Faço pequenas observações no texto. Passemos a ele sem delongas.
O “Triálogo”
Enviei a alguns grupos de mensagem eletrônica da qual faço parte uma notícia publicada na versão online do jornal O Estado de São Paulo. Vejam bem, amigos, não era uma nota da Voz Operária, mas do conservador Estadão.
O título da matéria: “No ano passado, 31 milhões subiram de classe social” (AE , Em quarta-feira 23/3/2011, às 8:50) e o led seguia com “(…) A distribuição dos brasileiros por classes socioeconômicas mudou nos últimos cinco anos. Deixou de ter o formato de pirâmide, típico de países pobres, com grande contingente de baixa renda, e passou a ser um losango, figura geométrica que se aproxima de uma distribuição socioeconômica mais equilibrada entre os estratos sociais e frequente em países desenvolvidos.” A seguir, informava que os dados são fruto de uma pesquisa isenta encomendada pelo grupo francês BNP Paribas. O texto conclui que a mudança “…ocorreu em razão do ganho de renda que levou a uma grande mobilidade social”.
Eu publiquei com o subtítulo “se foi pura sorte, parabéns aos sortudos”, uma referência provocativa àqueles que insistem em considerar que o evidente sucesso das políticas econômicas de Lula se devem ao acaso, depois de 500 anos de insucesso em modelos anteriores.
Acontece que a teimosia é a arma dos fanáticos obstinados, e há poucos radicais no mundo que se equiparem aos neo-liberais. As idéias dos caras foram dizimadas pela crise global de 2008, viraram pó arrastado pelo mesmo vento da história que varreu o pó em que transformaram os “ativos” de algumas das maiores instituições financeiras do mundo.
“É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Para cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a.” (Adrian Rogers, 1931)
O problema da citação deste texto é quando o incauto liberal não se dá conta que a autoria e a datação denunciam a estupidez. Explico ao leitor menos afinado com a história do pensamento econômico reproduzindo minha resposta:
“O engraçado é que esta frase foi proferida no começo do New Deal, se opondo ao plano de reedificação da economia e da sociedade norte-americana, porque ele previa instrumentos de distribuição de renda. Como é sabido por qualquer um que conheça um pouco de História, o New Deal foi um retumbante sucesso, recolocou os Estados Unidos nos trilhos e salvou o capitalismo, tornando-se paradigma de gestão de problemas sociais e econômicos.
O Senhor B não se deu por vencido, esqueceu em casa sua capacidade de argumentação e fez a seguinte malcriação:
“Não, não … o engraçado não é isso, não … O engraçado é que os R$ 10 milhões que você vai me dar para que eu me torne Classe A+++ (e de quebra melhorar as estatísticas), sem que eu tenha que trabalhar, estudar ou dar qualquer contra-partida em troca, NÃO SERÁ DO SEU BOLSO! Ainda vai garantir a sua eleição por tempo indeterminado!
Claro que o fogo pegou no palheiro, porque logo logo o Senhor C, um conservador bem menos radical e bem mais articulado, veio em socorro do amigo:
“Não me parece que no New Deal tenha havido distribuição de numerário, de forma assistencialista, sem contra-partidas. Portanto, a comparação é inapropriada. A distribuição de renda foi decorrente de um conjunto de políticas públicas que privilegiaram o papel do Estado como organizador e incentivador do desenvolvimento social, baseadas na meritocracia, na educação, na infraestrutura e no controle (via instrumentos legais). Nada que se assemelhe a Evitas, Peróns, Chavezes e Lulas.
A distribuição de renda é ESSENCIAL, mas sem assistencialismo e mirando, acima de tudo, em permitir que as camadas desprivilegiadas da população sejam capazes de, em algum tempo (o mais curto possível), andar pelas próprias pernas. Tem que vir como consequência e não como meio. Os meios, na verdade, são: EDUCAÇÃO, BOA ALIMENTAÇÃO e SAÚDE. Mas isso não dá voto, né? Continuamos sem educação e hospitais públicos de qualidade e com falta de proteína no embalinho do berço. Enfim, quem quiser se enganar que se engane.”
O Senhor C foi mais coerente que seu amigo Senhor B, ainda assim estava equivocado. Respondi:
Caro Senhor C,
1 – Quem confundiu e criticou o New Deal com assistencialismo não fui eu. Foi o Sr. Adrian Rogers, em 1931, com o texto citado pelo Senhor B, que criticava as propostas de distribuição de renda e intervenção do estado na vida econômica.
