A grande notícia da imprensa que eu chamaria “não-alinhada” na última semana foi a matéria feita pela Revista Piauí com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira. 
Teixeira deu declarações bombásticas e que demonstram um tremendo desprezo pelas instituições democráticas e órgãos de controle. Lembrei-me do Rei absolutista da França Luiz XIV, que dizia “O estado sou eu.”
O pensamento do mandatário máximo do futebol é semelhante. A excelente matéria deixa claro que em sua visão o futebol pentacampeão do mundo pertence a ele e tão somente a ele – com a assessoria da Rede Globo de Televisão.
Globo, aliás, envolvida em um episódio que não vi em nenhuma das matérias que repercutiram as declarações à “Piauí”: na despedida de Ronaldo Fenômeno, há cerca de um mês atrás, foi um executivo da Rede Globo que determinou ao jogador por onde ele deveria entrar, onde ele e os dois filhos passariam, quantos minutos ficaria em campo, por onde sairia e até o detalhe de usar um determinado dilatador nasal – que, curiosamente, foi a única empresa a anunciar na emissora no intervalo comercial entre a partida e o “Jornal da Globo”.
A reportagem mostra um Teixeira que não tem o menor pudor em mostrar que manda e que não se preocupa com a opinião pública ou os preceitos da ética ou da impessoalidade. Ele explicita os métodos de controle do futebol brasileiro e deixa claro que aqueles que não rezam de sua cartilha terão dificuldades no trato com a entidade.
Lembrei-me imediatamente do falecido presidente da Federação de Futebol carioca, o alcunhado “Caixa D´Água”, que dizia “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei – e mais um pouco.” É exatamente esta a forma de agir do homem que tem a organização da Copa do Mundo de 2014 sob suas mãos, com total poder discricionário sobre sedes, ingressos e coisas correlatas.
Fica claro que o único órgão brasileiro que ele respeita, tendo como parceiro e mentor, é a Rede Globo de Televisão. A matéria deixa mais claro o porquê da emissora ter tido o apoio incondicional da CBF no recente  episódio dos direitos televisivos – sobre o qual escrevi uma série de posts – onde a entidade implodiu a licitação do Clube dos 13 e deu à emissora poder absoluto sobre o Campeonato Brasileiro de Futebol.
Teixeira se orgulha de, em suas palavras, “não utilizar um centavo de dinheiro público na entidade”; entretanto, sua postura de não prestar contas de seus atos foi mimetizada nos preparativos para a Copa do Mundo, que possuem grandes quantidades de dinheiro público envolvidas. O que se vê é, no mínimo, um desprezo pelo uso consciente dos recursos, sob o guarda chuva de que “é pedido da Fifa”.
Umas das revelações mais estarrecedoras da revista é a postura de Ricardo Teixeira de creditar à imprensa a culpa pela demora na definição do estádio de São Paulo. Ele diz que o Morumbi “não tinha a menor condição” e que Itaquera “é um lugar central”. Os leitores que viram o post sobre o “Itaquerão” sabem as reais motivações que levaram a este estádio ser construído e indicado para a Copa do Mundo.
Fica claro, também, como já se percebe no noticiário sobre a Fifa que a entidade tem uma dinâmica toda própria e que percebe como “normal” coisas como corrupção, privilégios e mistura do pessoal com o institucional. Também percebe-se como incomoda o controle e a fiscalização pela imprensa e como o presidente da CBF usa seu poder para impor sua vontade.
Preocupante,  porém, é que fica claro que os órgãos de imprensa que fazem oposição a Teixeira terão sérias dificuldades para efetuar uma boa cobertura da Copa do Mundo do Brasil. Ele deixa claro que vai negar credenciais e dificultar a cobertura.
No fim das contas, é revoltante a certeza de impunidade de que ele dispõe, mesmo com todos os casos de corrupção provados pela justiça européia e com os escândalos que cercam a organização da Copa. É como se fosse um mundo paralelo, onde ele é o rei, o senhor do futebol e todos os demais devem a ele se curvar. Um monarca absolutista.
Finalizando, causa estranheza o fato de Teixeira não gostar muito de futebol. No mínimo, uma tremenda incoerência, e que demonstra que o objetivo da CBF hoje, mais que organizar e desenvolver o futebol brasileiro, é acumular recursos e enriquecer meia dúzia de eleitos, sejam pessoas físicas, sejam empresas.
E o brasileiro médio feliz com a Copa, sem pensar em tudo o que cerca o evento…
P.S. – Algumas declarações estarrecedoras de Teixeira à Revista, posteriormente confirmadas pelo assessor de imprensa da entidade, Rodrigo Paiva:
“Caguei montão [para as denúncias da imprensa]. O neguinho do Harlem olha para o carrão do branco e fala: quero um igual. O negro não quer que o branco se foda e perca o carro. Mas no Brasil não é assim. É essa coisa de quinta categoria”

“Meu amor, já falaram tudo de mim: que eu trouxe contrabando em avião da seleção, a CPI da Nike e a do Futebol, que tem sacanagem na Copa de 2014. É tudo da mesma patota, UOL, Folha, Lance, ESPN, que fica repetindo as mesmas merdas.”

“Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Por que eu saio em 2015. E aí, acabou.”

“Esse UOL só dá traço. Quem lê o Lance? Oitenta mil pessoas? Traço. Quem vê essa ESPN? Traço.” (aliás, isso é mentira)

“Só vou ficar preocupado, meu amor, quando sair no Jornal Nacional.”

“Quanto mais tomo pau da Record, fico com mais crédito com a Globo.”

2 Replies to “Ricardo Teixeira, a "Piauí" e a impunidade”

  1. Isso é apenas a ponta do iceberg. Imagine se fizerem uma devassa no COB, visando saber das contas das Olim-piadas 2016. As contas do Pan 2007 não fecharam, foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas. Isso é pro brasileiro médio e classe C, o “Zé Chinelão” (como citou uma vez o Renato Russo, numa das letras da Legião Urbana) tomar na cabeça e parar de se iludir e servir de massa de manobra pra políticos e empresários oportunistas. Tem que parar de se contentar com Pão e Circo, tá na cara que Copa e Rio 2016 só vai beneficiar os políticos, empreiteiras e empresários como Eike Batista. Melhorias pra cidade? No máximo obras (superfaturadas) na Barra e Zona Sul. O legado que vai ficar é o mesmo que ficou do Pan: arenas sem uso, alugadas a preço de banana para bancos multinacionais (e quem embolsa a grana do “aluguel”? Vai pra quem?). Se quisessem deixar um legado pra cidade (e isso vale pra Copa, Olim-piadas etc), pq não constróem vila olímpica em Marechal Hermes? Centro de Mídia em Madureira? Hotéis na Avenida Brasil? Isso siml melhoraria a cidade. Vão fazer onde? BARRA DA TIJUCA (Alô especulação imobiliária! Aquele abraço!). Esse povo tem muito que sofrer pra aprender a não acreditar e servir de bobo. Na Copa, a Globo vai fazer festa, botar público com cartazes, fogos de artifício… vão encher a burra de dinheiro com patrocínios e no dia seguinte a esses eventos, a passagem do trem, do ônibus, vai aumentar… rs.

    Quando o Rio foi escolhido pra ser sede dos Jogos Olímpicos, fui o primeiro a avisar a furada que estávamos nos metendo…

  2. A propósito: a Piauí é atualmente a melhor revista brasileira, totalmente isenta. Há muito tempo sou leitor dessa revista (por acaso ainda não li a edição deste mês, com essa reportagem do RT), sempre com ótimos artigos, pautas e entrevistas.

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