Em mais uma coluna Bissexta, do advogado Walter Monteiro, temos a continuação da série sobre os salários do Judiciário. Sem mais delongas, vamos à análise.
Juízes, Judiciário, o Salário de Cabeça para Baixo
Nunca vi, nunca mesmo, alguém defender um aumento substancial para os salários dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – por sinal, o salário mais conhecido do país, R$ 26.700. 
Outro dia mesmo Suas Excelências decidiram se conceder um aumento no auxílio moradia, que era de R$ 2.750 e passou a ser de pouco mais de R$ 4 mil. O tom das reportagens noticiando o feito variava da ironia leve à crítica deslavada. Mas que absurdo esses Ministros legislarem em causa própria com o dinheiro do povo, era a mensagem implícita.
Parece não ter ocorrido a ninguém que, convenhamos, com R$ 2.750 não dá para pagar um aluguel de um imóvel em Brasília compatível com um profissional de status tão elevado, que se espera que more em prédio luxuoso, como convém a quem está no topo da profissão (aliás, desconfio que mesmo o novo valor seja insuficiente). 
E que, sendo apenas onze Ministros, o aumento, de menos de R$ 1.500,00 por cada um, não chega nem a R$ 20 mil por mês – não dá nem para pagar o salário de um oficial de justiça, como eu chamei atenção outro dia.
Está na hora de alguém vir a público dizer que um Ministro do STF precisa ganhar, pelo menos, o dobro do que hoje recebe. O triplo ou talvez até o quádruplo, para ser mais justo. São onze pessoas investidas de uma responsabilidade fenomenal, de quem se exige (ao menos em tese) um preparo incomum e que recebem muito menos do que outros profissionais investidos em funções menos relevantes no mercado de trabalho.
Quanto ganha um CEO? Um Presidente do Conselho de Administração de uma companhia aberta? Um industrial?
Querem descer um pouco na hierarquia? Ok.
Quanto ganha um Diretor Jurídico de uma grande corporação? Um advogado bem sucedido? Um Diretor de Redação de um jornalão? Um Diretor de Criação de uma agência de publicidade? Um Diretor de Vendas de uma imobiliária de ponta? Um Diretor Industrial de uma fábrica importante? Um Diretor de novelas da TV?
Nenhum deles, óbvio, ganha menos de R$ 26.700. Todos ganham mais, muito mais do que isso, entre salários fixos e variáveis. E, com o devido respeito, o cargo de Ministro do STF possui uma importância maior para a sociedade do que todos os outros exemplos que escolhi.
O setor público tem lá suas peculiaridades e outras vantagens que compensam, em parte, uma remuneração menor do que na iniciativa privada. Mas não tão menor. Um Ministro do STF ganha, digamos, uns 10% do salário de um Presidente de uma S/A. Isso não pode estar certo.
Só que, infelizmente, a culpa dessa distorção é do próprio Judiciário, cujos membros não parecem nem um pouco interessados em corrigi-la – ao contrário, até pretendem aprofundá-la.
O salário dos Senhores Ministros não é apenas um ganho mensal. É um índice, que baliza toda a estrutura de remuneração do setor público, atualmente até de outros Poderes – por isso eu disse que se trata do valor mais conhecido do país.
Assim, cada real a mais nos contracheques dos dirigentes supremos do Judiciário é automaticamente transferido para a conta do rapaz que fura documentos para anexá-los aos processos na Vara Cível perto da casa do amado leitor.
Nem vou entrar no mérito desse encadeamento perverso, porque dentre a audiência qualificada do OURO DE TOLO há tantos beneficiados por essa regra que contestá-la de modo veemente poria em risco a sobrevivência dessa pretensiosa coluna, da qual não pretendo me despedir antes que o Editor Chefe me pague um lauto churrasco em retribuição aos meses de pontuais serviços prestados ao blog [N.do.E.: evidentemente, o colunista está exagerando].
O que realmente me causa engulhos é o modo como o Poder Judiciário resolveu estruturar a remuneração dos demais juízes. Estou pouco me lixando se o rapazinho da Vara Cível aí do lado da sua casa e que só tem ensino médio ganha mais de R$ 5 mil para furar papel – eu adoraria ter escrito errado, mas um servidor de ensino médio, que passa os dias arquivando documentos nos processos, recebe R$.5.500.
O salário inicial – INICIAL, para que não fique dúvidas – é de R$ 21 mil. Isso para um juiz substituto. Depois de um tempo, o jovem juiz é promovido e vira titular, elevando sua remuneração para R$ 22 mil. 5% de aumento, para o dobro da responsabilidade.
Teoricamente, a carreira do juiz acaba aí. 
Alguns dão a sorte de serem promovidos para o Tribunal, então viram Desembargadores. Mas parece um tanto quanto óbvio que a maioria não vai chegar lá. A Justiça Federal da Região Sul tem 350 juízes e apenas 26 desembargadores (com 4 vagas em aberto). E um quinto destas vagas está reservado para advogados e promotores, diminuindo ainda mais o espaço para a progressão funcional dos magistrados.
Que beleza de planejamento de carreira! 
A pessoa começa ganhando uma fortuna. Dois ou três anos depois recebe um aumento de 5%. E acabou! Nos outros vinte e tantos anos da carreira não tem mais promoção – só resta administrar a verba. O mesmo que a pessoa ganhava quando ainda era solteira vai ganhar quando estiver casada, com filhos, netos e pensões alimentícias para dar conta. Não há como não ser infeliz, mesmo ganhando bem.
Mas digamos que o juiz esteja entre os poucos felizardos que conseguem ascender ao Tribunal. Aí o salário “pula” para R$ 24 mil. Um esforço tremendo para estar entre os melhores da profissão, uma disputa ferrenha para ocupar uma vaga disputadíssima e a recompensa não chega a 10%.
Acima deles, só Ministro dos Tribunais Superiores. Ganhando praticamente o mesmo, se for no STJ. E, no STF, o conhecido salário de R$ 26,7 mil.
Sejamos francos, os salários do juízes estão inteiramente de cabeça para baixo. É ótimo para quem está começando e vai piorando conforme o tempo passa, porque quanto mais velha a pessoa fica, mais despesas ela vai assumindo.
Se coubesse a mim definir essa remuneração, eu pagaria uns R$ 100 mil para os onze Ministros do STF, uns R$ 80 mil para os Ministros do STJ, uns R$ 40 mil para os Desembargadores Federais (não existem nem 300 deles) e os salários dos juízes de primeira instância começariam em R$ 10 mil e terminariam em R$ 30 mil.
Ah, e para o rapaz que nem faculdade tem e que fica o dia inteiro furando papel, carimbando folhas e arquivando pastas, eu pagaria, no máximo, uns R$ 2 mil.
Mas isso é só porque eu sou idealista. Porque na vida real o Judiciário parece estar satisfeitíssimo com essa regra maluca de vinculação automática. E estão se preparando para entrar em greve, para garantir 14% de aumento para os juízes e 56% para os servidores, inclusive para o rapazinho que fura papel, que vai passar a ganhar mais de R$ 8 mil.
É…

