Nesta segunda, início da semana derradeira do ano – para folga de muita gente, de trabalho a todo vapor para mim – temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro.
O tema de hoje é o recente entrevero entre o Conselho Nacional de Justiça e a Associação dos Magistrados Brasileiros envolvendo a investigação dos atos de conduta dos magistrados. Em minha visão leiga a impressão que tenho é que o objetivo da ação é dificultar a investigação de eventuais atos irregulares dos mesmos, tornando-os, na prática, inimputáveis – ainda mais com o ferrenho corporativismo existente na instituição.
O colunista, com a visão técnica, possui uma opinião diferente. Lembro, apenas, que políticos e ocupantes de cargos de confiança em estatais são obrigados a entregar ao TCU as declarações de renda e de bens, bem como determinados níveis de magistratura.
Vamos ao texto.
CNJ, no Olho do Furacão, a Troco de Nada
Não tenho muita paciência para a tediosa programação da TV Justiça, mas algumas semanas atrás acabei assistindo uns trechos de um julgamento do STF envolvendo um processo movido por uma associação de magistrados contra uma resolução do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que dizia respeito à normatização de procedimentos para realização de atos judiciais eletrônicos em convênio com o Banco Central. Um assunto chatíssimo, que só interessa aos muito enfronhados no dia-a-dia forense, por isso vou poupar os leitores do tema em si. Basta dizer que o Supremo, por ampla maioria, deu razão ao CNJ. 
O que me chamou a atenção foi que lá pelas tantas os Ministros começaram a debater a suspeita de que o CNJ teria quebrado o sigilo bancário de dezenas de milhares de juízes de uma só tacada. Lógico que eu pensei que era intriga, nunca que o CNJ iria sair abrindo as contas de toda a magistratura nacional. 
O resto da história é pública. 
Este fim de ano no Judiciário está animadíssimo, porque o STF concedeu uma liminar restringindo o poder do CNJ de investigar juízes e as associações de magistrados, em conjunto, estão enfurecidas com a Corregedora do CNJ, Ministra Eliana Calmon (foto), eleita pelo imaginário popular como a heroína do momento, aquela que vai nos salvar das garras desses bandidos de toga, para usar uma expressão dela própria. 
[N.do.E.: quem leu as duas resenhas que escrevi aqui de livros sobre o Judiciário do Esprito Santo e as estripulias de um Ministro do STF em Diamantina, no Mato Grosso, tem fortes razões para suspeitar que existem sim bandidos de toga. Não devem ser os únicos.]
Só não consegui saber, até agora, se o sigilo bancário foi quebrado ou não. Confesso que as festividades do período afetaram minha tolerância com as minúcias do noticiário nacional. Só consegui descobrir que a Corregedora pediu informações sobre as movimentações financeiras de 216 mil (!) servidores do Judiciário e teria identificado mais de três mil transações “atípicas”. 
Os juízes, reconheço, não gozam lá de muita simpatia entre a população em geral. Eu, que sou obrigado a conviver com eles, devo ressaltar que o elevado corporativismo de suas entidades representativas e uma postura quase sempre antipática em relação a todos os que não vestem toga (e especialmente aos pobres advogados, como eu) contribuem sobremaneira para essa ampla rejeição.
Nesse caso, porém, me parece que a magistratura está coberta de razão e Sua Excelência, a digna Corregedora, redondamente enganada quanto ao que se espera do CNJ, que é a nossa forma de controle externo do Judiciário.
Foi muito difícil construir o consenso que resultou na criação do CNJ. A magistratura nacional sempre resistiu com unhas e dentes a qualquer tentativa de controle de suas atividades, valendo-se de sofismas, falácias e ameaças para se manter enclausurada em seus palácios (desculpem-me, mas não conheço outro termo mais apropriado para rotular as suntuosas instalações do Judiciário país afora). 
