relações humanas e da vida como um todo. O importante é a frivolidade, é o consumo, é o hedonismo a qualquer preço. Os valores da honestidade, da bondade e da ética são considerados “fora de moda” e ao invés de indispensáveis se tornaram apenas “qualidades”, muitas vezes consideradas “empecilhos” por um duvidoso senso comum.
Se a sociedade é complacente com pequenas transgressões abre espaço para que sejam praticados grandes crimes, ao tornar “aceito” um certo grau de práticas condenáveis pela lei. É a “cervejinha” ao guarda, o “jeitinho” na empresa, é ocupar os bancos reservados a maiores de sessenta anos nos transportes, é o preconceito… São todos atos que posssuem em menor ou maior grau algo transgressor, mas são considerados aceitos, pelo menos por parte da sociedade. Haja visto o fato do deputado Jair Bolsonaro ter sempre em torno de 120 mil votos a cada eleição parlamentar – ou seja, suas teses preconceituosas e no limite do crime possuem, queiramos ou não, ressonância em setores da sociedade.
Sinceramente espero que a morte destes inocentes sirva para que todos nós façamos uma reflexão sobre o mundo que estamos construindo e o que queremos. Neste caminho em que trilhamos atualmente de egoísmo, individualismo e transgressão a tendência é que infelizmente tragédias destas repitam-se cada vez mais frequentemente. A escolha é nossa e cabe a nós mudarmos este quadro, não ao governo ou a quem quer que seja.
Mas há esperança: basta ver o desempenho correto do sargento PM que atuou de forma correta no episódio – sem sucumbir a tentações midiáticas de executar o psicopata – e a solidariedade da população que correu ao Hemorio para doar sangue para se ver que sim, a sociedade tem salvação.
Depende de nós, leitor. No momento a dor é muita.