Nesta quarta feira trazemos uma vez mais a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. De forma muito mais erudita, o texto de hoje corrobora o que escrevo há muito tempo, que o Supremo Tribunal Federal vem extrapolando suas funções. No caso atual, sobre a união homoafetiva, a favor de boa parte da sociedade.

Entretanto, não são poucos os casos onde a decisão vai contra os anseios da população e, muitas vezes, contraria o bom senso. Este blog já teve diversos posts com casos deste tipo, inclusive com uma ameaça de processo.

Antes de passarmos à coluna, aviso que a partir da próxima sexta feira teremos uma programação especial em comemoração ao segundo aniversário deste blog, que se completa domingo. Colunas especiais, entrevista, novo lay out, sorteio e cupom de desconto, entre outras atrações.

Nas mãos dos sábios

Vou deixar claro desde logo que eu sou a favor do casamento gay – ou, se preferem um termo mais adequado, da união homoafetiva. 

Eu sou de esquerda, libertário e agnóstico, como eu poderia ser contra? A minha convicção pessoal sobre esse tema não me cega a ponto de engrossar o coro dos contentes com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Pelo contrário, eu acho que andamos para trás uma centena de anos (senão mais) com essa atrocidade que o STF acaba de cometer sob aplausos generalizados.

Não faz nem 1 ano e eu estava em Buenos Aires lutando contra o tédio em uma aula sonolenta, quando comecei a notar uma aglomeração de gente caminhando em direção ao Congresso Nacional. Manifestação e protestos em Buenos Aires são mais comuns que turistas brasileiros, isso nem deveria chamar atenção. Entretanto, ao contrário dos piqueteros maltrapilhos de sempre, era uma gente bem vestida e mais velha. O que seria?

O mistério foi desfeito horas mais tarde, quanto fui abordado por um senhor impecavelmente trajado, que me deu um panfleto me convidando para uma excursão que visitaria uma imagem de uma Nossa Senhora qualquer. Ao mesmo tempo ele insistia que eu fosse com ele fazer uma vigília na porta do parlamento, até que os deputados e senadores argentinos desistissem de aprovar o casamento gay.

No mundo inteiro é assim. Uma turma mais ‘moderninha’ levanta a bandeira do casamento gay, a turma mais ‘reacionária’ sobe nas tamancas, a discussão transborda para a sociedade, vai ao parlamento, alguns congressistas são a favor, outros são contra… Um dia a proposta entra em votação e, se aprovada, modifica a vida do país. Há uma ótima comédia espanhola (Reinas) sobre os primeiros casamentos gays que foram aprovados por lá, se não me engano em 2005.

No Brasil não precisamos dessa formalidade. Os 500 e tantos congressistas que temos são todos ‘Tiriricas’, autênticos palhaços que não precisam se dar ao trabalho de mudar as leis e se sujeitar aos grupos de pressão (igrejas, organizações de defesa de homossexuais, etc.). Ninguém precisa fazer manifestação contra ou favor do tema. Temos um Conselho de Sábios, eles podem dar a primeira e a última palavra sobre um tema espinhoso, sem dar a mínima para qualquer outra opinião que não venha de seus colegas de toga.

Firulas à parte, o que o STF acaba de dizer é que a Constituição Brasileira autoriza o casamento gay, igualmente amparado pelo Código Civil. Bom, como a Constituição foi promulgada em 1988 (e o Código Civil em 2002), não é exagero dizer que já se vão 22 anos que os brasileiros homossexuais têm todo o direito de constituírem uniões estáveis entre si. Pena que ninguém soubesse disso, nem os ilustres elaboradores da Constituição Cidadã e nem mesmo o movimento gay, que ao longo desse tempo tentou emplacar, sem sucesso, projetos de lei que legalizassem suas uniões.

Tem muita gente achando sensacional essa modernidade da Corte Suprema.  A Folha de São Paulo publicou na sua edição do dia 07 de maio um editorial que, chamando a decisão de “histórica”, refuta a argumentação de que só o Congresso poderia “modificar” a lei (portanto, admitindo que o Judiciário pode sim “modificar” uma lei). A matéria segue dizendo que o nosso Legislativo é “muito permeável a argumentos religiosos” e que assim “não estaria disposto a contrariar essa poderosa corrente de opinião” e finaliza elogiando o fato do Supremo “ter se adiantado na defesa de direitos individuais” e por ter “reconhecido e reafirmado a laicidade do Estado brasileiro”.

Que maravilha, não é mesmo? Se o Congresso dá muitos ouvidos à correntes de opinião, podemos sempre contar com onze intocáveis, que não estão nem aí para o que pensam os brasileiros. E para que perder tempo fazendo política, apresentando projetos ou propostas? Basta convencer os onze ungidos… Ninguém parece ter se dado conta que uma decisão do STF é imutável e não se pode nem se queixar ao bispo – lembremo-nos da “laicidade” do Estado. Se gostamos dela, tudo bem. Mas e se não gostamos?

Estão todos batendo palmas para o STF e felizes com esse surto de modernidade da vetusta Corte? Que ótimo, aproveitem o momento. Porque o Conselho dos Sábios agora pode se sentir à vontade para mudar o que lhe der na telha. Já disse aqui outro dia que a Constituição Brasileira serve a gregos e troianos, tem dispositivos ao gosto de cada freguês.

Depois não venham se queixar se um dia acordarmos e descobrirmos que o STF decretou a pena de morte no Brasil. Afinal, a Constituição a prevê no casos de guerra declarada. Do jeito que somos criativos para adaptarmos as interpretações ao sabor das nossas conveniências, não vou duvidar se algum dia, sob intensa pressão da imprensa, um Presidente declarar “guerra” ao tráfico e considerá-lo uma “agressão estrangeira”.

Loucura? Certamente que sim. Mas o que esperar de um país que prefere delegar tudo que é importante aos 11 Sábios?