Notícia divulgada ontem causou grande polêmica no meio especializado do carnaval. O Salgueiro foi autorizado a captar cerca de R$ 5 milhões pela Lei Rouanet para poder financiar o seu carnaval para 2013 – que conta com o título “Fama” e resulta de acordo de patrocínio com a revista “Caras”.
Na prática, o “patrocínio” da revista à escola será abatido nos impostos que a editora Abril, dona da revista, teria a pagar ao governo. A escola é autorizada a captar e a empresa que já havia assinado contrato com a agremiação efetua o patrocínio via lei Rouanet – com renúncia fiscal. Em última instância o “patrocínio” pelo qual o Salgueiro vendeu seu enredo de 2013 sairá – se sair, mas esta é outra história – do seu, do meu, do nosso dinheiro, caro leitor. Pelo menos de acordo com o divulgado por fontes públicas – não tive acesso aos detalhes da negociação para confirmar se já houve pagamento de valores saídos direto do caixa da editora.
Em artigo sobre a profissionalização das escolas, que escrevi pouco antes do carnaval deste ano e que em versão reduzida foi publicado no jornal O Dia – que pode ser lido aqui – abordei este tema dentro de uma perspectiva maior que era a profissionalização das agremiações. Hoje, entretanto, abordarei de forma mais detalhada este aspecto.
O modelo atual de patrocínio nas escolas de samba carioca, em termos dominantes, é o da “venda” de seu enredo ou tema para o desfile de carnaval. A empresa paga – às vezes não, mas esta é outra história – para ser retratada no enredo.
Comparando, é como se a revista Caras patrocinasse uma peça de teatro onde a publicação fosse o tema da peça. Ou um filme tendo a Volkswagen como roteiro, para se falar de outro enredo praticamente confirmado – o da Acadêmicos do Grande Rio sobre a história do Fusca.
Como o leitor pode perceber, é algo completamente diferente – e porque não dizer, é anômalo. Entretanto, há explicação para este modelo direto de patrocínio onde quem paga a conta vira enredo.
De acordo com o regulamento do desfile de 2012 do Grupo Especial, organizado pela Liga Independente das escolas de samba (Liesa), o inciso VIII do artigo 26 proíbe o merchandising direto de empresas, de acordo com a redação abaixo:
VIII – não utilizar, distribuir ou apresentar-se com qualquer tipo de “merchandising” (implícito ou explícito) em Enredo, Alegorias, Adereços, Alas, Destaques, Samba-Enredo ou quaisquer outros meios, exceto:
a. nas vestimentas dos Empurradores de Alegorias;
b. em prospectos com letras do Samba-Enredo;
c. nos instrumentos musicais da Bateria, desde que sejam as marcas de seus respectivos fabricantes.
Parágrafo Segundo. Especificamente para os Incisos VII e IX deste Artigo, a penalização poderá ser de 1,0 (um) ponto para cada Inciso, a qual será proposta pela Comissão de Verificação das Obrigatoriedades Regulamentares, de que trata o Artigo 15 deste Regulamento, e aplicável a juízo do Presidente da LIESA.
Ou seja, nomes de empresas ou logomarcas não podem aparecer de forma explícita ou implícita sob pena de perda de pontos. Hoje, um ponto de penalização significa ficar de fora até das posições que dão direito a desfilar no Sábado das Campeãs, que é uma importante fonte de renda para as escolas.
Esta proibição gera uma limitação séria ao modelo: por exemplo, as agremiações não podem no início de seu desfile fazer o que observamos em shows e peças teatrais: anunciar o nome de todos os patrocinadores e “apoiadores” daquele espetáculo. O modelo indireto de patrocínio acaba tendo uma exposição menor – e isso diminui o valor percebido.
