Sem dúvida alguma, o grande lançamento musicalde 2011 foi, até o momento, o novo disco de inéditas de Chico Buarque, “Chico”. Em dez enxutas canções, aquele que a meu ver é um dos dois únicos gênios vivos da música brasileira – o outro é Paulo César Pinheiro – brinda a cultura brasileira com mais pérolas de seu cancioneiro.
Melodicamente, o disco lembra muito “Carioca”, seu último cd de inéditas – de 2006. Entretanto, o que se vê nesta novo cd são letras mais “malandreadas”, mais “cariocas”. Outro ponto que salta aos olhos é uma religiosidade marcante, com referências a Deus e suas representações em várias das canções – “Sinhá”, parceria com João Bosco que fecha o disco, é o ápice desta tendência.
Talvez em seu imaginário Chico possa estar se achando no crepúsculo da vida. É uma inferência que faço, pois não vi a entrevista dada por ocasião do lançamento.
É disco que se gosta à medida que se ouve, a cada audição ele cresce, entretém e se percebem certas nuances que escapam aos ouvidos na primeira vez em que se ouve. É como uma mulher que só revela seus encantos à medida em que a conhecemos, não à primeira vista.
Por outro lado, é claramente uma obra “menor” na discografia do gênio. Mas ainda assim é indispensável e melhor que 95% do que se faz em música hoje em dia. Música essa cada vez mais medíocre e descartável, características inexistentes na obra de Chico Buarque de Holanda.
Recomendo a compra e o deleite.
A canção que trago hoje é “Barafunda”, parceria com Ivan Lins. A canção fala de lembranças embaralhadas na memória, fala de um Riuo de Janeiro idílico, sob uma saia amarela de mulher que a tudo guia. Bastante interessante, e poético.
Barafunda

Era Aurora
Não, era Aurélia
Ou era Ariela
Não me lembro agora
É a saia amarela daquele verão
Que roda até hoje na recordação

Foi na Penha
Não, foi na Glória
Gravei na memória
Mas perdi a senha
Misturam-se os fatos
As fotos são velhas
Cabelos pretos
Bandeiras vermelhas
Foi Garrincha
Não, foi de bicicleta
Juro que vi aquela bola entrar na gaveta
Tiro de meta

Foi na guerra
É, noite alta
Gritou o astronauta
Que era azul a Terra
Quando a verde-e-rosa saiu campeã
Cantando Cartola ao romper da manhã

Salve o dia azul
Salve a festa
E salve a floresta, salve a poesia
E salve este samba antes que o esquecimento
Baixe seu manto
Seu manto cinzento
Foi Glorinha
Não, era Maristela
Juro que eu ia até casar na Penha com ela
A vida é bela

É, não é
Era Zizinho era Pelé
Aliás, Soraia era Anabela
Era amarela a saia
Foi quando a verde-e-rosa saiu campeã
Cantando Cartola ao romper da manhã
Salve o dia azul
Salve a festa
E salve a floresta, salve a poesia
E salve este samba antes que o esquecimento
Baixe seu manto
Seu manto cinzento
Era Aurora
Não, era Barbarela
Juro que eu ia até o Cazaquistão atrás dela
A vida é bela

É Garrincha, é Cartola e é Mandela”