Na coluna “Orun Ayé” de hoje, o compositor Aloisio Villar faz um exercício analisando este mito em que se transformou o piloto Ayrton Senna e as causas desta sua “santificação” no imaginário popular.

Por meu turno, como escrevi esta semana no Twitter, umas das coisas que mais me irritam é o exército de “viúvas” do piloto que infestam a televisão e a internet a cada 1º de Maio, em um culto totalmente depropositado. Senna era um grande piloto – a meu ver longe de ser o melhor de todos, mas isto é discutível, assumo – que tinha qualidades e defeitos como qualquer ser humano. Para quem gosta de automobilismo como eu é um porre esta histeria coletiva em torno da imagem do brasileiro.

Vale lembrar, também, que as pessoas reclamam dos privilégios que Schumacher e Alonso tem na Ferrari sobre pilotos brasileiros, mas que Senna fez igualzinho – Berger que o diga… Passemos ao texto.

O Brasil e Senna

Tentei passar por essa data como quem não quer nada: mas não tem jeito. O Brasil não deixa esquecer que 1° de maio é aniversário de morte de Ayrton Senna.  

Ano passado nessa data escrevi e falei de Senna comparando com a morte de Osama Bin Laden e como cada povo vê a morte dentro daquilo que ele considera importante: EUA guerras, Brasil esportes. Hoje toco no assunto Senna por outro ângulo.

Nesse aniversário de morte circulou uma montagem com o Senna saindo ileso do carro da Willians após o acidente, imagem que todos nós torcemos muito para ver naquela manhã de domingo e invariavelmente veio na mente de quem viu a montagem a pergunta: “e se…”

Não sou muito partidário do “se”: eu tenho a tese que se Adão fosse gay e não tocasse na Eva seríamos todos protozoários hoje. Todavia é inevitável fazer um exercício de “futurologia”, acho que todos já se pegaram pensando em algum momento em como teria sido o futuro do Senna.

Não vi os autores nem o nome do livro porque peguei a matéria na metade, mas dois escritores resolveram fazer um livro contando o “futuro” de Ayrton Senna e foram falar sobre a obra no programa “Linha de Chegada” do Reginaldo Leme no SPORTV. Achei a tese tão “maionésica” que me interessou e deu vontade de ler.

Pela tese deles Ayrton teria sido campeão mundial em 1994, repetiria a dose em 1995 e se transferiria para a Ferrari em 1996. Todos sabiam do sonho de Senna em pilotar a Ferrari, mas não tinha ido ainda pela escuderia não estar preparada na época; então ele iria em 1996, ano onde quem foi na verdade foi Michael Schumacher.

Seria campeão em 1996 [N.do.E.: com aquela Ferrari, nem Jesus Cristo seria] e com o hexacampeonato abandonaria a F1. Schumacher e Barrichello seriam companheiros de equipe, mas na McLaren e graças ao prestígio adquirido Senna seria presidente da FIA. Em sua gestão o Brasil ganharia outro GP, o GP das Américas disputado nas ruas do Rio de Janeiro e depois ele passaria o bastão da FIA para Jean Todd, ex chefão da Ferrari e que hoje é realmente o presidente da FIA.

Esse é o exercício deles, eu nesses anos fiz outros. Não sei se ele seria campeão em 1994, estava muito atrás de Schumacher na pontuação, tudo bem que Damon Hill na ocasião da morte também não tinha pontuado e quase foi campeão, mas cada caso é um caso [N.do.E.: aqui vale lembrar que Hill só chegou nas últimas etapas com chances graças a algumas decisões discutíveis da FIA].

Mas acho que Senna teria sido mais vezes campeão. Duas, três, não sei, mas teria sido e para mim viraria empresário, talvez tendo sua escuderia de F1, falindo como Alain Prost e quem sabe virando comentarista de F1 na Globo no lugar do Luciano Burti.

Mas principalmente, seja no caso de futurologia do livro, o meu, de qualquer um ocorreria o mais importante: Senna seria um ser humano.

Porque não é o que ocorre hoje. Senna foi um extraordinário piloto, um excelente atleta, para muitos o maior piloto de automobilismo que já existiu, mas é um cara que não envelheceu como todo ser humano – seja gênio ou não. Não envelheceu, não entrou em declínio. Senna não tomou voltas nem perdeu cargos para pilotos mais jovens. Não deixou a F1 e voltou alguns anos depois perdendo espaço para um garoto, como no caso do Schumacher.

