Nesta segunda feira de uma semana que é bem curta para muita gente – embora para mim não seja – o colunista Rafael Rafic em sua “Made in USA” traça uma comparação entre as sinopses das escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro e os sambas resultantes.
A coluna será apresentada em duas partes: hoje as agremiações que desfilam no domingo e, amanhã, as de segunda feira.
Sambas vs Sinopses – Parte I
Depois de analisar e dar notas as sinopses de enredo do Grupo Especial, o que é incomum no mundo carnavalesco, quero propor aqui no Ouro de Tolo outra análise incomum.
Analisarei os sambas-enredos escolhidos pelas Escolas do Grupo Especial. Mas não quero analisar os sambas-enredo por eles próprios, simplesmente lhes dando notas ou ranqueando-os. Esse tipo de análise teremos aos montes assim que o CD sair, em dezembro.
Quero, aproveitando a análise dos enredos que fiz aqui em julho, comparar a avaliação de qualidade do samba-enredo escolhido pela escola em relação à sinopse da mesma. O intuito é ver o quanto a qualidade da sinopse influenciou (ou não) o samba-enredo.
Mais uma vez, a análise será feita pela ordem de desfile. Começaremos hoje com as escolas de domingo. Amanhã, as de segunda feira.
Domingo
1 – Inocentes:
Enredo: As Sete Confluências do Rio Han.
Autores da Sinopse: Roberta Alencastro Guimarães e Wagner Gonçalves
Carnavalesco: Wagner Gonçalves
Autores da Sinopse: Roberta Alencastro Guimarães e Wagner Gonçalves
Carnavalesco: Wagner Gonçalves
Nota dada à sinopse na avaliação de julho: 2
Autores do samba-enredo: Billy Conti, Dominguinhos, Ildo dos Santos, Juarez Rosseto, Mará, J.J. Santos e Miri Matéria
A Inocentes vem com um enredo difícil de explicar sobre a história, cultura e imigração coreanas; todas as três desconhecidas no Brasil. Não bastasse, o enredo foi mal elaborado. Porém, mesmo o samba-enredo não sendo um grande samba, ficando no terço final da safra 2013, é apresentável para grupo especial.
Aqui temos o primeiro exemplo do ano no qual os compositores tiraram leite de pedra. Vocês verão que tivemos outros vários, reforçando a tese da “ressurreição” do gênero samba-enredo, já comentada aqui no Ouro de Tolo.
Resultado: samba consideravelmente acima do enredo. Mas ainda sim ambos na segunda metade do Grupo Especial. Influência negativa da sinopse..
2 – Salgueiro
Enredo: “Fama”
Texto: Renato Lage e Márcia Lage
Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage
Texto: Renato Lage e Márcia Lage
Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage
Nota da sinopse: 3,5
Autores do samba-enredo: Marcelo Motta, João Ferreira, GE Lopes e Thiago Daniel
Sinopse complicada, polêmica e, em minha análise, ruim. Isso se refletiu na safra medíocre que tivemos no Salgueiro esse ano. Ao final ganhou o único samba digno de Grupo Especial. Ainda sim é um samba para ficar tranquilamente na segunda metade do grupo e, claro, como eu já adivinhara é um autêntico pula-pula.
Resultado: samba ligeiramente melhor que a sinopse, ambos na segunda metade do grupo. Influência negativa clara da sinopse.
3 – Unidos da Tijuca
Enredo: Desceu num raio, é trovoada! O Deus Thor pede passagem para mostrar nessa viagem a Alemanha encantada
Texto: Isabel Azevedo, Simone Martins, Ana Paula Trindade e Paulo Barros
Carnavalesco: Paulo Barros
Texto: Isabel Azevedo, Simone Martins, Ana Paula Trindade e Paulo Barros
Carnavalesco: Paulo Barros
Nota da sinopse: 6,5
Autores do samba-enredo: Julio Alves, Totonho, Dudu e Elson Ramires
A sinopse é correta, mas sem grandes destaques. Mediana e, pareceu-me, sem o toque especial de Paulo Barros. A safra tijucana foi sofrível, mas um samba se salvou: justamente o campeão. Como cada escola só precisa de um samba por ano, tudo bem.
O samba é mediano, com uma segunda parte até bem ruim (como sempre é difícil fazer letra para enredo de Paulo Barros). Mas teve uma sacada genial no refrão (“metade do meu coração é Tijuca/ A outra metade Tijuca também”) que o faz disputar posições medianas no Grupo.
Resultado: samba acompanhou par e passo a qualidade da sinopse, ambas medianas.
4 – União da Ilha do Governador
Enredo: “Vinícius no Plural: Paixão, Poesia e Carnaval”
Texto: Alex de Souza
Carnavalesco: Alex de Souza
Texto: Alex de Souza
Carnavalesco: Alex de Souza
Nota da Sinopse: 10
Autores do samba-enredo: Ginho, Junior, Vinicius do Cavaco, Eduardo Conti, Professor Hugo e Jair Turra
Aqui, tivemos uma inovação brilhante e uma aula de como se fazer uma sinopse, dada pelo carnavalesco Alex de Souza. Porém, para variar, a Ilha pegou a sinopse, amassou, fez bolinha de papel dela e a usou como bola de basquete para um arremesso certeiro de 3 pontos – direto para a lata do lixo.
