Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloísio Villar, versa sobre os dois sambas que vem galvanizando a preferência dos amantes do samba neste período de disputas: o da parceria campeã da Portela – que já foi tema neste blog, acima – e o samba “galáctico” da Vila Isabel (no final deste post), com nada menos que Martinho da Vila, André Diniz e Arlindo Cruz na mesma parceria.
Pessoalmente acho o samba “galáctico” inferior à composição de 2012 da mesma Vila, mas reconheço que é questão de gosto. Também é um grande samba.
Complemento esta introdução dizendo que a Imperatriz, dependendo do que escolher, pode ter uma composição muito próxima a estas duas.
Portela e Vila – de novo
Ano passado tivemos uma boa safra de sambas, provenientes de uma boa safra de enredos. Dois sambas se destacaram dos demais e entraram para a antologia dos sambas de enredo desse século.
Um era o samba da Unidos de Vila Isabel feito por Evandro Bocão, Arlindo Cruz, André Diniz, Leonel e Artur das Ferragens para o enredo “Você sembo lá, que eu sambo cá! O canto livre de Angola” da carnavalesca multi-campeã Rosa Magalhães.
O samba tem como um dos autores André Diniz, o maior vencedor da história da agremiação e considerado por muitos o melhor compositor de samba-enredo da atualidade. André criou sambas primorosos para a escola – como em 1994 e 2000 – e se juntando ao renomado Arlindo Cruz fez um sambaço para contar a saga do povo de Angola.
Ter temática afro já ajuda muito: dificilmente você vai ouvir um samba afro ruim. Além disso, a parceria inovou com uma segunda de samba espetacular com perguntas e respostas – onde algumas pessoas erradamente definiram como “contracanto”.
Muitos duvidaram do sucesso da fórmula e deu certo demais. O samba da Vila passou com grande força, tirou nota máxima e entrou para a história do carnaval. Foi quase tudo perfeito para ele…
… Se não fosse o Barcelona dos sambas.
Eu fiz uma coluna para o samba da Portela do carnaval desse ano e dei à composição o apelido de “Barcelona”, me orgulhando do mesmo ter pegado.
O samba de Wanderley Monteiro, Luiz Carlos Máximo, Toninho Nascimento e Naldo para o enredo “..e o povo na rua cantando, é feito uma reza, um ritual” do carnavalesco Paulo Menezes se tornou uma grande febre logo na inscrição. A internet só falava nele, o mundo do samba só falava nele.
Um samba diferente, que lembrava sambas-enredo dos anos 70, com uma pitada de “Bahia de todos os Deuses”. Encantou e venceu.
Continuou sendo o grande samba do pré-carnaval e no desfile não decepcionou. Conseguiu as notas máximas e levou nada mais nada menos que oito prêmios de melhor samba do carnaval 2012, mostrando o porquê de ser o Barcelona.
Findou-se o carnaval 2012 e começaram os preparativos para 2013. A grande mudança foi a decepção com os enredos. Os belos e culturais enredos de 2012 viraram enredos bisonhos, com exaltação a coisas fúteis ou que nada tem a ver com nossa cultura. Em um ano grandioso de Portela e Vila quem acabou virando tendência foi o iogurte do Porto da Pedra – aliás, rebaixado para o Grupo de Acesso.
Mas eis que de novo Portela e Vila nos presenteiam com dois grandes sambas. Nenhum dos dois foi escolhido ainda, as eliminatórias ainda estão na metade, mas os sambas já tomaram conta do boca a boca como se fossem os sambas oficiais das agremiações e a pergunta que domina o mundo do samba é uma somente.
Qual é o melhor?
Na Portela tem um que promete ser o Barcelona versão 2013. A parceria é praticamente a mesma de 2012, sendo formada por Wanderley Monteiro, Luiz Carlos Máximo, Toninho Nascimento e André do posto 7.
O enredo celebra o berço da Portela e tem como título “Madureira…Onde o meu coração se deixou levar” do carnavalesco Paulo Menezes.
A parceria conseguiu algo mais difícil que fazer um samba antológico: fazer um samba antológico logo depois de um samba antológico. O samba concorrente tem a incrível e gostosa incoerência de ser igual e diferente do anterior.
