Nesta segunda, abrindo uma vez mais a semana, temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é a privatização da telefonia, desmistificando algumas das coisas que a grande imprensa e os políticos martelaram à época.
Particularmente, confesso que não tenho opinião totalmente formada sobre a questão. Talvez optasse por um modelo de economia mista, com sócios privados tocando o dia a dia e o governo com a chamada “golden share”, que permitisse poder de veto em questões estratégicas.
O certo é que eu jamais teria feito da forma como foi conduzida, com muito dinheiro público, suspeitas de propinas multimilionárias e entrega do setor nas mãos de poucas empresas – e praticamente todas estrangeiras, a propósito.
Vamos ao texto.
Privatização da Telefonia, Tantos Anos Depois
Vou poupar o trabalho dos preguiçosos e escancarar a minha opinião logo aqui no lead: considero positiva a privatização da telefonia. Portanto, esse não é um texto de um estatista ferrenho, de alguém que pretende surfar na onda do “Privataria Tucana” para remexer velhas mágoas.
O que há anos me incomoda é a comparação injusta do cenário atual das Telecoms com os tempos do sistema Telebrás. Todos os adoradores da ideologia Demo-Tucana são unânimes em dizer que hoje nós só falamos em celulares e acessamos a Internet porque Sua Santidade Fernando Henrique Cardoso I, do alto de sua bondade eterna, nos concedeu essa graça.
Recentemente, um articulista da Veja, de quem gosto muito, derrapou feio ao dizer que antes da privatização a Telebrás “cobrava R$ 10 mil por um telefone e não entregava”. Não sei se foi um ato falho da memória ou se era caso de má intenção mesmo, mas nunca vi nada tão impreciso em tão poucas palavras.
Primeiro que não eram “ R$ 10 mil”. O valor mais alto já cobrado pela Telebrás foi de exatos R$ 1.117,63. Pouco ou muito, é praticamente 10% da quantia afirmada pelo cronista [N.do.E.: e mesmo atualizado pela inflação aos dias de hoje não passa de R$ 3 mil]. E não venham me dizer que esse era o valor praticado no mercado negro. Não era. Vou falar confiando apenas na memória, mas o telefone mais caro custava no máximo uns R$ 4 mil em valores de época.
Segundo, não é correto dizer que a Telebrás cobrava esses mil e poucos reais pelo “telefone”. A coisa era um pouco mais complexa. O uso de uma linha telefônica era privilégio dos acionistas da companhia. Mas não havia telefones para todo mundo. Então as companhias telefônicas lançavam os famigerados “planos de expansão”. Com essa moda de americanizar tudo o que for possível, talvez hoje os tais planos fossem chamados de “crowdfunding”, porque o princípio é o mesmo: uma multidão colocando um pouquinho de dinheiro para financiar determinado investimento.
As companhias telefônicas vendiam contratos, chamados de “participação financeira” e o dinheiro arrecadado por essas vendas financiava a expansão da rede de telefonia. Quando a rede ficava pronta, os adquirentes dos contratos recebiam o direito ao uso da linha JUNTO com uma quantidade de ações preferenciais da empresa. Logo, o valor que investiam era devolvido, tempos depois, em ações comercializáveis em bolsa.
Um sistema terrível e altamente criticável, estou de acordo. Mas não é certo dizer que a Telebrás “cobrava pelo telefone” esse valor absurdo.
Por que a privatização foi boa?
Bom, a começar pelo fato de que esse “crowdfunding” é a prova irrefutável de que o estado brasileiro não tinha condições de realizar os investimentos na velocidade que a demanda exigia. O capital privado foi indispensável para rapidamente injetar dinheiro no negócio.
Segundo porque a concorrência entre diferentes operadoras trouxe benefícios para o consumidor, ao nos dar a opção de escolher por diferentes serviços e tarifas. Monopólio quase nunca é bom.
Feitas essas ressalvas, é preciso reconhecer que o ambiente de negócios das Telecoms a partir da década de 2000 é completamente diferente do ambiente até meados dos anos 90, quando ocorreu a privatização.
Até então simplesmente não existia banda larga, a quantidade de celulares era incipiente, as tarifas eram muito baixas. Era um modelo de negócio completamente diferente do que é hoje, porque a receita auferida por uma operadora de telefonia era muitas vezes menor do que nos dias atuais.
A Internet, vale lembrar, surgiu em 1994, menos de quatro anos antes da privatização do sistema Telebras. A telefonia celular, analógica, de baixa qualidade, surgiu na primeira metade da década de 1990 – em SP, maior mercado do país, apenas em 1993. A telefonia celular digital, de maior alcance e qualidade, só em 1998, em paralelo à privatização.
Não precisa ser expert para concluir que se antes uma companhia telefônica tinha o seu negócio limitado aos terminais fixos, que só falavam entre si, a partir de 1998 passaram a ter a opção de acessarem a rede celular e o tráfego de dados, esse cada vez mais.
Foi a mudança do ambiente de negócios – e não a dicotomia entre público/privado – que mudou a cara da telefonia no Brasil. Aliás, no Brasil não, no mundo inteiro. Vejam o caso da AT&T. Em 1994 a empresa faturou cerca de US$ 40 bilhões com seus serviços de telecomunicações. Em 2010, impressionantes US$ 125 bilhões. Será que a Veja acha que lá também teve o dedo mágico de FHC para gerar tanto crescimento?
Repito e resumo: embora a privatização tenha trazido benefícios, o que impulsionou o crescimento espantoso da telefonia no Brasil não foi a venda do sistema Telebrás. Foi, puramente, a mudança radical do comportamento dos usuários, alavancada pelas mudanças tecnológicas.