Nesta segunda, com algum atraso por culpa deste editor, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, fala sobre um tema bastante criticado e pouco analisado: a escolha dos candidatos a vereador.
O curioso é que ontem estava conversando com um ministro da Igreja Messiânica exatamente sobre o mesmo assunto: a necessidade da instituição ter seu representante na política.
Em tempo, ainda não defini meu voto para vereador.
Escolher um candidato a vereador é simples
Eu me envolvi em um debate essa semana. Pipocava gente indignada com candidatos à vereança que baseiam sua plataforma em ligações com coisas muito peculiares.
Especificamente, o tema surgiu com a candidatura do ex-jogador e ex-treinador Andrade, que se limita a explorar a sua ligação com o Flamengo para angariar votos. A indignação tem sempre a mesma origem: é preciso escolher candidatos que defendam o “bem da comunidade”, a “melhoria da população” e outras boas intenções semelhantes, ao mesmo tempo que seria necessário repudiar candidatos que “usam” o Flamengo para se eleger.

À exceção de Patricia Amorim – para quem todo castigo é pouco – eu não vejo mal algum que um candidato se proponha a ser representante “do Flamengo”  ou da “Igreja XPTO”, ou do “Funk” ou qualquer grupo ou segmento que bem entender na Câmara Municipal.  Aliás, o esperado é que fosse exatamente assim, em qualquer situação.

Talvez por conta desse anacronismo de nos enfiarem goela abaixo muitas horas de propaganda eleitoral gratuita, a gente acaba dando à eleição municipal uma importância que ela está muito longe de ter.

Um Prefeito, por conta de muitas peculiaridades brasileiras sobre as quais não vale nem a pena se alongar, tem uma capacidade de avaliação muito limitada, porque, a teor da Constituição Federal, até nas demandas centrais da população – saúde e educação – os municípios atuam mediante a “cooperação técnica e financeira da União e dos Estados”. Segurança, então, esqueçam: não há nada que um Prefeito possa fazer, a não ser mentir para o eleitor de que cuidará disso.

Não faz tanto sentido um viés ideológico muito acentuado na eleição municipal. Claro que ideologia é algo que influencia a nossa visão de mundo em amplos aspectos. Se você é conservador ou progressista, você o será nos grandes e nos mínúsculos temas. O problema é que o voto de opinião também é algo raro na população.

Mas é justamente a parcela mais instruída da população – aquela que move seus impulsos eleitorais pela ideologia – que faz as piores escolhas na eleição local. Eu sei que é difícil perceber exatamente quais os interesses estão em jogo, mas basta pensar um pouco que eles surgem.

Eu andei tentando convencer meus vizinhos em Canela (RS) a transferirmos nossos títulos para lá. Nossa rua é apenas parcialmente asfaltada e quem tem casa na parte final precisa encarar o barro quando chove. Calculei que poderíamos juntar uns 100 votos se todos aderissem, mas o assunto não foi à frente.

Claro que poderiam nos acusar de “insensibilidade social”, porque o interesse de veranistas relativamente endinheirados não deveria se sobrepor às carências da população pobre da cidade. Só que o meu interesse pode ser menos nobre, mas não deixa de ser legítimo. E eu tenho todo o direito de lutar por ele.

O curioso é que os mais carentes e menos instruídos costumam ter uma percepção mais pragmática e acertada do que a chamada “elite”. Comunidades inteiras costumam votar em bloco em algum candidato que atenda suas demandas mais urgentes e atue como um interlocutor junto ao Poder Municipal. Porque Vereador, minha gente, não tem muito mais a fazer senão isso: garantir o calçamento da rua ou a extensão da rede de esgoto a partir das definições orçamentárias.

Voltando ao caso do Andrade (que aqui entra como exemplo, não estou recomendando que ninguém vote no maior campeão brasileiro de todos os tempos), considero quase que essencial que o Flamengo tenha, sim, um representante que lute por seus interesses na Câmara Municipal.

Muito do que diz respeito aos negócios do clube tem relação direta com o Poder Municipal. Querem ver?

Posso construir estádio na Gávea? Posso comercializar cerveja nos jogos ou no entorno do estádio? Posso transformar a minha sede em hotel? Posso criar linhas especiais e fretadas para transporte de torcedores até o Engenhão? Posso evitar o comércio informal próximo ao estádio?  Posso criar regras especiais de estacionamento para quem vai ao jogo? Posso limitar o número de gratuidades e meia-entrada?

Tudo isso passa pela Câmara Municipal. E é absolutamente legítimo que a instituição se articule para ter um ou mais representantes claramente alinhados aos seus interesses particulares, que muitas vezes colidem com outros interesses (proibir o comércio informal atinge os vizinhos do Engenhão, limitar as gratuidades é antipático, construir o estádio na Gávea vai irritar os moradores do Leblon, etc.). Não existe um “bem coletivo”. Aquilo que beneficia um quase sempre prejudica outro.

Compreender essa dinâmica do processo eleitoral e escolher vereadores comprometidos com aquilo que é importante para nós de forma mais concreta deveria ser algo corriqueiro, valorizando o nosso voto. Infelizmente, ainda é interpretado de modo pejorativo, sob a ilusão de que a política pode se assemelhar a um sacerdócio altruísta e de que há um meio de se fazer “o melhor para todos”.

Normalmente, quem pensa assim quase sempre em poucos meses se esquece do nome do eleito. Mas quem vota movido pelo seu interesse particular e imediato sempre se lembra do que fez e cobra com mais rigor. É disso que precisamos para elevar o nível da política, não apenas de uma cartilha de boas maneiras e promessas vagas.