Afinal, para que serve o CNJ? Segundo a Constituição, o órgão existe para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e dos deveres funcionais dos juízes. 
Antes do CNJ eram corriqueiros abusos de toda sorte espalhados pelos tribunais brasileiros. Nepotismo, falta de transparência, salários abusivos e inconstitucionais, concursos duvidosos, justiça morosa… Tinha de tudo um pouco. Bom, esses males não foram extirpados como um todo, mas é inegável que melhoraram bastante.
Além disso, há uma preocupação constante com o estabelecimento de metas para a produtividade dos juízes, com a normatização de procedimentos (como aquele que mencionei vagamente na introdução), com o aperfeiçoamento de métodos de gestão, com a cobrança de mais transparência e com a vedação de práticas abusivas.
É para isso que o CNJ nasceu. Para dar ao Judiciário uma cara mais parecida com qualquer outro ambiente de trabalho. Para cuidar de políticas e metas. 
Acho um equívoco brutal transformar o CNJ em um tribunal inquisitivo de alegados maus feitos de juízes, alguns, inclusive, de primeira instância. O CNJ cuida do “macro”, não de questões individuais. É óbvio que pode – e deve – atuar quando há desvios notórios, mas não essa não pode ser a sua essência. 
E analisar, de uma só tacada, as movimentações financeiras de duzentas e tantas mil pessoas é uma tarefa insana, ineficaz e que não poderia dar em outra coisa senão atrair a ira dos investigados. Não se lançam suspeitas indiscriminadas, não se pedem explicações sem fatos concretos ou ao menos indícios, não se coloca em risco a credibilidade de um Poder inteiro.
Se há elementos que permitam cogitar que Fulano ou Beltrano andaram prevaricando, sigam em frente e investiguem as respectivas vossas excelências. Isso é bem diferente de pedir explicações no atacado. E mais grave ainda é insinuar acusações nas entrelinhas, como dizer que praticamente a metade dos juízes de São Paulo não apresentou declaração de imposto de renda.
Aliás, essa história da falta de declaração do imposto de renda de 45% dos juízes paulistas me deixou com a pulga atrás da orelha… 
Primeiro, os juízes, por força do alto salário, têm direito a uma restituição anual fabulosa – por que raios abririam mão dela? Segundo, como a Corregedora soube disso? Foi a Receita Federal quem informou? Cruzou os dados com o relatório do Coaf? Se for, o caso é ainda mais grave: estão, todos, mais do que investigados, sendo auditados com lupa, de forma absolutamente sigilosa, sem que lhes seja dado sequer o direito de se defender. 
Eu sei lá, viu? 
Já disse a vocês que eu sou preconceituoso com algumas coisas? Pois é, eu até hoje tenho raiva da Marília Pera por conta de umas bobagens que ela andou falando na campanha eleitoral de 1989. 22 anos e a minha raiva dela não passou, vejam só. 
Reconheço, é horrível julgar as pessoas por uma palavra mal dita, um errinho do passado, uma coisa qualquer fora do lugar. Mas eu sou assim mesmo, não adianta. 
Deve ser por isso que quando a maioria dos meus amigos está aí batendo palmas e saudando a Ministra Corregedora como a nova expressão da reserva moral do país, eu só consigo me lembrar que ela chegou ao STJ sob as mãos e as bençãos de ACM. 
Então eu me dou ao direito de duvidar de suas boas intenções e de lembrar que, mais importante que punir este ou aquele juiz, é preciso manter o prestígio do CNJ como uma espécie de, digamos, “agência reguladora” do Judiciário, com a firmeza necessária para controlar as práticas coletivas, não os desvios individuais.

3 Replies to “Bissexta – "CNJ, no Olho do Furacão, a Troco de Nada"”

  1. Eu me divirto…um comentário de um advogado questionando algo que deveria ser corriqueiro, qual seja, a publicidade dos atos dos homens públicos. Não por coincidência, por não termos nada disso ha muito tempo, estamos infestados de juízes que acham que estão acima do bem e do mal e que fazem o que querem e ainda são pagos por nós. Eu me divirto com certas obviedades.

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