Tenho o hábito de, quando acordo pela manhã, ligar a televisão no canal Cartoon Network. Primeiro porque passam alguns desenhos antigos de que gosto e segundo porque as meninas acordam cedo e assim a mãe delas consegue dormir um pouco mais.
E sempre me deparo com uma série de comerciais no referido canal. Todos, sem exceção, estimulando o consumo das crianças e, principalmente, o das meninas – a proporção era de três comerciais de bonecas para um voltado aos meninos.
Os comerciais reforçam o tempo inteiro a idéia de que somente se está brincando se há os produtos “da moda”. Além de estimular a compra do brinquedo, ainda reforça a idéia de que a felicidade reside em consumir, bem como estimular a competitividade extrema desde tenra idade – o que gera adultos, posteriormente,egoístas e egocêntricos.
Ressalto que o público alvo deste tipo de comercial, no canal citado e em outros dedicados a este público, são crianças que não possuem o menor discernimento no uso do dinheiro, bem como de valores considerados adultos. Não possuem qualquer bagagem e repetem, tal papagaios, o que ouvem nos comerciais. O indefectível “compra, pai?”
Obviamente que meu papel de pai reside em incutir em minhas filhas os valores adequados, mas sou radical: este tipo de comercial, no canal em que é veiculado, deveria ser proibido.
Está em tramitação no Congresso Federal o Projeto de Lei 5921/01, originalmente de 2001 e que tem um substitutivo em elaboração que pretende restringir esta publicidade a horários determinados. Originalmente o projeto de lei previa a proibição total, mas com as pressões das entidades de publicidade e das próprias televisões trabalha-se em uma legislação que deve normatizar os comerciais de brinquedos, alimentos e demais direcionados a este público,de forma a apenas serem veiculados nos períodos do dia em que os pais estejam presentes.
Mal comparando, é o mesmo caso das leis que proíbem a propaganda de bebidas alcoólicas ou do cigarro. Até porque os comerciais de brinquedos vendem valores que absolutamente os produtos não tem, e pior: para um público que ainda está sendo formado, não tendo discernimento do que é certo e errado.
Da mesma maneira em que os comerciais de fumo e álcool são proibidos por se associarem a benefícios intangíveis somente vistos pelos profissionais de marketing, os comerciais de bonecas estimulam o consumo desenfreado por parte de mentes ainda em formação.
Falo de brinquedos, de bonecas e produtos voltados às meninas, mas pode-se falar também de produtos como o malfadado brinquedo do “McLanche Feliz” ou o comercial do suplemento alimentar Pediasure, que estimula a criança a não comer e substituir pelo produto – que, aliás, embora seja vendido como leite não o é. Muitas vezes a criança pede o “McLanche” não por causa do produto, mas sim pelo brinquedo.
Ressalvo que neste último caso existe ação do Ministério Público no sentido de proibir a venda destes brinquedos junto aos lanches, de baixo valor nutritivo. A alegação das empresas é de que “são os pais que decidem a compra”, o que soa contraditório: você leitor que tem filhos pequenos como eu tenho sabe que não é assim que funciona.
O McDonalds especificamente tentou diminuir a pressão do Ministério Público colocando uma fruta no lanche e anunciando que diminuiria os teores de sódio (sal) nos lanches. Mas a meu ver ainda são medidas insuficientes, ainda mais quando os comerciais são totalmente focados na questão do brinquedo.
Já brinquedos e assemelhados partem sempre do pressuposto de que “o caro é que é bom”, e de um propalado “bovinismo”: estar na moda é comprar o brinquedo X e ser igual aos outros. O importante é ter, não ser – o que, nestes tempos em que muitos pais precisam trabalhar acaba gerando anomalias na formação do futuro adulto.
Infelizmente, é lamentável o que o ser humano é capaz de fazer por causa de dinheiro. É nestas horas em que a regulação do Estado se faz necessária. E por isso sou a favor da proibição total, de forma a não haver influências de cunho monetário na formação de nossos futuros adultos.
Canais infantis, voltados para um público infantil ou pré-adolescente, deveriam ser impedidos de veicular publicidade. Até porque o assinante já paga caro para assistir estes canais.
Mas esta é outra história.