Fechando a nossa trilogia de posts sobre o “13 de dezembro”, a coluna Bissexta, do advogado Walter Monteiro, traz mais uma visão de 13 de dezembro de 1981, o dia em que o Flamengo colocou o mundo aos seus habilidosos pés.
Ainda farei aqui a resenha dos três livros que foram lançados em comemoração a esta data rubro negra, proximamente.
Trinta Anos Esta Noite
Quem já estava aqui não esquece. Quem ainda não estava certamente não compreende. Mas em 1981 vencer o Mundial não era como hoje. Aliás, foi a partir dali que vencer o Mundial se tornou possível. Mais do que isso, para os recalcados, invejosos e menos afortunados, vencer o Mundial se tornou uma obsessão.
Ok, o Santos havia triunfado duplamente, em 1962 e 1963. Mas, convenhamos, era algo inteiramente atípico. Primeiro, porque havia Pelé – e Pelé, convenhamos, não é humano. Segundo, porque o título era disputado em jogos de ida e volta e assim o Santos teve a chance de disputar o título no Maracanã com o apoio de toda a torcida brasileira, fã incondicional de um Rei que havia aniquilado o nosso complexo de vira-latas.
Era voz corrente no Brasil que a Libertadores era um torneio para eles: os hispânicos. A TV mal transmitia as partidas, os árbitros roubavam descaradamente, as equipes eram agredidas, os estádios inseguros, os campos sofríveis. Tudo desculpa de perdedor, como o Flamengo provou na sua primeira participação.
A supremacia rubro-negra sobre seus rivais pode parecer algo natural para as gerações atuais, mas nem sempre foi assim. Embora senhor absoluto das arquibancadas e dos corações brasileiros, em campo o Flamengo ainda não era tão hegemônico. O Botafogo tinha mais vitórias sobre o Flamengo (quem diria, o Flamengo um dia já foi “freguês” do Botafogo). O Fluminense tinha mais títulos estaduais (ainda que a diferença fosse fruto de torneios disputados antes de 1912, data em que o Flamengo montou seu primeiro time de futebol).
A maré começou a virar em 1978, quando o Flamengo se sagrou campeão estadual, com o famoso gol de Rondinelli nos instantes finais. A partir daí, foram anos de ouro, alegrias ininterruptas até a saída de Zico.
Mas 1981 foi mágico. Deliciosamente mágico. Todo aquele blábláblá de que para vencer a Libertadores é preciso ter experiência, catimba, força e golpes baixos, foi desmentido em 14 jogos. Até porque uma Libertadores, vez por outra, pode ser vencida por um Once Caldas, Olímpia ou Vasco da Gama.

Acontece…Mas vencer uma Libertadores na base do talento e entrar para a história é para poucos. Alguém se lembra do time do Cruzeiro campeão? Pois é…

O Flamengo de 1981 foi um divisor de águas do futebol brasileiro. Um time inesquecível, onde jogador botinudo não se atrevia a cruzar os portões da Gávea. Ali só tinha vaga para quem entendia do riscado, para quem sabia estar reescrevendo a história provando que é possível vencer, convencer e encantar.
E depois o Japão. O Liverpool, a quem o Flamengo iria enfrentar, havia vencido três das cinco últimas edições da Champions League (e depois ainda venceria mais uma). Esse feito nunca mais foi repetido, nem mesmo os Barcelonas, Real Madrids, Manchesters e Internazionales entupidos de astros conseguiram chegar perto da façanha dos homens da terra dos Beatles. Logo, não era qualquer um que nos esperava.
E o Flamengo? Quem olha para o passado pode ter a impressão de que estavam em campo monstros sagrados, nomes incontestáveis, a nata do futebol brasileiro. Mas até 1981 as coisas não eram bem assim…veterano de verdade só o goleiro Raul.
O ponta esquerda Lico tinha completado 30 anos e era a referência de experiência. Mozer tinha 21 anos, Leandro 22, Tita 23, Andrade 24, Junior e Adílio 25. Marinho, Nunes e Zico, um pouco mais velhos, tinham 26, 27 e 28 anos. Só Zico havia disputado uma Copa do Mundo. O técnico, Carpegiani, que fora inscrito na Libertadores como jogador e terminou como treinador, tinha apenas 32 anos e dirigia seu primeiro time.
Apesar disso, ninguém tinha complacência com a equipe ou tratava aqueles jovens como um time de garotos. Eram homens feitos, sem chances de refastelarem-se nas esbórnias que a boleirada de hoje em dia se esbalda.
E fizeram história. Uma história de amor, épica, heróica. O Flamengo sempre foi grande, mas foi ali que se tornou majestoso, inatingível. A Nação Rubro-Negra, que já era enorme, se multiplicou. Quem não era Flamengo amaldiçoava o destino por ter feito escolhas erradas. Quem era Flamengo se tornava cada vez mais orgulhoso de si mesmo. O clube seguiu vencendo, conquistou mais e mais campeonatos, viveu tempos sombrios, voltou a triunfar, mas o que realmente importa é que a paixão se manteve intacta e a Nação não parou mais de crescer.
1981 partiu em dois a história dos clubes brasileiros. Antes eram as trevas, só as disputas regionais contavam. Depois de 1981 o Flamengo trouxe a luz. Conquistar a América e depois o Mundo passou a ser a prioridade dos rivais, em busca de igualar nosso feito. Alguns conseguiram, é fato. E nós ainda devemos o nosso bis. Mas ninguém nos tira a honra de sermos os pioneiros a mostrar ao Brasil o valor da estrela dourada em cima do escudo. Todo flamenguista, tenha 8 ou 80 anos, sente a emoção como se estivesse em Tóquio naquele dia mágico.
Um dia voltaremos a ganhar o Mundial. Múltiplos Mundiais, talvez. Mas nenhum será igual ao de 1981, o ano em que cantamos ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro.
Ricos, pobres, negros, brancos, cariocas, nordestinos, paulistanos, sulistas, nortistas, brasileiros, doutores, analfabetos, gordos, magros, bêbados, abstêmios, cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, ateus, direitistas, esquerdistas, monoglotas, poliglotas, belos, feios, todos unidos pela única causa que lhes é universal: acima de tudo, Rubro-Negros. Conte conosco, Mengão. Nós sempre te amaremos!
30 anos é muito tempo? Talvez para os outros. Para nós não. Celebremos trinta anos essa noite, trinta anos todas as noites. Os sonhos não envelhecem.
Jamais.