Complementando o domingo, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, retorna a assunto que já foi tema da mesma coluna: a prova aplicada pela Ordem dos Advogados do Brasil para que o bacharel em Direito possa conquistar o direito de advogar.
Ainda a provinha da OAB
Um dos textos mais lidos desta Bissexta tratava do Exame de Ordem, a prova que a OAB aplica para conceder aos bacharéis de Direito a licença para advogar. Eu dizia que não entendia tantas reclamações por conta de uma exigência relativamente simples, quando comparado aos rigores adotados em outros países para permitir a prática da advocacia. 
Mantenho tudo o que disse, mas, por curiosidade, resolvi dar uma olhadela na segunda etapa da prova mais recente aplicada pela OAB. Essa 2ª etapa é, em tese, um pouco mais difícil, já que envolve cinco questões discursivas e a elaboração de uma petição, a partir de um caso hipotético, mas nunca é demais lembrar que o candidato escolhe a área sobre a qual quer responder. Eu vi a prova de Direito Civil e Proceesso Civil.

Cheguei a duas conclusões essenciais: 

a) a prova, como eu supunha, não apresenta nenhuma dificuldade especial, sendo até mais fácil do que eu cheguei a suspeitar diante de tanto estardalhaço; 
b) a OAB tem pouco cuidado na elaboração das questões, o que contribui para prejudicar a avaliação de quem está (ou não) preparado para exercer a profissão e dá alguma razão às críticas de quem acha que a prova vem perdendo o seu real sentido, que seria o de testar a aptidão dos bacharéis para a advocacia.

Querem um exemplo da falta de cuidado? Uma das questões fazia alusão a um tal “acordo amigável”. Ora, o que um aluno deve aprender logo nas primeiras aulas do direito que “acordo amigável” é uma expressão tão feia quanto “subir para cima”, pois se é acordo, só pode ser amigável!

No geral, as questões são problemas triviais, mas que embutem algumas “pegadinhas”, ou seja, detalhes para confundir o candidato. Eu fico me perguntando: qual a utilidade de embutir essas cascas de banana em um exame que pretende medir a extensão do conhecimento jurídico? E sou capaz de apostar que há pelo menos um caso onde o feitiço pode virar contra o feiticeiro, porque de duas, uma: ou a pergunta abusa da intenção de confundir o pobre bacharel, ou a resposta do gabarito será ambígua e incompleta. Aguardemos a correção oficial.

Mas o que mais me intrigou foi a tal da petição. Penso que essa é (ou deveria ser) a ‘pièce de resistance’ da prova, o item capaz de revelar a capacidade de um advogado de defender em juízo as aflições e angústias de quem o procura. E fiquei de queixo caído com o problema proposto pela OAB.

Um comerciante faleceu, deixando viúva, 3 filhos maiores, um razoável patrimônio. Os filhos resolvem renunciar à herança em favor da mãe e o advogado deles faz um processo conhecido como “arrolamento”. Só que o falecido tinha um outro filho, de 13 anos, que nunca fora reconhecido oficialmente, embora esse fato fosse de conhecimento do advogado e de outras pessoas. 

Depois que os filhos renunciam à herança, a mãe do filho bastardo aparece e o patrimônio é partilhado meio a meio, entre a viúva e o filho bastardo. O desafio do candidato é atuar como advogado dos três filhos, que ficaram sem nada e viram a doação que fizeram em favor da mãe ir parar nas mãos de um irmão que desconheciam.

Não vou torrar a paciência de ninguém com tecnicismos jurídicos, mas quero compartilhar a minha tristeza com a opção do caso escolhido pela OAB. Essa situação é virtualmente impossível de acontecer na vida real, pois só nas mãos de um juiz trouxa e profundamente desatento uma aberração dessas poderia vingar.

O “arrolamento” é um procedimento que pressupõe a anuência de todos os herdeiros quanto ao plano de partilha e obrigatoriamente só pode ser feito por herdeiros capazes, ou seja, maiores de idade. Além disso, o filho bastardo nunca teve sua paternidade reconhecida judicialmente, apenas informalmente. Logo, sequer poderia pleitear a partilha de bens sem antes obter esse reconhecimento.

O que a OAB pede a seus examinados é que procurem reverter um caso em que um juiz transferiu diretamente ao bastardo incapaz, pela via sumária, a metade do patrimônio. Já vi juízes fracos, preguiçosos e claramente ineptos, mas nunca a esse ponto. 

Convenhamos, dona OAB! Melhor seria submeter os pobres bacharéis a uma investigação do seu potencial de atuarem em casos, simples ou complexos, mas que acontecem na vida real, não no Reino do Faz-de-Conta.

De quebra, a prova não é lá muito cuidadosa com a sobriedade da advocacia e com os ares de modernidade que a OAB é tão ciosa em defender. O falecido do caso hipotético é o “Manuel”, casado com a “Maria”, dono de “padarias”. Os personagens femininos são sempre estereotipados – uma vai dilapidar o patrimônio do casal, outra recebe um presente e conta para todo mundo a fórmula secreta da empresa do marido, uma terceira é uma gastadora contumaz. 

Ora, façam-me o favor, estamos em 2011, a Presidenta do Brasil é a Dilma, a do Flamengo é a Patricia Amorim e a OAB ainda escolhe as “Amélias” para ilustrar seus casinhos?”