4 Replies to “Bissexta – "Juízes, Judiciário, o Salário de Cabeça para Baixo"”

  1. Walter, parabéns por mais uma excelente coluna.

    Concordo plenamente com a sua opinião. Pessoas que tem a responsabilidade hercúlea de decidir sobre células tronco, aborto de fetos anencéfalos, constitucionalidade da lei da ficha limpa, entre tantos outros assuntos vitais para nossa sociedade, recebe um subsídio desproporcional, sem dúvida alguma.

    O problema é que, sem essa desvinculação que você propõe em face de outras carreiras, jamais será possível racionalizar as remunerações dentro do Judiciário. Vale lembrar que a própria Constituição, no sempre lembrado art. 37, XI, institucionaliza o efeito cascata e dá o norte perverso pra isso ser replicado a nível infraconstitucional.

    Promover essa desvinculação, racionalizar a distribuição remuneratória e aumentar substancialmente o número de juízes nas primeiras instâncias seriam passos fundamentais para o Judiciário combater muitas de suas mazelas, sobretudo a morosidade na prestação jurisdicional.

  2. Você devia se inteirar das funções reais dos servidores, que demandam conhecimentos técnicos, dentre as quais assessorar juízes e desembargadores, minutando as mais diversas decisões.
    Em segundo lugar, R$ 2.000, como ele sugere, não paga nem um aluguel digno em Brasílai ou Rio, por exemplo…Ademais, registre-se que, quanto maior a remuneração, melhor os servidores selecionados e, consequentemente, melhor o resultado final…Por isso que, a exemplo, os TJs do Ceará, Bahia e Pernambuco tem tantos servidores medíocre, que às vezes nao sabem nem atender, e os tribunais federais tem um serviço incomparavelmente superior. Para exemplificar, o gabinete de desembargador no qual eu trabalho, no TJDFT, NÃO TEM UM PROCESSO seque acumulado. Não temos nem estantes, porque entrou o processo, saiu. E julgado com qualidade.
    Agora, se se deseja uma Justiça medíocre e ineficiente, pague-se pouco mesmo!
    Aprenda melhor para não falar besteira!

  3. Meu amigo, aqui é Brasil. Se vc for querer meritocracia, tem que ser pra todos. Quer falar de merecimento? Então vamos falar do salário dos professores.

    Agora, ninguém é ministro obrigado. É um cargo temporário. Tá insatisfeito, que saia e siga sua profissão “regular”, por assim dizer.

    Alguém que ganhe 26 por mês, pode muito bem pagar a moradia que lhe convir.

  4. Para o debate, ainda que atrasdo.

    1) Os juizes do STF ganham mais do que seus semelhantes da Corte dos EUA (dados do Elio Gaspari, não verifiquei). Apenas para parametrizar.

    2) O STF, que deveria ser o guardião da CF, é um dos maiores estupradores da própria CF. Ultimamente perdeu inclusive a vergonha, ao legislar positivamente sobre temas que não são de sua competência.

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