Usando como exemplo outro esportista brasileiro genial: nós não vimos o seu declínio esportivo e físico como vimos de Gustavo Kuerten, que foi o melhor do mundo em um esporte que o Brasil era nada e voltou a ser nada depois dele, mas que não foi muito maior devido seu lado físico e nós vimos sua decadência.

A morte transformou Ayrton Senna em um herói do nível de Tiradentes e Zumbi dos Palmares, sendo que tudo que ele fez foi com seu imenso talento aproveitar as inúmeras oportunidades que teve. Nasceu em família rica e sempre teve apoio dessa família e desse dinheiro, lógico que tem seus méritos porque muitos tiveram essas oportunidades e dinheiro e não aproveitaram. Contudo não podemos chamar o Senna de um cara que sofreu e suou pra ser alguém.

Tem gente que praticamente considera o Senna um Messias, o reinventor do Cristianismo, um cara sem defeitos – e não era assim. Ayrton tinha qualidades e defeitos como qualquer pessoa, arrumou muitos inimigos na F1, fez manobras que não orgulham ninguém (inclusive valendo título mundial) e tinha posições políticas muito complexas como ser eleitor e defensor ferrenho de Paulo Maluf.

Nesse exercício de futurologia penso o que suas convicções políticas teriam feito com ele, será que suas posições, seu modo de pensar não poderiam prejudicá-lo no futuro?

No auge de sua carreira nada dava certo no país, seja no futebol, economia, política e isso ajudou na idolatria a Senna porque ele era o Brasil que dava certo e as pessoas seguiam tanto essa idolatria que mesmo suas controversas posições políticas não importavam.

Mas o Brasil mudou.

Em 1994 mesmo o futebol se recuperou – sendo campeão mundial depois de 24 anos e repetindo a dose em 2002. O país melhorou. Em 1994 surgiu o plano Real que estabilizou a economia e acabou com a inflação. Fernando Henrique Cardoso foi eleito e em seus oito anos de governo manteve o controle inflacionário.

E em 2002 Lula foi eleito mantendo a economia forte e melhorando os aspectos sociais, melhorias que continuam no governo Dilma.

O Brasil de hoje é mais maduro, mais sólido que o Brasil de Ayrton Senna. Hoje uma pessoa da classe C é capaz de ter tv de LCD e viajar de avião… É evidente que as dificuldades são muitas ainda, a corrupção parece impregnada em nossa alma, mas hoje o Brasil mostra ao mundo força e estabilidade enquanto a Europa pede socorro. Nossa democracia é sólida como não era na primeira vitória de Ayrton Senna em 21 de abril de 1985 no circuito de Estoril em Portugal. Data da morte de Tancredo Neves.

Ayrton Senna não foi herói, não era acima do bem e do mal nem andou com sua McLaren sobre as águas. Ayrton Senna foi um excepcional atleta, um homem com extremo talento e um motivo de orgulho e felicidade para um país que necessitava de vencedores e alegrias. Senna por muitos anos foi o único motivo de alegria de nosso povo. Pessoalmente tenho ótimas lembranças de suas corridas memoráveis e de suas vitórias carregando a bandeira do Brasil e é assim que temos que lembrar dele: não com devoção religiosa, mas com saudade e orgulho.

Ele não levantou da Willians andando, não foi presidente da FIA nem virou comentarista da F1 pois não dá pra lutar contra o destino, mas cumpriu muito bem a corrida de sua vida e cruzou a linha de chegada com sua missão cumprida.

A corrida do Senna acabou, mas a do Brasil continua. O Brasil do Ayrton, do Pedro, do Aloisio.. sem exercícios de futurologia, mas com esperanças que ele seja bom. E quem sabe no futuro a gente não precise jogar em esportistas toda a responsabilidade das vitórias e orgulhos de uma nação.

Valeu Ayrton. Mas agora é com a gente. Orun Ayé!

One Reply to “Orun Ayé – "Senna e o Brasil"”

  1. Rsrsrsr! Você pregando contra essa religião, acaba perpetuando o culto ao nome dele!

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