Nesta sexta feira temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é o projeto de Reforma Política que tramita no Congresso.
Aproveito para fazer um adendo. Setores mais reacionários da mídia e do especto político vem defendendo o voto distrital como panacéia para todos os males da política brasileira. Tenho o dever de lembrar algumas coisas aos leitores:
Uma delas é que a adoção deste tipo de voto vai tornar ainda mais importante o poder financeiro nas disputas. Em um distrito aqueles com mais condições podem impor com mais facilidade esta vantagem – até porque estes mesmos setores fogem do financiamento público de campanha como o Diabo da cruz. É uma forma, na prática, de voltar ao poder, o que neste sistema atual é bem mais difícil.
Outra coisa é que teremos muito mais representantes de segmentos como as milícias e os traficantes cariocas ou os coronéis do Norte e Nordeste no Legislativo. As microregiões em que o eleitorado se dividiria facilitariam o chamado “voto de cabresto” e tenderiam a piorar a qualidade da representação.
Terceiro é que representantes do chamado “voto de opinião”, como os deputados cariocas Chico Alencar, Brizola Neto e Marcelo Freixo não teriam a menor chance neste sistema por terem uma votação espalhada pelos diversos municípios. Não por acaso, são parlamentares dos mais atuantes e sobre o qual não pairam suspeitas de envolvimento em desvios.
Feito o adendo, vamos à coluna.
“Reforma Política: Nas Mãos dos Caciques”
20 de setembro é feriado no Rio Grande do Sul e a chuva, aliada à falta de babá, me deixaram em casa cuidando de minhas bebês gêmeas. Girando o controle remoto, parei em um filme sobre os primeiros anos de Margaret Tatcher e sua luta para ser indicada para concorrer a uma vaga ao parlamento britânico. A Grã-Bretanha adota o chamado sistema distrital, onde há uma eleição majoritária em uma pequena região (o “distrito”). A futura Dama de Ferro ficou 11 anos batalhando apenas para ter o direito de se candidatar.
[N.do.E.: tendo em vista o que ocorreu depois, a opinião deste editor é de que teria sido melhor mesmo que ela não tivesse sido eleita]

Se o filme fala a verdade (é sempre bom desconfiar da integridade histórica do que passa na TV, mais ainda na sessão da tarde), Thatcher foi sistematicamente boicotada pelos dirigentes locais do partido conservador britânico. Em parte por ser mulher, em parte por ter uma plataforma eleitoral muito dedicada aos temas nacionais e internacionais, enquanto seus concorrentes davam preferência ao cotidiano local.

Há em tramitação no Congresso Nacional uma proposta de reforma política em avançado estágio de negociação. Dois temas chamam atenção: o financiamento público das campanhas eleitorais e a modificação do sistema eleitoral, que deixaria de ser proporcional.

É surpreendente a quantidade de eleitores que ignora, total ou parcialmente, as características do sistema eleitoral proporcional adotado pelo Brasil para eleger seus deputados federais. Daí porque não custa repetir a regra vigente.

Um partido eleitoral pode lançar muitos candidatos ao mesmo cargo, que disputam o voto de todos os eleitores do estado. O número de cadeiras no Congresso Nacional depende do número de habitantes do estado, sendo que haverá no mínimo 8 e no máximo 70 deputados por unidade da federação.

Realizada a eleição, a quantidade de votos válidos é divida pelo total de cadeiras em disputa no estado, cujo resultado é chamado de quociente eleitoral. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem 46 cadeiras. Digamos que tenham 4.600.000 votos válidos (na prática tem mais). Logo, o quociente eleitoral seria de 100 mil votos.

[N.do.E.: nas últimas eleições o quociente eleitoral exigido para se eleger um deputado federal no Rio de Janeiro foi de 174 mil votos. Mais detalhes aqui]
Os votos de todos os candidatos de um mesmo partido (ou de uma coligação entre dois ou mais partidos) são somados. A quantidade de cadeiras a ser ocupada pelo partido (ou coligação) é a divisão dessa soma pelo quociente eleitoral – ou seja, um partido cuja soma de todos os seus candidatos seja de 1 milhão de votos levará 10 cadeiras, a serem ocupadas pelos 10 mais votados dentro de sua lista.

Esse sistema tem suas distorções. Imaginemos que um candidato como o Tiririca tenha, sozinho, 1 milhão de votos e que seus colegas de partido tenham, cada um, apenas 200 votos. Ainda assim, o partido do Tiririca ocuparia as 10 vagas, com candidatos praticamente sem votos entrando de carona. O contrário também acontece: candidatos com 90 mil votos não se elegem, porque a soma dos seus colegas  de partido não alcança o quociente eleitoral.

Para acabar com esse incômodo, a reforma política pretende introduzir o sistema de “lista fechada”. Ninguém mais votaria em candidato, só em partidos. Assim, a lista dos mais votados, que hoje é formada a partir do voto dos eleitores, passaria a ser uma prerrogativa da direção dos partidos. Quem vai dizer a ordem de prioridades para preenchimento das vagas é a cacicada que controla as máquinas partidárias.

Há bons argumentos a favor e contra ambos os sistemas. E como no Brasil é difícil adotar soluções definitivas, a tendência atual é bagunçar ainda mais a cabeça do eleitorado, introduzindo um inédito sistema misto, onde parte das vagas seria ocupada pelo regime da lista fechada e outra parte deixaria tudo como está.

O que me incomoda, de verdade, é ter que ficar dependente da escolha dos barões da política brasileira. Pois se até Margaret Tatcher sofreu nas mãos do centenário partido conservador britânico para conseguir seu lugar ao sol, não quero nem pensar o que acontecerá no Brasil quando para virar candidato com chances reais de se eleger for necessário obter a benção prévia do Sarney, Michel Temer, Geraldo Alckmin, Cesar Maia, José Dirceu, Carlos Lupi, Roberto Jefferson e outros da mesma estirpe.

3 Replies to “Bissexta – "Reforma Política: Nas Mãos dos Caciques"”

  1. Acredito que em parte do Executivo, o voto distrital já existe, mas com outra forma. Existe a cota do Temer, a cota do Sarney, do PMDB, dos aliados, enfim. Se no executivo é assim, imagine isso no Congresso

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