Na minha recente viagem a Porto Alegre, uma das leituras que consegui empreender foi a de “Sanguessugas do Brasil”, do jornalista do “Correio Braziliense” Lucio Vaz. É uma coletânea de reportagens investigativas feitas pelo autor em suas andanças pelo Brasil – e por Brasília.
Entre matérias sobre escândalos recentes como o dos sanguessugas ou o das ambulâncias, bem como o do Mensalão – este, aliás, bastante superficial – há três capítulos que mostram diferentes aspectos de uma questão que eu não conhecia e que a meu ver é um problema ambiental, econômico e social claro: a indústria de celulose e o espalhamento das plantações de eucalipto.
Basicamente, como funciona o fabrico de papel? Gigantes plantações de eucalipto fornecem a madeira que será picada, cozida e transformada em pasta de celulose. Esta é exportada e no exterior há a transformação final em papel tal como conhecemos.
Nos últimos anos temos grandes empreendimentos em fase de instalação ou operação aqui no Brasil: a Celulose Riograndense, no município de Guaíba (RS), já em operação e que pretende ampliar seu parque fabril até 2014, pertencente ao grupo chileno CMPC.
No Espírito Santo a antiga Aracruz Celulose, hoje controlada pelo Grupo Fíbria (cujos maiores acionistas são a Votorantim e o grupo BNDESPar), detém extensas florestas de eucaliptos na região do município de Aracruz. O Grupo Fíbria também possui fábricas e áreas cultivadas com eucaliptos nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, entre outros.
Em território baiano temos a Veracel, fábrica de propriedade de uma joint venture entre a já citada Fíbria e a sueco-finlandesa Stora Enso. Para abastecer a fábrica localizada entre os municípios de Eunápolis e Belmonte a empresa possui extensas reservas de eucaliptos que abarcam todo o sul da Bahia.
O mais novo empreendimento, em fase de obtenção de licenças e previsto para 2018 é a Braxcel Celulose, em Tocantins. Parceria entre um sócio asiático e a brasileira GMR, pretende plantar 100 mil hectares de eucaliptos próximo ao município de Peixe (TO).
Obviamente aqui não listei todos os investimentos existentes no Brasil, mas apenas os mais recentes ou que tenham sido alvo do livro. O leitor deve estar se perguntando qual o problema que há neste tipo de investimento, que gera empregos e divisas, certo?
Pois há vários.
O primeiro deles é o dano ao ecossistema e consequentemente às populações do entorno. Tanto a cultura quanto as fábricas possuem a característica de serem intensivas em consumo de água, o que vem gerando sérios problemas às comunidades de entorno. O consumo de água, em especial pelas florestas de eucaliptos, é maior que a capacidade de reposição das nascentes e poços, o que leva ao esgotamento destas fontes e à desorganização da economia e mesmo da vida cotidiana destas comunidades.
É fenômeno que se repete em todas as áreas de plantio: os eucaliptos acabam monopolizando a água disponível e as comunidades no entorno acabam tendo dificuldades para manter as suas culturas de subsistência, o gado e em alguns casos até mesmo a água potável para consumo humano.
Além disso há outros problemas ambientais: os animais nativos ficam sem seu habitat e as próprias fábricas de pasta de celulose, além de gerarem mau cheiro, ainda não possuem o sistema de descarte de resíduos totalmente adequado – na Bahia, particularmente, esta questão é mais séria.
No pampa gaúcho, por exemplo, o cultivo indiscriminado de eucaliptos, exógenos ao bioma local, está causando na região de Alegrete a desertificação das terras em volta, gerando um problema sério não somente ambiental como social. Esta é uma consequência séria: o eucalipto torna a terra imprestável para outros cultivos.
Outra questão é que a geração de empregos está longe de ser a alardeada pelas empresas, e pior ainda: em casos como o da Veracel a maioria dos empregos foi preenchida por gente que veio de fora. Cidades como Porto Seguro tiveram suas periferias invadidas por desalojados das zonas rurais, cujas culturas de subsistência perderam rentabilidade – ou se extinguiram, ou foram desalojados pelos eucaliptos – e não tiveram acesso aos empregos oferecidos pela indústria, intensiva em capital e mecanização.
Ou seja, há uma desarticulação e desagregação das economias originárias locais, o que no balanço acaba gerando desemprego e um custo social bastante elevado. Vale lembrar que o benefício da arrecadação de impostos é apenas da cidade sede das unidades fabris, ao passo que as árvores se espalham por outras cidades – que acabam recebendo somente o ônus.
Questão séria, também, é a disputa envolvendo posse de terras com índios no norte do Espírito Santo. Há acusações sérias – e consistentes – de que a hoje Fíbria teria grilado terras onde índios moravam, gerando uma disputa judicial que se arrasta até hoje.
Aliás, este é um capítulo à parte: as artimanhas utilizadas pelas empresas para muitas vezes burlar a lei e poder adquirir grandes extensões de terras. São usados expedientes como laranjas, grilagens ou mesmo poder de persuasão sobre fazendeiros que tiveram seu modo de subsistência desarticulado pela própria dinâmica produtiva da celulose.
Obviamente a ação dos políticos é no sentido de enaltecer a presença destas indústrias, advogando uma industrialização a todo custo que nem sempre parece viável, por desarticular a economia local. Vale lembrar também que as indústrias de celulose aparecem entre as principais financiadoras de campanhas políticas nestes estados.
Não esgoto o tema aqui, longe disso – até por não ser especialista – mas queria ressoar o apelo do livro e alertar para os prejuízos ambientais, econômicos e sociais advindos da cultura de eucaliptos e do processamento da pasta de celulose.
Migão, já fui diversas vezes realizar trabalhos de consultoria na Jari Celulose, em Monte Dourado, no Pará.
Vale destacr o tamanho da área que esta empresa ocupa!
Prezado, o seu texto é muito bem elaborado, mas seu ponto de vista (e o do autor do livro que o inspira) tem cunho estritamente de militância MST.
Eu fico aqui imaginando como seria a vertente oposta do cenário que você descreve: vamos todos desmantelar essas monoculturas (não só as do eucalipto, como também a da soja, cana-de-açúcar, etc.), fechar as indústrias, demitir os funcionários e então, viveremos todos de cultura de subsistência!! Esqueçamos que vivemos numa economia de mercado, e vamos levar o país à bancarrota. Deixa o mundo lá fora, afinal, todo mundo terá sua hortinha mesmo não é?
Caro amigo, na verdade eu nem pesquisei a visão do MST – coincidência.
O que eu acho é que não se pdoem adotar soluções que desarticulem a vida de uma comunidade por causa de uma atividade que sequer valor agregado tem – a produção de papel é feita fora do Brasil
abs
Petroleiro criticando a cultura do eucalipto. Parece piada…
Bom, caro anônimo, não se tem notícia de produção de petróleo no Brasil que tenha desarticulado as comunidadees em seu entorno tal qual o feito pelo eucalipto…
sds