Nesta quarta feira a tarde, temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. A coluna de hoje faz algumas ressalvas ao post de segunda feira, sobre o (anti) marketing rubro negro.

Antes de passarmos ao texto, quatro observações:

1) A informação que eu tenho sobre a proposta de patrocínio para 2009 era de que seria no valor de R$ 18 milhões líquidos, aproximadamente R$ 21 milhões em sua forma total. A Batavo pode não ter pago a parcela final, mas por meios amigáveis ou judiciais terá que o fazer;

2) Não podemos nos esquecer que estamos comparando um mercado aquecido, que é o brasileiro, com um que vive uma profunda crise como ocorre com grande parte da Europa Ocidental neste momento. Além disso, a questão do câmbio apreciado influencia e distorcia bastante na comparação com os valores de clubes europeus – se amanhã ou depois o dólar passar a valer R$ 2,15 os valores de patrocínio brasileiros não acompanharão esta taxa, mantendo os valores em reais;
3) Como o leitor pode ver na foto acima, a camisa utilizada trazia o nome do jogador Wanderley, que já não se encontra mais no clube. A meu juízo uma demonstração de falta de cuidado inadmissível.
4) Obviamente, sabemos das amarras no processo decisório do clube – não muito diferentes das encontradas em grandes empresas. Mas as demonstrações de primarismo, inação e incompetência recorrentes dadas pelo marketing do clube indicam que, ainda que limitados, qualquer economista como eu mesmo ou advogado como o colunista conseguiria ter um desempenho mais eficiente.

Entretanto, dentro do espírito democrático do Ouro de Tolo, passemos ao texto.

É Dura a Vida de Quem Nasceu Para Ser Vidraça – O Marketing Rubro Negro

Imagine uma nação de milhões e milhões de pessoas que, unidas apenas pelas mesmas tradições e preferências, fiquem quase que inteiramente alijadas do processo decisório que as governa.

Assim ocorre com a – morram de inveja, mortos de fome – Nação Rubro-Negra. Muitos milhões de brasileiros que a ela aderiram estão absolutamente conformados em não participar do clube que os congrega e aceitam passivamente todos os comandos ditados nas salas de reunião da Gávea. O que resta a esses seres sem voz e voto? Reclamar, reclamar, reclamar.

Eu não sou diferente, por certo que não. Reclamo muito, reclamo horrores, falo mal para chuchu de todas as enormes barbaridades que eu vi serem praticadas em décadas que acompanho o clube. Mas o tempo vai passando e a experiência vai dando a chance de um olhar menos raivoso e mais compreensivo com as decisões alheias. E achei que o caro Editor-Chefe, um homem de convicções profundas e quase sempre menos complacente do que eu, andou salgando demais suas críticas aos poderosos lá da Gávea.

Não que eles não mereçam, diga-se de antemão. Tem gente por ali, com profunda vocação para papagaio de pirata, que merecia a chamada restraining order: Stay Away from CRF, Mr…. Whatever, é com essa gente que contamos, então vamos buscar extrair o que há de melhor na Gávea.

Esse episódio do patrocínio do Flamengo, que despertou a ira do Editor-Chefe, é mais um dos tantos casos em que as críticas, ainda que tenham lá sua procedência, soam um tom acima do razoável. Não acho, sinceramente, que o contrato com a P&G seja uma indignidade. Por isso cometo a ousadia de duelar democraticamente com a direção desta revista eletrônica, a partir de uma visão mais pragmática.

a) A Comparação com a Batavo e a Petrobras

Antes de entrar no mérito se o valor é bom ou ruim, acho que cabe uma pequena correção. O Pedro Migão “anualizou” o valor líquido do contrato e o comparou com o valor bruto dos contratos com a Petrobras e da Batavo. Isso, claro, deu a sensação de que os valores seriam bem menores do que de fato são. O valor anualizado do contrato com a P&G é de R$ 19,5 milhões/ano.

