Após uma longa ausência, temos de volta a coluna “Sobretudo”, assinada pelo publicitário Affonso Romero. O tema de hoje são as questões envolvendo o “copyright” e as tentativas da indústria fonográfica e políticos reacionários de controlar o que se pode fazer na internet, além de levantar alguns aspectos pouco lembrados do debate. 
Aliás, este tema foi alvo de excelente matéria na “Carta Capital” semana passada, infelizmente só disponível em mídia impressa.
Antes de passarmos ao texto, um dado para os leitores refletirem: 90% da discografia de samba está fora de catálogo. Ou seja, não tenho o direito de comprar, mesmo querendo. E irei preso por baixar este patrimônio da música brasileira?
Copyright is wrong
Há uns poucos anos, no Faustão, o gordo lá, com uma campanha paga pelas gravadoras, perguntava a todos os convidados o quanto a pirataria prejudicava a vida dos artistas, puxava o assunto, ele mesmo respondia, aquelas coisas dele… aí me entra o Zeca Pagodinho, o Fausto ataca de “vendeu quanto deste disco, Zeca?”
“- Ah, já vendeu um montão, o disco tá indo bem, Fausto.”

“- Ô loco, meu!!! Esse é o Zeca!!! E isso num país que tem pirataria. Se vendeu isso, era para ter vendido 10 vezes mais. Isso prejudica o artista, não é Zeca?”

“- Só se for os outros, Fausto. Porque, para mim, é até bom. Eu vivo de show. Esses caras divulgam a minha música, o show…”
Corte rápido, aumenta o BG da banda. ” Quem sabe faz ao vivo, meu. Zeca Pagodinho!!!”
Copyright, ao contrário do que dizem, é um abuso sobre o direito autoral. As primeiras reuniões internacionais sobre isso não visavam a proteção do autor, do homem por detrás da obra. A preocupação sempre foi de preservar as exclusividades do capital. Os grandes beneficiários são as corporações. Desde o século XIX, porque é um modelo que começou torto.
O atual lobby no Congresso Americano a favor da aprovação de regras restritivas à troca de informação e arquivos na internet, além de um atentado à liberdade de expressão, é uma luta de corporações contra o cidadão comum. Nenhum artista sério deveria ser envolvido nesta cruzada rumo ao obscurantismo.
Algumas das mais importantes regras do mercado de direitos sobre obras foram impostas pelo governo americano. Os europeus tinham propostas muito mais livres, mas os conglomerados americanos impuseram rigidez ao trato dos direitos autorais. Quem quiser que procure nos livros de História ou nos primórdios do chamado Direito Autoral.
Nenhuma obra, seja ela científica ou artística, é fruto do nada, é uma afloração espontânea do gênio humano. Toda criação, na verdade, é uma adaptação, uma “re-criação”.
Ninguém fez a primeira música, por exemplo. 
Uma “primeira música” humana foi fruto de um estalar de árvore, da reverberação de uma pedra, do canto de um pássaro, de uma imitação da natureza. A música é um dom de Deus, é uma coisa natural que vai sendo rearranjada, reordenada. Assim como o autor não paga nada ao autor anterior, eu não devo pagar nada ao autor, tampouco à gravadora, à editora, à distribuidora.
É diferente do disco. Eu compro disco. Estou pagando pelo veículo, pela forma, pela embalagem tecnológica, pelo invólucro da música. É diferente do show. Eu vou a shows. Estou pagando pela presença física do artista, pelo trabalho, pelo local e equipamento, pelo tempo que dedicaram ao meu prazer auditivo.
Eu respeito o trabalho, respeito o artista, respeito os técnicos e até os burocratas do showbizz. Pago pelo trabalho deles, mas não por um coisa etérea que, afinal, é o trabalho de toda uma sociedade, de toda a História, do arcabouço cultural, não é só fruto da imaginação do autor.
Alguém que cria um samba, criou o samba do nada, nunca ouviu um samba, desconhece todo o arcabouço cultural do samba? Pede para um esloveno, que cresceu e viveu na Eslovênia, para ele criar um samba, ele consegue? 
Os criadores de sambas do passado, os primeiros homens a colocar a pele de animais sobre o tronco oco de árvores para fazer o primitivo atabaque, o primeiro branco a estruturar sobre aquele pulsar ritmico uma harmonia européia, aqueles que adaptaram intuitivamente a pentatonia à dodecatonia… quando o sambista de hoje faz seu samba, paga algum tributo a estes senhores mortos há décadas, séculos? Então, por que eu devo pagar pelo direito autoral, se o próprio autor se apropria de conceitos anteriores sem pagar por isso?
Ora, cultura está no ar, é como o oxigênio que se respira, não há pedágio para isso. 
Eu escrevo textos, faço poesia, já fiz muita música, já fiz jingle. Esta não é a opinião de alguém que só consome cultura. É de alguém que, apesar de insignificante na indústria cultural, produz aqui e ali bens culturais. Este texto mesmo, o que é? Algo que, em teoria, deveria ser protegido por copyright, certo?
Pois eu não quero receber por isso. Não pela autoria.
Claro que isso não dá ao direito que alguém cobre por mim, que se aproprie do tempo que eu levei escrevendo este texto para receber dinheiro por ele no meu lugar. Isso sim é roubo. Este direito deve ser protegido.
Assim como não é correto que alguém publique sem declarar autoria, ou deturpe. Isso deve ser protegido.
Não defendo a exploração comercial da obra alheia, do trabalho alheio. Defendo o direito de ir e vir da obra de arte, do trabalho científico, da informação, do bem cultural. Defendo o direito de troca pessoal de conteúdos, sem utilização comercial.
Defendo que uma música possa ser ouvida na internet com a mesma liberdade que pode ser ouvida no rádio. O que muda? O meio? Defendo que possa ser baixada na internet da mesma forma que eu podia grava-las do rádio numa fita k7. 
O que mudou? A tecnologia?
Quem acha que é a mesma coisa ouvir a música baixada em mp3, por exemplo, ou gravada de fábrica sobre um CD, das duas uma: ou é surdo ou forçou a barra. Ou – o que é mais provável – ficou deseducado musicalmente pela saraivada de sub-música de péssima qualidade oferecida pelas mesmas corporações que agora reclamam.
Efetivamente, dá no mesmo ouvir ‘É o Tchan’ em qualquer midia. Mas é diferente ouvir Miles Davis. Quem optou por um modelo comercial em que a sonoridade do Michel Teló é o que há não pode reclamar de nada. A indústria se fez sobre um bem cultural diluindo este bem culural até transforma-lo em nada. É suicídio, e depois o próprio suicida reclama da arma que o matou.
O Walter Monteiro, autor da coluna “Bissexta” dese blog, faz alguns dias apenas cunhou uma frase muito boa, que era algo como: “as gravadoras só existem por causa da evolução tecnológica; e passam a vida a brigar contra a evolução tecnológica.” Era assim a frase, Walter? Mas era por aí, e é uma constatação muito boa mesmo. Só espero não ter incorrido em crime ao “samplear” a frase do Walter no meu texto. 
Afinal, ele é advogado.