No dia de amanhã, sob intensa pressão da imprensa – mais que da opinião pública, mas esta é outra história – finalmente o Supremo Tribunal Federal começa a julgar o caso que ficou conhecido como o “Mensalão”.
De acordo com a denúncia oferecida pela acusação era um esquema de pagamentos mensais realizado pelo PT a fim de comprar apoio no Congresso Nacional. Chega a ser engraçado imaginar deputados com uma espécie de carnê de lojas de departamento ou apresentando boletos para venderem seu apoio…
O que se depreende do que foi divulgado objetivamente – porque neste caso tem muita, mas muita opinião e politicagem vendida como notícia – é que parece ter sido muito mais um caso clássico de “Caixa Dois” e repartição de sobras de campanha que propriamente compra de apoios. Até porque se realmente houvesse este esquema estruturado de pagamentos certamente na ocasião a oposição teria partido para um processo de impeachment.
Vale lembrar ao leitor que o esquema de “Caixa Dois” operado pelo publicitário Marcos Valério não era inédito: já havia sido utilizado pelo PSDB mineiro – e suspeita-se, o nacional – nas eleições de 1998 e posteriormente. Inclusive, apesar de mais antigo o processo está longe de seu julgamento no Supremo Tribunal Federal, o que deixa claro como o processo referente ao PT está sendo utilizado de forma política.
A revista Carta Capital desta semana traz uma excelente matéria sobre o mensalão mineiro, mostrando os supostos beneficiários do esquema e como ele operava. Mais uma vez, a impressão era de um gigantesco esquema de Caixa Dois e eventualmente propinas, não de compra de votos ou apoio.
A propósito, acho que seria interessante a revista esclarecer melhor a origem dos documentos: um deles apresentado na matéria consta como sendo de 1999, mas cujo reconhecimento de firma foi realizado em 2010. A publicação alega que conseguiu nos autos do processo, mas seria a meu ver de bom tom mostrar isto de forma mais clara.
Entretanto, a grande mídia trata esquemas iguais de formas diferentes: o mensalão tucano é “Caixa Dois”. O petista é “subversão institucional”.
Lógico que Caixa Dois está errado e precisa ser coibido pela lei. Entretanto, o que está me incomodando nesta história toda é que com raras exceções aqueles que clamam por punição não querem o combate à corrupção ou o cumprimento da lei, mas sim impor suas preferências ideológicas e partidárias ao arrepio da vontade popular manifestada pelo voto.
Alias, se o leitor me permite um parêntese: ao que parece o diretor de jornalismo da Globo Ali Kamel fortaleceu seu poder dentro da emissora e do grupo. Ultimamente os veículos do grupo radicalizaram suas preferências políticas, econômicas e especialmente ideológicas e vem se comportando com uma truculência que jamais havia visto nos mesmos. O bom jornalismo, o contraditório e a apuração dos fatos foram postos de lado em nome da defesa de interesses partidários e ideológicos (estes últimos resvalando no fascismo) de seu diretor e, talvez, daqueles que hoje comandam o grupo. Fecha o parêntese.
Sobre o mensalão em si, espero que não haja um pré julgamento e que as decisões e eventuais sentenças sejam dadas com base em argumentos técnicos e jurídicos. Refiro-me tanto ao caso petista quanto ao tucano.
Entretanto, meu foco nem é este circo que está se armando para tal julgamento, onde há claros interesses de um lado e de outro – mais da acusação – no sentido de pressionar o Supremo Tribunal Federal. Mas sim buscar formas de tornar menos suscetível à corrupção o sistema político brasileiro.
A meu ver o primeiro deles, sobre o qual já escrevi em outras oportunidades, é a questão do financiamento público de campanha. Sem dúvida o fato de termos apoiadores privados em candidaturas gera não somente uma possibilidade de tráfico de influência quanto da esperança de que este valor aplicado seja “devolvido” no exercício do mandato. O leitor seja honesto: quantos destes grandes financiadores corporativos doam valores por ideologia?