O problema aqui é muito mais complicado do que uma simples análise “sinopse x samba-enredo”.
Para começar, a ala de compositores insulana está muito maltratada há anos por sua diretoria, o que fez com que sumissem vários talentos dela. Assim, a qualidade dos sambas vem caindo e não é de hoje.
A isso credito o fato de não surgir aqui um samba fantástico em toda a safra, diferentemente das outras duas escolas que ganharam excelente avaliação de suas sinopses: Portela e Vila Isabel.
Não satisfeita com isso, a Ilha conseguiu a “proeza” de ser a única escola em 2012 que não escolheu o samba que a comunidade queria (e fez isso pelo segundo ano consecutivo). O samba vencedor era o único da final que não tinha qualquer apoio relevante, seja da comunidade, seja da diretoria, seja dos segmentos.
[N.do.E.: mas era o samba preferido do Presidente Ney Fillardi. Samba que, aliás, sofreu mudanças em sua melodia]
Assim, ela simplesmente jogou fora pelo menos quatro sambas bons (sambas de Aloísio Vilar, Almir da Ilha, Marquinhos do Banjo e Carlinhos Fuzil) que, por mais que não chegassem ao “Top 10” da sinopse, ainda salvariam a pátria e disputariam vaga na primeira metade do Grupo.
A Ilha escolheu mal demais o samba e, mesmo com a melhor sinopse do ano (em conjunto com a Portela), ela disputa o “título” de pior samba do ano com a Mocidade.
Resultado: samba infinitamente inferior à sinopse. Prova de que sinopse não é sinônimo imediato de bom samba.
5 – Mocidade
Enredo: Eu vou de Mocidade com Samba e Rock in Rio – Por um Mundo Melhor.
Texto: Alexandre Louzada (pelo menos é quem assina)
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Texto: Alexandre Louzada (pelo menos é quem assina)
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Nota da Sinopse: 5
Autores do samba-enredo: Jefinho Rodrigues, Jorginho Medeiros, Marquinho Indio, Domingos PS, Moleque Silveira e Gustavo Henrique
Já comentei o desastre que foi a sinopse da Mocidade frente ao tema e indiquei que seria complicadíssima para se fazer um samba bom.
Dito e feito. A Mocidade teve 45 sambas concorrentes, mas podia juntar os 45 que não daria um mísero samba digno. Até compositores gabaritados como Diego Nicolau (campeão de 2012) fizeram sambas sofríveis, muito abaixo do que costumam fazer.
No final, levou aquele que a comunidade queria e era o menos pior, mas ainda sim fecha a raia do Grupo Especial – em uma disputa árdua com a Ilha pela lanterna.
Alias, essa é a única nota de sinopse da qual me arrependi. Hoje daria uma ainda menor: 3,5.
Resultado: samba do nível da sinopse, ambos muito ruins. Influência negativa clara da sinopse.
6 – Portela
Enredo: Madureira… Onde Meu Coração se Deixou Levar
Texto: Carlos Monte e Paulo Menezes
Carnavalesco: Paulo Menezes
Texto: Carlos Monte e Paulo Menezes
Carnavalesco: Paulo Menezes
Nota da Sinopse: 10
Autores do samba-enredo: Wanderley Monteiro, Luiz Carlos Máximo, Toninho Nascimento e André do Posto 7
Dessa safra posso falar com bastante propriedade. Pude acompanhar a disputa de samba-enredo desde sua primeira eliminatória até a final. Em um momento inicial, disse que a safra era sofrível com apenas um samba espetacular – justamente o que se sagraria vencedor.
Porém, tenho que admitir que o desenrolar da disputa me fez mudar de idéia. Não quanto ao samba sensacional, que continuo achando sensacional (mesmo com as mudanças horripilantes e insensíveis feitas em sua letra e melodia após o fim da disputa), mas quanto à qualidade da safra.
Hoje classifico mais dois sambas como dignos de irem à avenida se não fosse a obra-prima que o quarteto vencedor aprontou mais uma vez. Além desses, teve mais 2 ou 3 sambas razoáveis na disputa. No que acabou sendo uma safra melhor do que a Portela teve nos últimos anos – e tenho que destacar o papel da sinopse nesse fato.
[N.do.E.: discordo do colunista. A safra da Portela foi bastante fraca e, com boa vontade, além do vencedor somente mais um samba poderia ir para a avenida]
Para a comparação proposta em relação ao samba vencedor, uma excelente sinopse terá um samba a sua altura para representá-la na avenida.
Não coloco o samba acima da sinopse (como se isso ainda fosse possível) por causa das mudanças posteriores (feitas por diretoria e puxador) que pioraram consideravelmente o samba em relação a sua versão concorrente.
Será bastante interessante ver o que ocorrerá com a Portela e o seu sambão vindo logo depois dos dois piores sambas do ano, que virão juntos logo antes de sua entrada na avenida.
Resultado: samba pari passu com a sinopse, ambos em altíssimo nível.
[N.do.E.: infelizmente, as notícias que chegam do barracão da Portela são MUITO preocupantes.]
Até amanhã, com as escolas de segunda feira.