Igual porque é diferente, por mais contraditório que isso pareça. Como o samba anterior a parceria procurou buscar o diferente, algo que não trouxesse a fórmula dos sambas atuais e conseguiu vir diferente dessa fórmula e diferente do que fizeram anteriormente.
O samba concorrente tem uma levada mais anos 80, lembra os partidos alto da época. Eu comentei com o Pedro Migão que lembra muito os sambas do Almir Guineto e em algumas partes parecia que eu conseguia ouvir a “dança do caxambu”. Não, não é plágio, eu falo de estilos.
E esse sambão conseguiu me conquistar mais rapidamente que o samba do ano passado. Que a parceria tenha sorte na disputa.
[N.do.E.: sem entrar em detalhes, diria que este samba tem excelentes chances de ir para a avenida.]
A única diferença pra mim em relação a 2012 é que para mim existe em outra escola um samba do mesmo nível. Como em 2012, a Vila Isabel pode ter o samba a se confrontar com a Portela, só que dessa vez acho que é de igual para igual.
Assim como na Portela, o grande samba vem da parceria campeã de 2012 somada com o lendário Martinho da Vila. Martinho da Vila, André Diniz, Arlindo Cruz, Tunico da Vila e Leonel assinam a obra prima que conta a história do homem do campo.
O nome do enredo é “A Vila canta o Brasil celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um” da carnavalesca Rosa Magalhães. O enredo conta a história do homem do campo e a parceria de forma magistral consegue passar a vida do campo na letra. É como se sentíssemos o cheiro do café e do bolo.
A letra tem umas jogadas geniais, como no falso refrão que na primeira passada fala em plantar e na segunda em colher. Mas eu acho que o principal mérito do samba é a simplicidade.
O mesmo mérito que eu disse ser o principal do “Madureira sobe o Pelô”. Compositores hoje em dia gostam de inventar muito, de fazer firulas. O simples sempre deixa tudo mais bonito, como dizia a Imperatriz: “Mais vale a simplicidade, a buscar mil novidades e criar complicações”.
Esses sambas vão ganhar? Irão à avenida? Nenhum deles foi escolhido ainda como eu disse acima, mas aí que eles começam a se diferenciar.
Apesar do papo de jogador de futebol que “o adversário é difícil e vamos lutar até o final para conquistar os três pontos”, ninguém acredita na derrota da parceria da Vila. Arlindo Cruz, André Diniz e Martinho da Vila não se unem para perder e não vão perder.
A questão da Vila é polêmica. A falta de competição da escola nesses últimos anos pode trazer problemas futuros para a escola e eu como presidente da agremiação faria de tudo para que não ficasse tão desigual a competição na minha agremiação. Isso afasta adversários e inibe a renovação da ala de compositores.
Mas é um sambão e enquanto for permitido que grandes compositores assim se unam, não há nada a fazer a não ser aplaudir.
Na Portela há sim competição. Tem sambas fortes como o do Neyzinho e não é impossível que perca, mas sinceramente eu não acredito e acho que os dois sambas irão para o duelo na avenida. O da Vila eu tenho certeza.
Por que Vila e Portela de novo como no ano passado?
Simples, basta ver os enredos que escolhem. Bons enredos dão bons sambas, enredos ruins dão sambas ruins e algum milagre de vez em quando. Mas milagre é milagre e se milagre fosse coisa frequente de acontecer não teria esse nome.
E por que as mesmas parcerias? Isso só o talento explica.
Se festa no arraiá é pra lá de bom, então ginga iaiá, ginga ioiô.
E habemus samba pra 2013. Orun Ayé!
Ps. Escrevi uma peça de teatro. É, uma peça estou ficando metido mesmo, me aventurando até nessa área. Enfim, ela se chama “Folhetim” e quem quiser dar uma olhada pra ver se escrevo bem ou é uma grande bobagem. Ela está no site “Recanto das letras”, passo abaixo seu link para baixar.
Ps 2 – A vida imitando a arte. Essa confusão toda que ocorre agora entre o candidato a prefeito Marcelo Freixo e as escolas de samba me lembrou do conto que escrevi sobre a escola de samba Acadêmicos do Gato Molhado e seu enredo sobre esterco. Será que o Freixo como prefeito daria a verba municipal pra comunidade “gatomolhadense”?