Por esse motivo também que todo ano temos os chamados “enredos CEP”: uma cidade ou um estado pagam para ser enredo, sem as limitações da citação de marcas, e reforçam a imagem para fins de turismo ou ainda no próprio cenário de negócios. Nos últimos anos descobriu-se um novo filão, que são os países – somente em 2013 teremos a Inocentes de Belford Roxo com a Coréia do Sul e a campeã Unidos da Tijuca com a Alemanha.
Acaba sendo um grande negócio, pois a cidade, estado ou país é exibido em rede mundial durante 82 minutos ininterruptos, fora a mídia pré e pós desfile. Por outro lado, em média há uma queda considerável na qualidade do espetáculo apresentado pelas agremiações, especialmente na qualidade dos sambas – o ocorrido com a Portela em 2012 é absolutamente é uma exceção, até porque não era originalmente um “enredo CEP”.
Outra limitação que o modelo de patrocínio institucional possui é a recusa da emissora dona dos direitos de televisão de aceitar que as escolas anunciem seus apoios na transmissão, repetindo o que faz no esporte. Somente as empresas que anunciam na própria detentora é que tem o direito de ter o seu nome citado, o que é muito bom para a Globo mas péssimo para o modelo de negócio do espetáculo.
O zelo é tão grande que após o “marketing” de emboscada feito pela Portela em 2010 – onde a marca “Positivo” apareceu no meio do samba e foi veiculado durante todo o tempo do desfile – a emissora passou até a controlar os sambas para que tal fato não se repetisse.
Dois bons exemplos disso foram o boicote ao desfile da Grande Rio em 2010 – o som era suprimido no refrão que falava do “Camarote Nº1” da Brahma, e o carro que enfocava tal camarote simplesmente não foi mostrado na transmissão – e a Unidos do Porto da Pedra teve seu samba sobre o iogurte alterado entre o final da disputa e a gravação do cd por influência da emissora.
A televisão protege seus interesses, o que é esperado, mas acaba prejudicando o modelo do espetáculo. Alguma espécie de “meio termo” deveria, a meu ver, ser buscado nesta questão.
Outra questão que acaba distorcendo o modelo de patrocínio é a falta de transparência das contas das escolas e o próprio histórico dos dirigentes da maioria delas. Acaba sendo mais garantido bancar o enredo em si do que apoiar um outro modelo sem ter como controlar a difusão da marca.
Obviamente, é uma “faca de dois gumes”: há muitos casos de agremiações que vendem seus enredos, assinam o contrato e no final não recebem um centavo – com toda a parte artística e musical comprometidas tanto pela falta de recursos teoricamente destinados á realização do carnaval como pela dificuldade de se criar uma boa história a partir de certos temas.
Há muito a avançar no sentido de se estabelecer um modelo mais adequado às características do espetáculo, mas que a meu ver passam por alterações no regulamento, negociações com a televisão e mudanças na própria governança das agremiações.
A partir do momento em que possa haver citações de marcas, as escolas poderiam trazer um “pede passagem” antes do desfile com as marcas dos patrocinadores, citando-os no início de seus desfiles e permitindo um modelo que apóie a confecção do desfile sem se envolver diretamente na parte artística. Uma negociação com a televisão poderia também ser estabelecida a fim de ampliar a exposição dos patrocinadores – maior exposição, maior valor de marca, maior valor de patrocínio.
Por outro lado as agremiações tem toda uma série de quesitos “extra Marquês de Sapucaí” que podem ser valorados e render contratos de marketing. Exploração de quadra, contratos com cervejarias, licenciamento de produtos e ainda programas de sócio torcedor, entre outros, também podem sofrer processo de precificação e atrair potenciais investidores.
Entretanto, apesar de iniciativas como a da Unidos da Tijuca e da São Clemente o marketing das agremiações ainda é bastante incipiente.
A análise deste post é bastante superficial, mas fica claro que o modelo atual é inadequado e que há alternativas que possam ser buscadas a fim de não haver interferências sobre a parte artística e cultural da festa.
Voltarei ao assunto.
(Foto: Fabrício Gomes)