O post da última sexta feira sobre o trabalho semi escravo das fábricas de manufaturas da Apple na China rendeu diversas reações de leitores, em especial no Twitter e no meu e-mail.
Curioso, e surpreendente pelo menos para mim foi que a esmagadora maioria dos comentários defendia a posição das empresas na China e em outros países, dizendo que era melhor ter este tipo de emprego que deixar as populações morrendo de fome. Também recebi alguns feedbacks na linha de que “o importante é ter os meus gadgets eletrônicos, não quero saber como são feitos”, ou seja, uma versão moderna do “o que os olhos não vêem o coração não sente”.
Isto deixou claro para este humilde escriba – e economista – que os conceitos que apresentei na última sexta feira não ficaram muito claros. Então volto ao tema.
Poderia partir para algo do gênero “a classe média e as elites são egoístas e só pensam em si” e partir para uma lição de moral (risos), mas não: prefiro desenvolver melhor o ângulo econômico por trás da questão.
Poderia-se falar que o governo chinês era omisso por permitir este tipo de empresa, mas lembro aos leitores que as empresas estimulam este tipo de competição entre os países. Basta lembrar que Vietnã, Indonésia e Mianmar também possuem este tipo de fábrica com trabalho semi escravo para empresas como a Nike e a Adidas, entre outras. Por exemplo, a camisa da seleção brasileira de basquete, da Nike, que comprei na última semana é fabricada na Indonésia.
Onde quero chegar? As próprias empresas estimulam a competição entre os países de forma a obter as melhores condições para si e assim aumentarem a sua margem de lucro. De forma que se um país estabelecer algum tipo de regra trabalhista acaba perdendo as fábricas e os empregos.
É caso claro onde, a meu ver, a OIT – Organização Internacional do Trabalho – deveria intervir a fim de estabelecer patamares mínimos de salários e condições de trabalho. O que temos hoje são condições sub humanas de trabalho, onde sequer há tempo para se ir ao banheiro ou para se descansar – fica-se em pé praticamente todo o tempo. Lembra bastante os primeiros tempos da Revolução Industrial (na ilustração acima), onde haviam jornadas de 18, às vezes 20 horas diárias, com condições aviltantes. É este quadro que se repete hoje.
Vale lembrar que para o mercado de trabalho está superada a noção de que a “Lei de Oferta e Demanda” pura e simplesmente atende às necessidades. Incorporou-se o conceito de “subsistência”, que deve ser levado em consideração. Significa estabelecer um patamar mínimo de salários – o preço do trabalho – que permita que o empregado, ofertador de sua força de trabalho, comer, se vestir, morar e ter lazer de forma digna.
Para que isso se torne uma realidade se faz necessário algum tipo de regulação por parte do Estado. Basicamente, isto é feito através da instituição de um salário mínimo e de fixação da jornada de trabalho, além de algum tipo de regras de saúde ocupacional. Lógico que a simples letra da lei não garante que tais condições de subsistência e de condições de trabalho sejam respeitadas, mas permite se traçar um balizador e punir quem desrespeita.
Por outro lado, a margem de lucro destas empresas de griffe que contratam serviços nestes países da Ásia é extremamente elevada. Não é uma questão de aumentar preços, mas sim redimensionar o bolo que cabe a cada ator do processo no valor final do produto. Um iPad de R$ 1,7 mil, por exemplo, em que pese nossa carga tributária não pode representar para o fabricante R$ 30 ou R$ 40, como ocorre hoje. Evidente que há espaço para a redistribuição de valores, até porque criaria mais um mercado consumidor para estes produtos – e muitos outros.
Sabe-se que este tipo de emprego está no piso da cadeia de especialização, mas ainda assim ele deve obedecer ao princípio de “salário de subsistência” a fim de permitir condições de vida dignas. E não se pode ter relações de trabalho onde o lucro esteja acima da dignidade humana. Seria voltar ao Século XVIII.
Finalizando, os consumidores devem, a meu ver, introjetar em suas mentes e suas atitudes o conceito de “responsabilidade social”. Buscar alternativas que respeitem o bem estardas pessoas e agridam menos não somente aos recursos naturais como aos trabalhadores que os produziram.
Voltarei ao tema.
Escrito por: Pedro Migão em 10 de outubro de 2011.
Pedro, continuo achando que nesse caso os grandes culpados são os países.
As empresas estimulam realmente essa competição, mas os empregos e as fábricas não justificam o alto preço pago pelos trabalhadores.
Sobre a consciência social, concordo, mas infelizmente é algo quase utópico. Até porque, é difícil ter consciência na “inconsciência”, isto é, poucos têm noção do que realmente se passa nessas fábricas, de modo que não reúnem condições sequer de fazer esse julgamento na hora de comprar determinado produto.
Um caminho talvez seria a criação de uma marca de certificação, como as que identificam produtos ecologicamente corretos, que indicasse os produtos fabricados dentro de padrões internacionais de respeito ao trabalhador. Isso, aliado a uma ampla divulgação e conscientização do público consumidor sobre a importância de prestigiar esse tipo de fornecedor, seria fundamental para inverter esse quadro atual.
Marcelo, a idéia de uma marca de certificação é excelente. Gostei memso.
abs
Excelente a idéia sobre a certificação. Concordo plenamente!
Quando uma pessoa, conhecedora do trabalho escravo desses empresas, usa um nike e possui um apple por exemplo, é o mesmo que ela estar dizendo que é a favor do trabalho escravo dessas empresas que estão produzindo esses seus sonhos de consumo.