Veio da noite profunda e do ventre maldito dos tumbeiros. Cruzou a Calunga Grande e, das entranhas da dor, vislumbrou nos céus de Tupã a mesma estrela a anunciar o retorno à Aruanda ancestral, a terra sem males do Morubixaba, seu irmão na mesma sina e guerreiro da mesma guerra.
Com ele, por ele, Nzazi veio batendo seu tambor, Dandalunda abençoou as águas, Lembarenganga amenizou o frio e Vunji manteve na escuridão o sorriso moleque. Oxóssi lhe deu um embornal de flechas certeiras e Ogum, seu irmão, abandonou o arado e ergueu a espada de Marechal de Campo. De Logunedé, o caçador menino, pedra de rio fundo, recebeu a dádiva maior do canto. Olorun, Zambiapongo, lhe deu um samburá de melodias.
Jogou a capoeira escondido pela vastidão de um mar de sambaíbas, arrepiou São Bento Grande e deu volta ao mundo. Gritou machado pro jongueiro velho e pediu licença aos catimbozeiros encantados. Foi ferido, quase de morte, mas resistiu como junco que não quebra. Optou pela luta contra a intolerância e o preconceito e, com seus guerreiros de fé, criou quilombos.
Ergueu o brado de liberdade, o mesmo que cavalgou o vento desde a serra da Barriga e berra ainda nos nossos ouvidos acomodados. Sentou em trono de rei, ergueu altaneiro o olhar que até hoje desafia. Não humilhou a ninguém, não foi humilhado. Vitorioso, fulgura como ancestral maior no firmamento da Grande Noite, na memória do tempo. O dia de hoje, 2 de dezembro, é dele.
Com a coité e a cuia no embornal, ofereço o primeiro gole ao guardião das esquinas, Homem da Rua, e deixo aqui, com as bençãos dos mais velhos, gravado o nome do deus maior, trilha de todos os Palmares e vivo, profundamente vivo, em cada toque de tambor que chama seus sacerdotes e devotos para o arrepio sagrado que sacode as cadeiras, saracoteia no riscado, arranca a lágrima, arrebenta o peito e recria a primeira noite do mundo:
– Samba