Que me desculpem o Barão do Rio Branco, as divas consulares do Itamarati e seus fãs. Seu Sete Rei da Lira, poderoso Exu de terreiros de quimbanda, e o naturalista Charles Darwin, quase cem anos depois de ter morrido, foram fundamentais para o sucesso da diplomacia canarinho durante a Guerra da Lagosta, sensacional querela que envolveu o Brasil e a França no início da década de 1960.
Escrevi alhures um texto sobre o tema, onde por imperdoável carência de informações ignorei o papel negociador de Seu Sete da Lira e do pai da teoria da evolução. Volto ao tema, portanto, em virtude de novas leituras que fiz e que comprovam a intervenção diplomática de Darwin e Exu para resolver a refrega a favor do Brasil.
O furdunço começou quando um barco da nossa Marinha flagrou uns conterrâneos espertinhos da Madame Pompadour dando um migué e pescando lagostas em águas territoriais brasileiras, sem autorização para tal. Botamos, evidentemente, os mariolas pra correr.
Estabeleceu-se, a partir daí, um ardoroso debate sobre a regulamentação da pesca e a respeito do status da lagosta como bem patrimonial brasileiro. Os franceses chegaram a enviar um contingente naval para a área da quizumba. Reagimos sob o brado patriótico de a lagosta é nossa! , rememorando a campanha pela nacionalização do petróleo no final dos anos quarenta. Mobilizamos as Forças Armadas, mandamos uma esquadra para a região e nos preparamos para a guerra. Montamos a secretíssima Operação Lagosta, com intuito de dar uma coça nos franceses
Diante das notícias de que passeatas em Pernambuco bradavam lagosta ou morte! e de um projeto da câmara de vereadores de uma cidade do sertão da Paraíba que propunha dar a todas as lagostas do mundo a cidadania brasileira, o nosso embaixador em Paris, Carlos Alves de Souza Filho, fez a famosa declaração de que o Brasil não é um país sério. A frase acabou sendo equivocadamente atribuída ao presidente francês, Charles de Gaulle, o que só serviu para colocar mais pimenta no vatapá da crise.
Travou-se um vigoroso confronto diplomático entre os dois países, com direito a mediação do Conselho de Segurança da ONU e o escambau. Os especialistas franceses sustentavam na discussão que a lagosta era apanhada quando estava nadando, sem contato com o assoalho submarino brasileiro. Podia, por isso, ser considerada um peixe.
A população discutia apaixonadamente a questão momentosa: – É a lagosta um peixe? Velhos marinheiros eram consultados e acalorados debates na televisão tinham o crustáceo como tema. Foi aí que um paranormal de Sete Lagoas, Minas Gerais, incorporou, via satélite, o naturalista Charles Darwin, dando razão ao Brasil. Darwin disse, em bom português com sotaque britânico, que a seleção natural não deixava dúvidas – a lagosta era mesmo verde e amarela. Pediu, logo depois, um cocar e um charuto. Deu, entre baforadas, passagem ao caboclo Urubatão da Guia.
A coisa sujou de vez para a França quando, em entrevista ao Repórter Esso, com voz cavernosa e ameaçadora, o Exu Sete Rei da Lira, famosa entidade da quimbanda que dava consultas em um terreiro na Zona Oeste carioca, amaldiçoou os franceses, disse que ia castigar Charles de Gaulle e vaticinou a vitória brasileira em caso de conflito armado. De Gaulle afirmou em nota oficial que não temia as ameaças de Seu Sete. O Rei da Lira ameaçou ir a Paris para colocar um despacho com penosas, marafo e efó no Arco do Triunfo.
Nosso especialista em oceanografia no embate, o Almirante Paulo Moreira, argumentou que o Brasil não aceitava a tese francesa de que a lagosta virava um peixe ao dar seus pulos se afastando do fundo do mar. Se assim fosse, justificou o arguto brasileiro, o canguru deveria ser considerado uma ave no momento em que dava seus saltos.
O argumento absolutamente genial da nossa chancelaria – se a lagosta é um peixe, o canguru é um pássaro – desarticulou completamente o discurso francês e garantiu a vitória brasileira na contenda. Nossos direitos foram reconhecidos e a lagosta passou a ser considerada brasileiríssima, como eu, você que está lendo, a mulata, a ginga, o balacobaco e o samba de roda.
Seu Sete e Darwin, evidentemente, estavam certos.
Abraços
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