Nossa coluna “Samba de Terça” de hoje enfoca um daqueles sambas que a gente lê a letra, ouve o samba e se pergunta: como este samba venceu a disputa?
Por quê? Logo o leitor saberá.
A escola é a Unidos de Lucas, uma agremiação bastante tradicional no carnaval carioca e que já esteve nesta coluna por duas ocasiões, com “Sublime Pergaminho” e “Mar Baiano em Noite de Gala”. Uma das representantes da Zona da Leopoldina, possui tradição de grandes sambas no carnaval carioca. Infelizmente está no Acesso D, sendo um dos alvos do “facão” a que me referi no texto sobre o neoliberalismo do samba.
Desta vez, o samba abordado será o de 1990, que tinha como enredo uma homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer, já então contando com 82 anos de idade.
Lucas vinha de três carnavais seguidos como terceira colocada do Grupo de Acesso A, a uma colocação de retornar ao Grupo Especial – do qual não participava desde 1976. Inclusive em 1988 a escola chegou a comemorar seu retorno, mas no final da apuração houve uma suspeitíssima “queda de luz” e, quando a energia voltou, a escola misteriosamente tinha sido relegada ao terceiro lugar.
Os carnavalescos Luiz Orlando Baptista e José Leal propuseram um enredo calcado especialmente nas ligações políticas do grande arquiteto, sem se esquecer de suas grandes obras. A escola seria a quinta a desfilar e a expectativa era e de finalmente buscar o tão sonhado retorno ao Olimpo do samba. Uma das novidades, também, era a contratação do puxador Marcos Moran (abaixo, durante o desfile), que fizera história na Unidos de Vila Isabel.

Bom, o leitor deve estar se perguntando o porquê de ter aberto o texto comentando sobre a coragem de ter escolhido este samba, não é mesmo? Simples.
A composição escolhida,de autoria do compositor Uéber – bons tempos em que não haviam os “condomínios” de autores – trazia um “cacófato” inacreditável em seu refrão intermediário, acompanhado de versos que, para se dizer o menos, não eram muito felizes em descrever os exílios de Niemeyer:

“Quero ver Cuba lançar 
Êta rabo de foguete ! 
Camarada Gorbachov 
Em Paris ou em Argel 
Tempo ruim é quando chove”
No próprio vídeo do desfile que disponibilizo o comentarista faz severas críticas a este trecho do samba, enfatizando tratar-se de “mau gosto” – até porque Marcos Moran enfatizava na divisão silábica o cacófato, se é que o leitor me entende.
Não sei exatamente os motivos que levaram a escola a escolher esta composição, mas no mínimo faltou bom senso na diretoria de então a fim de alterar a letra. E isso sem contar a intragável rima “Gorbatchov / chove”…

Ou seja, era um legítimo representante da dinastia “trash” do samba de enredo…


Bom, o fato é que a escola desfilou com este samba, sendo a quinta escola a se apresentar na noite de 24 de fevereiro de 1990, sábado de carnaval. O abre alas lembrou o monumento aos operários de Volta Redonda, feito em homenagem aos mortos na ocupação da CSN em novembro de 1988. 
A seguir, a escola mostrou a construção de Brasília e trouxe até uma alegoria representando um tanque de guerra. O carnaval foi lembrado com o carro que trazia o símbolo da praça da apoteose, que como se pode ver nas imagens tinha problemas de acabamento.
O fato é que a Unidos de Lucas não fez uma boa apresentação e não tinha grandes aspirações na quarta feira de Cinzas. Em um resultado onde, diz a lenda, o patrono da campeã Unidos do Viradouro teria enviado garrafas de uísque escocês (artigo raro naqueles tempos) para a casa dos jurados após o resultado, independente da nota, Lucas obteve o oitavo lugar, com 199 pontos – a uma posição do rebaixamento.
Acima pode-se ouvir o samba, em sua versão de estúdio. Infelizmente não tenho as notas obtidas pelo mesmo, mas não acredito que tenham sido muito altas… Vamos à letra:
“Chegou a hora o Galo cantou 
Liberdade, liberdade 
Brasília você é bonita 
Cartão de visitas do meu país 
Candango, deputado, senador ôô 
O Brasil virou menino 

Amor de Juscelino de Oliveira 
Era chão, era poeira 
A arte fez brotar 

Quero ver Cuba lançar 
Êta rabo de foguete ! 
Camarada Gorbachov 
Em Paris ou em Argel 
Tempo ruim é quando chove 

Baiana, baiana, baiana 
Roda que eu quero ver (quero ver) 
Na Apoteose do Samba 
Obra de bamba 
Com pimenta e dendê 
Sangue latino na veia 
Oscar Niemeyer Lucas é você 
No teu compasso eu passo traço 

Quero ver você riscar 
No meu riscado eu vou fazer você sambar”
Em 2003 a Unidos de Vila Isabel também homenagearia o arquiteto, com um samba muito mais bonito – que pode ser ouvido aqui. E outro resultado complicado – em novembro do ano anterior, bom, deixa para lá…

2 Replies to “Samba de Terça – "O Magnífico Niemeyer, ou Quero ver Cuba lançar"”

Comments are closed.