O leitor deve se lembrar que semana passada comentei em post aqui a decisão do ex-candidato a presidente José Serra em se candidatar a Prefeito de São Paulo. Hoje quero falar de aliança para lá de insólita que está ocorrendo aqui no Rio de Janeiro, entre o ex-governador Antony Garotinho e o ex-prefeito da cidade do Rio Cesar Maia (na foto). O filho deste último, Rodrigo Maia, será candidato a prefeito, com a filha de Garotinho, Clarissa, na vice.

Além disso, o acordo inclui candidaturas conjuntas nos outros municípios do Estado, sempre que isto for possível e não ferir interesses da dinâmica municipal própria. Claramente é uma tentativa de enfrentar com algum sucesso o grupo dominante atualmente na política carioca.

É o tipo de acordo que não faz o menor sentido para o eleitor, mas perfeitamente explicável pela dinâmica da política em si. O que mostra que na maioria das vezes o jogo político e eleitoral está completamente dissociado do interesse público.

Cesar Maia vem em baixa após mandar por 16 anos na Prefeitura do Rio de Janeiro, entre 1992 e 2008 – e, a meu juízo, praticamente destruí-la. Foi candidato a Senador em 2010 e derrotado inapelavelmente. Sua densidade eleitoral claramente está em queda, tanto que só reelegeu o filho deputado federal graças a uma manobra que fez Índio da Costa vice na chapa presidencial de José Serra. Nas próximas eleições deverá ser candidato a vereador, o que mostra bem como diminuiu seu cacife. Ainda enfrenta desconfianças de probidade dado o episódio da Cidade da Música – que contei em post no ano de 2010 – obra até hoje não concluída.

Garotinho foi governador entre 1998 e 2006 – neste segundo mandato através da esposa Rosinha – mas está em baixa devido a acusações de corrupção. Foi o deputado federal mais votado em 2010 – com 700 mil votos, mas quase não assumiu o cargo devido à Lei da Ficha Limpa. Sua esposa é atual Prefeita de Campos, mas teve de enfrentar uma batalha judicial para ser investida no cargo pelo mesmo motivo. Aliás, a Prefeitura de Campos é a única ocupada pela aliança PR/DEM no estado do Rio de Janeiro.

Para os eleitores, a aliança não faz o menor sentido. Os dois políticos sempre foram adversários políticos, sempre empreenderam políticas de governo antagônicas e sempre trocavam acusações mútuas. Chega a ser engraçado ver a deputada Clarissa Garotinho afirmar, conforme matéria do portal Terra, que “existem semelhanças do ponto de vista administrativo (entre Cesar e Garotinho). Quando brigavam, todos reclamavam. Agora, temos que ficar felizes pela aliança do prefeito que mais fez pelo Rio, e do governador que mais fez pelo Estado”.

Como diria aquela canção antiga, o eleitor não está interessado em “mentiras sinceras”. Cesar Maia é típico representante das classes mais altas e abastadas, resvalando, quase, na “demofobia”. Garotinho é o típico populista de almanaque, com políticas conjunturais mas que não resolviam efetivamente os problemas.

Politicamente, contudo, este acordo entre o PR de Garotinho e o DEM de Cesar Maia faz sentido. A política carioca vem sendo dominada pelo grupo do ex-candidato a senador Jorge Picciani, cuja face pública é o Governador Sergio Cabral. Além disso, o PT carioca também faz parte do arco de alianças do Governador, de forma que a hegemonia política representada por este grupo, hoje, é inquestionável. Além de deter o Governo do Estado e a maioria esmagadora das prefeituras Cabral e seu grupo político ainda contam com o apoio do Governo Federal, o que vem se materializando em investimentos bastante expressivos tanto na cidade como no Estado.

Isoladamente, tanto Garotinho quanto Maia tem poucas chances de empreender oposição consistente ao grupo político dominante. Então, o cálculo, embora pareça estranho ao eleitor, é perfeitamente coerente: aliar-se a fim de enfrentarem juntos o mesmo adversário. Algo na linha do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”.

Teoricamente os dois grupos possuiriam eleitorados complementares, com Garotinho nas camadas mais populares e Cesar Maia nas classes média e alta. Entretanto, algo a ser visto é se a aversão dos respectivos grupos ao “neo aliado” não impactará diretamente as chances de sucesso de tal empreitada. Além disso, o grupo político de Cabral avançou bastante nos dois eleitorados, até porque o prefeito do Rio Eduardo Paes e o senador eleito Lindibergh Farias (possível candidato a governador em 2014 com o apoio de Cabral) possuem perfis que transitam bem nos dois grandes grupos do eleitorado.

Vale lembrar que, como dito acima, os dois políticos tem a imagem arranhada por denúncias de corrupção e por governos que se encerraram bastante impopulares, tanto no município como no Estado. Além disso, no imaginário da população representam o “velho”, enquanto que Paes, Cabral e aliados representariam o “novo” – apoiados por um marketing bastante eficiente, diga-se de passagem. Outro ponto que ameaça o sucesso desta parceria é a recente tendência do eleitorado de retornar a uma posição política de centro, após uma guinada à direita nos últimos anos.

Também há que se notar que Garotinho sempre teve a imagem associada a um eleitorado majoritariamente evangélico, que é rejeitado pelo eleitor médio de Cesar Maia. O grupo político do Senador e hoje Ministro da Pesca Marcello Crivella ocupou vastos espaços nesta parcela do eleitorado, mas o feudo de Garotinho ainda é expressivo.

Pelas palavras da deputada Clarissa Garotinho na mesma matéria há a intenção de se apropriar de parte do discurso de Cabral: “ninguém fica 16 anos no poder, na mesma cidade, se não for aprovado pela população. Assim como Garotinho, que saiu com 80% de aprovação popular. Nosso projeto, inclusive, ajudou a eleger o governador Cabral”. Entretanto, uma vez mais acho que as chances de sucesso desta estratégia são, para se dizer o menos, duvidosas.

O leitor mais antigo deste espaço sabe que não sou um entusiasta do projeto político do Governador Cabral e de seu grupo, em especial por estar preocupado demais com a imagem e recorrentes e mal explicadas denúncias de corrupção e de vantagens pessoais – um bom exemplo são as relações com a Construtora Delta, hoje quase onipresente nas obras públicas. Entretanto, não acredito que a aliança anunciada entre Garotinho e Cesar Maia vá ter um sucesso considerável, pois, como vemos, os problemas me parecem maiores que as vantagens pelo ponto de vista do eleitorado.

Finalizando, a mudança de postura do PSOL – que caminha para a radicalização por um lado e por outro com alguns posicionamentos no mínimo inusitados nos últimos meses – e o fato do PT estar coligado ao grupo dominante deixam o eleitor de centro esquerda como eu meio sem opção para sufragar seu voto, pelo menos aqui na capital do Estado. Acredito que muitos acabem “tapando o nariz” e votando em Eduardo Paes por considerá-lo uma opção “menos pior” que esta chapa “Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho”, que de nova só tem a idade.

Por isso mesmo considero que a aliança entre Garotinho e Cesar Maia possui escassas chances de sucesso que não sejam em municípios pontuais, bem como acredito que no município do Rio Eduardo Paes deverá ter uma tranquila reeleição, ainda mais se tiver um vice petista como se especula.