O salário da Polícia Militar carioca

Voltando à programação normal do Ouro de Tolo, falo aqui de algo que vem sendo destaque no Rio de Janeiro nas últimas duas semanas: a campanha salarial de Policiais Militares e Bombeiros buscando melhores salários. Inclusive estes últimos fizeram greve na semana passada, com direito ao Batalhão de Choque da PM cercando o Quartel General da corporação – ninguém me contou, eu vi.

O leitor tenderia a pensar que “com o serviço que eles ofererecem e a corrupção na corporação, especialmente na Polícia, estão muito bem pagos.” Só que não é bem assim.

Como se pode ver na tabela salarial disponibilizada acima, retirada de uma página de PM (e cuja pesquisa que fiz posteriormente me indica ser verdadeira), um soldado bombeiro ou policial militar ganha líquido aproximadamente R$1,1 mil. 

Ou seja, este é o valor pago para um policial que irá combater a criminalidade e colocar o seu pescoço em risco todo santo dia. Levando-se em conta que o salário mínimo estadual para os empregados domésticos, por exemplo, é de aproximadamente R$ 630, equivale a dizer que um soldado PM ganha 2,2 vezes mais, em valores brutos, que uma empregada doméstica. Caro leitor, compare o grau de risco envolvido em uma atividade e em outra e verá que algo não faz sentido.

Lembro que este valor bruto de R$ 1,4 mil inclui todas as gratificações e auxílios, à exceção daqueles lotados no Bope ou nas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). O soldo, que seria o salário básico, é de apenas R$ 347, inferior inclusive ao salário mínimo nacional. Um coronel, degrau mais alto da carreira, percebe líquidos aproximadamente R$ 7,7 mil – menos do que ganha um analista de nível superior em muitas grandes empresas.

Como o Major Luiz Alexandre em entrevista a este blog muito apropriadamente afirmou, não adianta nada se investir em tecnologia quando se contrata “qualquer coisa, porque se paga um péssimo salário para um serviço muito perigoso e desvalorizado”. A Polícia Militar do Rio de Janeiro paga o pior salário do Brasil, e consequentemente atrai apenas dois tipos de pessoas: aqueles que já entram para a Corporação com o intuito de se envolver em atividades ilícitas ou os que não encontraram qualquer tipo de ocupação mais rendosa.

Obviamente que melhores salários não afastam a corrupção, mas raciocine comigo caro leitor: é mais fácil corromper um soldado que ganha o suficiente para pagar suas contas ou aquele que deve a bancos, está com luz e gás atrasados e mora em áreas de risco por não ter dinheiro para se estabelecer em um lugar melhor? Obviamente que a corrupção policial não pode ser explicada apenas sob este aspecto, mas melhores salários diminuiriam a atratividade de tal prática e exerceriam um papel inibidor sobre este fenômneno.

Além disso atrairia elementos mais preparados intelectualmente e mais adequados ao papel que se espera de um guardião da lei e da ordem. O leitor que reclama do autoritarismo em operações policiais – que existe mesmo, de forma endêmica – deveria entender que não há um Polícia melhor sem investimento no homem. Comprar “Caveirões”, implantar sistemas de monitoramento ultra-modernos ou instalar UPPs não adianta nada se o elemento humano que vai operar estas máquinas é mal recrutado, mal formado e, especialmente, mal pago.

Infelizmente, a impressão que eu cidadão e leigo no assunto tenho é de que a Política de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro busca a espetacularização e a definição de ações a fim de maximizar os ganhos eleitorais a curto prazo e privilegiar o cidadão das áreas mais abastadas. Não vejo a valorização do policial, o investimento em sua conduta e políticas de combate ao crime baseadas na inteligência como fatores a serem considerados nas formulações de políticas. A pirotecnia está em primeiro lugar.

Obviamente, tais prioridades acabaram abrindo espaço para a corrupção endêmica, inclusive, ao que parece, nas altas esferas (basta ver a recente “Operação Guilhotina”). Além disso abre caminho para o “loteamento da cidade”, em especial em áreas mais carentes, para fenômenos como as milícias e em menor escala o tráfico de drogas e de armas. E olha que não falo da chamada “segurança privada”, muitas vezes através de empresas cujos donos são Coronéis PMs e delegados – interessa a estes uma política de segurança eficaz?

E olha que nem comento aqui os insistentes rumores de que altas autoridades, políticos em geral e empresários estavam e estão envolvidas com práticas ilícitas. Policiais que sigo no Twitter já afirmaram mais de uma vez, de forma pública, que o “traficante número 1” da cidade, chefe da venda de drogas na maior favela do Rio de Janeiro tem paradeiro certo e sabido. A ser verdade isso, por que ele continua solto?

Portanto, temos de nos alinhar ao movimento por melhores salários empreendido nestes últimos dias pelas corporações. Não é o único fator, mas uma polícia bem paga significa um cidadão mais seguro. Façamos a nossa parte.