Um pouco abaixo, é fato, do preço contratado com a Batavo – a qual, diga-se de passagem, não honrou as últimas parcelas do contrato, o que mais ou menos equilibra as contas finais, considerando-se que a P&G é uma empresa com menor risco de inadimplência.

Quanto a Petrobras, o Google informa que em 2009 a empresa teria oferecido R$ 14 milhões, mas o Flamengo não aceitou por conta de seus conhecidos problemas de recebimento em razão de suas dívidas fiscais. Logo, por mais que a gente não goste do resultado final, é preciso reconhecer que o contrato com a P&G é cerca de 40% maior do que o contrato da Petrobras em 2009, um crescimento muito grande para apenas 2 anos de diferença.

b)Os Valores São Tão Ruins?

Dizem que o Corinthians, em 2010, teria fechado uma soma de patrocínios de R$ 40 milhões, ou coisa parecida. Embarcando na fanfarronice do presidente corintiano, uma parte expressiva da Nação Rubro-Negra começou a se perguntar: como é que o Flamengo, tão poderoso e tão maior, pode receber menos que os paulistas de Itaquera?

E eu respondo: porque a corintianada nunca viu a cor desse dinheiro – só se aproveitou da desatenção generalizada para fazer espuma. Quem recebia mais da metade daquele dinheirama toda era o já então aposentado Ronaldo Fenômeno, cuja fenomenologia maior foi conquistada justamente no terreno do marketing. É fato que o mercado publicitário gosta dele e o moço parece ser bom para vender telefone ou desodorante, uma espécie de ‘Neide Aparecida reloaded.’

Proponho a seguinte reflexão: que tal esquecer a galinhada e comparar com um time de verdade, para ver se os valores recebidos pelo Mengão são assim tão indignos?

O AC Milan, de cores muito mais nobres, recebe cerca de R$ 26 milhões da Fly Emirates e é simplesmente o NONO colocado no ranking europeu dos maiores patrocínios. Duvidam? Então podem conferir no site da Football Finance. Com um porém: o Milan recebe essa graninha da Fly Emirates e só! Colocando-se o BMG e a TIM na soma que os valores começam a se igualar. A camisa fica mais feia, mas a conta bancária, mais relaxada.

c)Os Fatores Traffic e Ronaldinho

É verdade que a parceria entre a Trafic, Ronaldinho e Flamengo atrapalhou demais o fechamento de um contrato mais vantajoso. Com o benefício da visão em retrospectiva, dá vontade de perguntar onde essa gente achava que iria aparecer patrocinador disposto a bancar mais de R$ 3 milhões por mês só porque o Ronaldinho estava de volta? Será que só eu tenho curiosidade de olhar o quanto se paga na Europa e ver que R$ 40 milhões/ano é uma insanidade?

No entanto, é preciso reconhecer que se a Trafic mensalmente tira R$ 1 milhão para pagar ao Ronaldinho, ela nada mais é do que um patrocinador indireto do clube. Atua, aqui, como os patrocinadores do Corinthians atuavam no caso do Ronaldo. E é inegável o mérito esportivo dessa contratação, dado o patamar em que o clube hoje se encontra. Até do ponto de vista financeiro o negócio parece ter saído melhor que a encomenda.

d) Intermediários

Há um incômodo generalizado pela empresa do considerado nefasto por grande parte da torcida Ronaldo ter intermediado a transação. Eu também acho o fim da picada que um clube como o Flamengo precise pagar comissão a um intermediário.

Mas a bem da verdade é preciso reconhecer dois fatos:

1) o Flamengo SEMPRE pagou comissão, desde o seu primeiro contrato com a Petrobras;

2) TODOS os clubes pagam comissão, porque esse mercado se estabeleceu assim. E nunca é fácil romper paradigmas em mercados sedimentados por más práticas.

e)Camisa Fatiada, Erros na Foto, Chacotas e Outras Firulas

Volto ao caso do Milan. Os rossoneros se contentam com seus 11,5 milhões de euros e vão buscar dinheiro em outra freguesia, deixando a camisa limpinha e harmônica. Os rubro-negros de Pindorama, entretanto, têm urticária com patrocínio de 8,5 milhões de euros e precisam reforçar o caixa vendendo outros pedacinhos do uniforme.

