Há quem ache que a vida é um faroeste, onde as opções que temos são bem claras: ou você é John Wayne ou é o índio – e cada um que escolha o herói ou o vilão conveniente às suas convicções. É na base do oito ou oitenta e estamos conversados.
Esse radicalismo tolo, que não admite meio termo,  se manifesta, por exemplo, na encruzilhada do politicamente correto.  A coisa funciona mais ou menos assim: ou o cabra se comporta como um apóstolo puritano da correção, daqueles que acham que cantar atirei o pau no gato estimula a violência contra animais, ou se comporta como o jovem humorista pop metido a inteligente e sofisticado, que não consegue fazer piadas sem manifestar os preconceitos mais odiosos. 
A mesmíssima situação envolve a palavra da moda – bulling. O bulling, por definição, ocorre quando uma pessoa é vítima de discriminação sistematica realizada por um grupo. Para início de conversa, como bom filho de pernambucana, prefiro falar disso usando a expressão brasileiríssima “bulir”. Tá no Houaiss: bulir: causar incômodo ou apoquentar. Deixe-o em paz, não vá bulir com ele. 
Eu, que trabalho com educação, posso garantir que nos colégios o fenômeno existe, é perigoso e pode ter consequências desastrosas para alguns alunos e professores vitimados pela prática (sim, professores são vítimas de discriminações de alunos com frequência maior do que se supõe). Há, porém, que se evitar os exageros de quem acha que entre a maré e o rochedo não existe marisco. Exemplifico abaixo.
Os apavorados com o bulling querem proibir apelidos. Sei de colégios em que, para combater a prática, apelidos de qualquer natureza são expressamente proibidos. A medida é uma bobagem sem tamanho. Qualquer professor com experiência de sala de aula pode afirmar que, não raro, é exatamente pelo apelido que certos alunos, a princípio isolados do grupo, começam a se integrar de uma maneira saudável ao cotidiano da turma.  
O critério para se distinguir a boa sacanagem do bulir perverso tem que ser o do bom senso e o da observação constante do comportamento do grupo – função, diga-se, de qualquer educador digno desse nome. O signo não é patavinas sem o significado. Veneno e remédio convivem, afinal, na mesma folha. 
Há que se evitar a morte da boa sacanagem, da ironia perspicaz, da zoação saudável, da sacação espirituosa , da boa piada. Há, entretanto, que se reconhecer com igual urgência a necessidade do limite – responsabilidade social de qualquer cidadão – que tem como manifestação mais sofisticada e civilizadora o exercício da tolerância. Entre a chatíssima correção virginal de uma Poliana Moça e a boçalidade inconteste de um Ed Motta ainda existe espaço para a vida inteligente. 
Somos, enfim,  um povo que viveu na fresta, entre senzalas e casas-grandes, margeando sobrados e mocambos. Ali reinventamos uma vida cheia de nuances, dribles, gingas e quebrantos, e construímos uma civilização original. Aprendemos com a nossa história que na arquitetura da mesma praça convivem o chafariz que refresca e o pelourinho que lanha as peles.
Entre caubóis assassinos e apaches tontos, tá faltando malandro pra bagunçar esse velho Oeste. O nosso saloon é de outra natureza – é aquele  onde o arlequim chora pelo amor da colombina e os mascarados trocam beijos romanescos e, eventualmente, sarros mais salientes.
Abraços
No miudinho: escrevi  sobre o politicamente correto um texto – O cravo não brigou com a rosa – que circulou relativamente bem pela rede e pode ser lido clicando no link: http://hisbrasileiras.blogspot.com/2011/03/o-cravo-nao-brigou-com-rosa.html

7 Replies to “O VELHO OESTE NÃO É AQUI”

  1. o seu blog e uma delicia, vou ficar por aqui…

    sei que acabei de chegar, mas posso comecar metendo o bedelho? esse verificador de palavras e muito chato, tira o bichim dai, vai!

  2. Mestre, logo de início com opções colocadas, vi que o texto prometia.
    E você tá certo, temos como prova os torcedores do Ceará que botarem o apelido de carroça desembestada no seu time, no mundo do bonde sem freio e do trem bala entre outros. Fizeram uma boa piada e em cima dela tiraram sarro zoando o mingau rubronegro.

    Abraços

    Jairo

  3. É meu caro Simas…tá faltando jogo de cintura pra essa rapaziada….é por isso que eu digo e afirmo: a rua é uma grande escola. Foi nela que eu aprendi a diferenciar a boa da má sacanagem, o momento da “pilha” e o do silêncio, o meio termo que nos protege do radicalismo pueril, entre outros quejandos!

  4. Não só a palavra como o próprio ato do “bullying” sendo nacionalizado pelo Brasil.

    No Brasil não existe bullying, existe a velha e marota sacanagem.

    Abração!

  5. É que numa sociedade ocidental tão exclusivamente racional, em que 2+2 pode até ser igua a cinco, desde que haja uma explicação cientifica pra isso, quando surge uma questão que necessita de uma ferramenta tão subjetiva como o bom censo, as pessoas se perdem.
    G.

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