Escrevi um post em 2010 – que preciso atualizar – com a análise de alguns dados de financiamento partidário em 2009, ano em que não houve eleição. 68% dos valores doados por empresas para a soma dos quatro principais partidos na ocasião – PT, PSDB, DEM e PMDB – referem-se a empreiteiras, praticamente todas com obras públicas para efetuar.
O segundo maior setor foram os bancos naquela ocasião – lembrem-se os leitores que naquela época se vivia a consolidação do chamado “crédito consignado”, que é uma mina de ouro com risco quase zero às instituições financeiras.
Sobre o financiamento público de campanhas, escrevi em post de março de 2011 as linhas abaixo, que resumem a questão:
“Um dos pontos que constam em um eventual projeto de reforma política é o financiamento público de campanhas. Uma determinada verba pública é separada e destinada aos partidos e candidatos realizarem suas campanhas eleitorais, ficando vedada a utilização de recursos provenientes de pessoas físicas ou jurídicas.
Os opositores de tal proposta alegam que é um despropósito utilizar dinheiro de impostos para financiar campanhas. Entretanto, na prática é isso que ocorre hoje, pois como escrevi ano passado na prática os maiores doadores acabam sendo aquelas empresas que possuem mais negócios com as diferentes esferas de governo – ou seja, o preço acaba sendo maior para acomodar os valores investidos nas campanhas.
É um típico caso onde vale mais a pena se pagar diretamente os custos que indiretamente, na forma de bens e serviços providos ao Estado de pior qualidade e mais caros.”
O financiamento público de campanhas não acabaria com o “Caixa Dois”, mas tornaria mais difícil a sua utilização. Vale lembrar que punições aos doadores neste caso – como proibir de transacionar com o Estado – também teriam poder de coibir esta prática.
Segundo, uma reforma política que diminua a fragmentação da representação partidária no Congresso. Existem 30 partidos hoje em dia no Brasil, com 22 possuindo representação no Congresso Nacional. É muita coisa e, sinceramente, não há ideologias econômicas ou políticas suficientes para tanto partido.
Uma maior rigidez na formação e existência de partidos, bem como a existência de cláusulas de barreira, diminuiria a representação e tornaria (quase) desnecessários os conchavos. Da maneira que está hoje, se Jesus Cristo descer à Terra e for Presidente do Brasil terá de fazer acordos partidários – em especial com o PMDB – para conseguir levar o mandato a termo. Infelizmente, estes acordos não são programáticos e sim baseados no loteamento de cargos e na repartição de sobras de Caixa Dois.
O leitor raciocine comigo: há necessidade de mais que meia dúzia de partidos? Vamos lá: um de extrema esquerda, um social democrata, um de centro, um mais à direita e um de extrema direita. Talvez dois ou três que representem causas expressivas e específicas. E só – assim mesmo, já é muito.
Finalizando, a simplificação da Lei 8.666, que trata das licitações públicas. Do jeito que está, o processo licitatório é demorado, com inúmeras etapas e extremamente burocratizado – e isso se torna um convite a “acertos por cima” e à prática de “criar dificuldades para vender facilidades”.
Um processo simplificado e especialmente transparente permitiria elevar o controle da sociedade e reduzir a corrupção, além de diminuir o tempo necessário – com economia de custos significativa. Vale lembrar que o “retorno” do financiamento privado de campanhas eleitorais vem em sua maior parte de licitações superfaturadas e previamente acertadas.
Lembre-se, também, que pela própria natureza da contratação de bens e serviços públicos espera-se um preço ligeiramente mais alto que o praticado por empresas privadas – até porque o prazo de pagamento é maior, entre outros fatores.
Parêntese: muito do atraso das obras nos aeroportos para a Copa de 2014 advém justamente de dificuldades burocráticas criadas pela Lei 8.666.
Outro ponto que deve ser considerado é que como não há controles tipo TCU e outros em grandes empresas privadas, pode-se esperar que o índice de corrupção nestas seja maior vis a vis a entidades públicas.
Finalizando, seria salutar que o interesse despertado pelo julgamento levasse a propostas para se combater verdadeiramente a corrupção. Mas, infelizmente, não passa de política partidária.