Ora, esse é um típico trade-off: ou vamos abrir mão de mais dinheiro por um uniforme menos poluído, ou vamos vendendo o que nos sobra de espaço. Um bom parâmetro, para qualquer coisa na vida, é seguir o comportamento do mercado. E, nesse caso, o Flamengo atua como os demais clubes, porque se tornou regra no Brasil a multiplicidade de patrocínios. Me parece pior a abadização, mas resistir ao mercado leva tempo e nem sempre dá certo.

Não sei porque o Editor se incomodou tanto com a tal camisa de treino 33. Ora, e eu lá sei quem é 33 no Flamengo? Aliás, alguém sabia? 33 para mim era só a idade de Cristo, uma sutil referência religiosa. Para mim, muito pior do que aquela numeração em si é o modelo que a enverga.

Por fim, no dia em que eu for ligar para chacota de adversário me zoando por coisas ligadas ao Flamengo podem chamar um padre para me exorcizar, porque é sinal de que meu corpo foi invadido por alguma alma perdedora. Desde quando flamenguista se liga em pilha de torcedor alheio? A única pilha que me importa agora é a Duracell, energizando o Manto Sagrado.

Todo flamenguista inteligente que eu conheço (e aqui no Ouro de Tolo mesmo tem pelo menos três, o Migão, o Affonso e a Drica) está convencido de que se estivesse sentado na cadeira do Vice Presidente de Marketing revolucionaria o departamento e faria brotar dinheiro do chão.

Eu mesmo, nos meus momentos mais sonhadores, me julgo apto a fazer tudo isso e muito mais, no intervalo das minhas audiências no Fórum, porque todo mundo sabe que vender a marca Flamengo é a coisa mais fácil da Terra, dá para fazer com um pé nas costas e a turma que está lá até hoje ainda não conseguiu dar jeito nisso porque são de uma inapetência de dar dó.

Só que a dura realidade nem sempre se comporta como a gente sonhou. Sentar ali e virar vidraça não é para qualquer um. E do jeito que as coisas são no Flamengo e de como as cornetas roncam fortes e rápidas, eu apostaria que até Philip Kotler sairia enxovalhado em questão de meses.

3 Replies to “Bissexta – "É Dura a Vida de Quem Nasceu Para Ser Vidraça – O Marketing Rubro Negro"”

  1. Deixando a idéia central do texto a parte (porque aqui concordo mais com o editor).
    Foi genial e dígno de nota o trecho:

    “Por fim, no dia em que eu for ligar para chacota de adversário me zoando por coisas ligadas ao Flamengo podem chamar um padre para me exorcizar, porque é sinal de que meu corpo foi invadido por alguma alma perdedora. Desde quando flamenguista se liga em pilha de torcedor alheio? A única pilha que me importa agora é a Duracell, energizando o Manto Sagrado.”

    Muito bom…

  2. Walter, parabéns pelo texto.

    Apesar de me filiar em grande parte com as colocações do Pedro, fazes um contraponto muito interessante e que, no mínimo, leva à reflexão.

    Eu, por exemplo, não tinha me atentado para o fator “patrocínio indireto” na relação Traffic/Flamengo/R10, muito embora ela fosse bem evidente. São aí, R$ 12mi anuais para acrescentar na conta de patrocínio, e sem manchar o manto.

    Situação parecida se dá na relação OLK/Flamengo/Deivid, pois é sabido que o nosso vacilante camisa 9 recebe boa parte dos vencimentos através da nossa fornecedora de material esportivo.

    Novamente, parabéns pelo excelente texto.

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