2 – Quem comparou o New Deal com o momento atual, novamente, não fui eu. Foi seu amigo Senhor B, ainda que indiretamente, ao responder o meu post com uma declaração de 1931 que, de maneira acertada ou não, referia-se diretamente ao New Deal.
3 – O que eu fiz foi demonstrar que o texto, que vira e mexe é citado como um poço de sabedoria, provou-se uma grande tolice desde a época em que foi proferido, tal que era uma crítica inadequada a um programa governamental que, afinal, foi um sucesso.
Quanto a todo o resto, me parece que concordamos. Não há país desenvolvido que não tenha passado por um ou mais programas de distribuição de renda, capital ou recursos. Incluídos aí os maiores ícones do capitalismo. A FORMA com que estes programas são propostos e implementados é que pode ser discutida.
No caso brasileiro, em momento algum eu afirmei que temos modelos exemplares, ou próximos disso. A ilação que eu fiz, com meu post, é que as políticas sócio-econômicas dos últimos 10 anos – tenham sido por sorte ou competência – levaram o Brasil a um patamar nunca alcançado, apesar de defeitos pontuais claros.
Há muita gente pelo mundo que diz que o “Brasil apenas navegou na onda mundial de desenvolvimento”, e mais gente ainda diz que o resultado do Brasil deve ser medido no sucesso extraordinário com que enfrentou a segunda maior crise econômica mundial na história, a de 2008, e que isso tem estreita ligação com nossas políticas públicas. Economia, felizmente, não é ciência exata.
O que eu disse é que, sorte ou não, e apesar de nossas eternas demandas represadas, obtivemos um sucesso inédito. Isso é inquestionável, porque é algo expresso em números claros.
Para finalizar, enviei ao Senhor B o seguinte:
“Vamos supor que a única forma de distribuir renda seja esta que você descreve, ou seja, tirar algum dinheiro de uma minoria e distribuir para umas 30 milhões de pessoas até elas se mudarem para uma classe social acima. Não seria má ideia, uma vez que mais gente vai ficar feliz do que o número de pessoas que vai ficar triste. Poderíamos discutir a validade ética disso. É a tal questão da superioridade do direito privado ao público ou vice-versa.
O fato é que, ainda que fosse assim, a injeção de dinheiro novo na economia real (pobre, quando recebe dinheiro não guarda debaixo do colchão, gasta: nem que seja com cachaça – e isso é dinheiro posto em circulação) fomenta a atividade econômica, gerando riqueza nova até para aqueles que foram “punidos” inicialmente na forma do Imposto.
O texto que você citou, propositalmenhte, faz de conta desconhecer este mecanismo. Seria simplório dizer que 30 milhões mudaram de classe econômica no Brasil porque receberam dinheiro fácil. Mas o mundo real não é assim. Uma família que recebe uma bolsa-demagogia da vida pode comprar pão e café (ou cachaça), mas não compra carro ou eletrodomésticos com este dinheiro. O que se viu no Brasil foi um incremento inédito no mercado interno, principalmente de bens de consumo intimamente relacionados às classes médias. Como explicar isso?
Ora, em nenhum momento eu elogiei a distribuição de bolsas (aliás, uma “invenção” do governo FHC, lembre-se) como única política pública. Há dados consistentes de que estas bolsas revitalizaram a economia de muitas micro-regiões, sim, mas não foram o bastante. Políticas de aumento real de salários, micro-crédito, novas diretrizes para os investimentos do BNDES, saneamento, obras públicas etc. foram mais importantes. Como também foi muito importante o resgate da auto-estima nacional, a posição de independência e soberania, clima que contagiou inclusive os empresários e executivos, provocando uma desejada sinergia entre estado e economia privada.
E isso talvez ajude a explicar que, nestes 30 milhões, estamos falando não só de gente que passou da classe E para a D (minoria), mas também de uma maioria que passou da D para a C (a D não recebe bolsa alguma) e até de um número recorde de novos ricos, milionários e bilionários no Brasil.
Será que a política de bolsas explica o aumento do número de bilionários??? Surpreendentemente, sim, mas não da forma direta que você imaginou. Perceber como a distribuição de renda gera novos bilionários numa economia capitalista será a descoberta de um novo mundo para você, meu caro. Invista algum tempo nisso.”
[N.do E.: o Bolsa Família possui um efeito indutor da economia, a partir do momento em que a demanda criada por bens e serviços aumenta a propensão ao investimento para atender a esta nova demanda. Este investimento gera empregos, que gera renda, tira famílias do programa de renda mínima – que, na prática, é o Bolsa Família – e gera um “círculo virtuoso” na economia]